Juros altos sufocam a economia e as contas públicas
Correio Braziliense
O que também se espera é que o governo mensure a eficiência dos seus gastos para encontrar espaço para cortar, mostrando, assim, empenho em buscar o equilíbrio fiscal
Taxas de juros altas sufocam a economia, forçando a redução do consumo e inibindo os investimentos. Pesam ainda sobre as contas públicas, praticamente fazendo com que a dívida pública cresça, uma vez que o prêmio que o governo paga para rolar seus títulos é maior do que a margem de aumento da arrecadação. Com a inflação medida pelo Índice Nacional de Preços ao Consumidor Amplo (IPCA) em 3,93% em 12 meses e as projeções do mercado financeiro indicando que a taxa feche o ano em 3,9%, não seria surpresa se o Comitê de Política Monetária (Copom) fizesse, hoje, um novo corte de 0,25 ponto percentual, até para confirmar sua autonomia em relação ao governo e ao mercado financeiro, que aposta na manutenção da taxa em 10,5%.
Aqui não se fala de frustrar expectativa ou gerar desconfiança, mas, sim, de sinalizar que, para além da expectativa de bancos e instituições financeiras, o Banco Central (BC) está atento à atividade econômica, que, pelo seu próprio indicador, o IBC-Br, ficou estagnada em abril. A dose errada do remédio pode agravar a doença. Ao manter a taxa de juros elevada, o BC pressiona o custo da dívida, elevando o endividamento público, que gera desconfiança, valoriza o dólar e pressiona a inflação — justificativa para manter os juros elevados em um ciclo vicioso que alimenta ganhos no mercado financeiro.
Em um ambiente como esse, seria prudente que o presidente do BC, Roberto Campos Neto, em nome da autonomia do banco, se limitasse a conduzir a política monetária sem dar declarações que fomentem essa ou aquela interpretação por parte do mercado ou mesmo participar de reuniões e eventos com notório cunho político. Não se quer censurar ou amordaçar as ações do presidente do BC, mas simplesmente cobrar bom senso no momento em que todos devem se unir por um equacionamento sustentável das condições para o crescimento econômico.
Quando defende taxas de juros menores, o presidente Luiz Inácio Lula da Silva não está indo contra o mercado financeiro nem dizendo que deseja o descontrole das contas públicas, mas, sim, defendendo empresários que precisam tomar crédito para investir. Juros altos aumentam a renda de quem tem dinheiro aplicado em títulos e o custo para quem está endividado ou precisa recorrer a financiamento. E, como presidente, Lula pode fazer tais declarações, ainda que o mercado financeiro não goste e, constantemente, as use para justificar momentos puramente especulativos.
Por outro lado, o governo e o próprio presidente Lula devem mostrar empenho em equacionar o deficit público, num trabalho que envolve o Congresso e o Judiciário, para que a busca por um equilíbrio fiscal seja de todos, não pesando apenas sobre o governo federal enquanto os outros Poderes criam despesas fora da previsão orçamentária. Prorrogação de benefícios criados para situações emergenciais são uma rotina no Brasil e fazem parte do bolo de R$ 625 bilhões de isenções fiscais.
Não se questiona a necessidade de o governo ser indutor do desenvolvimento da economia, mas é preciso verificar o ganho efetivo desses benefícios que, no passado, em alguns casos, serviram apenas para recompor margem de lucro de filiais de corporações internacionais no Brasil. O que também se espera é que o governo mensure a eficiência dos seus gastos para encontrar espaço para cortar, mostrando, assim, empenho em buscar o equilíbrio fiscal. Disputas políticas em áreas econômicas são tão ruins para a economia quanto juros altos.
Folha de S. Paulo
Diferença entre os que aprovam e reprovam
governo fica menos estreita, apesar de gestão econômica ter se tornado difícil
Consideradas as circunstâncias, Luiz
Inácio Lula da
Silva (PT)
pode se dar por satisfeito com a aferição de sua popularidade na mais recente
pesquisa do Datafolha.
Se em março o instituto havia detectado um
empate técnico entre os que aprovavam (35%) e os que reprovavam (33%) a
administração petista, desta vez a diferença voltou a se alargar —para 36%, o
governo é ótimo ou bom, enquanto 31% o consideram ruim ou péssimo.
Trata-se de variações na margem de erro da
sondagem, que é de 2 pontos percentuais para mais ou para menos, o que, a
rigor, indica um quadro de estabilidade. De todo modo, a fotografia parece
menos ruim para o Palácio do Planalto.
Ainda mais porque, entre uma pesquisa e outra, o governo colecionou trapalhadas gerenciais e derrotas legislativas que, ao lado da piora do cenário internacional, tornaram mais problemática a gestão da economia.
Foi nesse período que Lula decidiu pelo
afrouxamento das metas de controle das contas do Orçamento, enquanto o banco central dos Estados
Unidos indicou que os juros americanos ficarão altos por mais
tempo. Mais recentemente, o Congresso devolveu uma medida provisória destinada
a elevar a arrecadação de impostos.
A consequência mais visível dessa combinação
de fatores foi a escalada
das cotações do dólar, de menos de R$ 5 para mais de R$ 5,40. Ainda
não se viram, porém, impactos na inflação e no emprego.
Resta claro que, neste seu terceiro mandato,
Lula tem contado com margens bem mais estreitas de popularidade. Sua aprovação
nunca ultrapassou os 38% apurados em março de 2023, no primeiro levantamento do
Datafolha após a posse —quando encerrou seu segundo governo, em 2010, o petista
marcava impressionantes 83%.
A mudança drástica de patamar reflete,
obviamente, um panorama econômico muito menos empolgante que o do boom das
matérias-primas de mais de uma década atrás. Não há mais ascensão social como
antes, nem capacidade de aumento de gasto público sem consequências imediatas.
Reflete, também, o cenário político de
polarização, no qual o vigor do bolsonarismo impulsiona reprovação a Lula que,
desde o ano passado, não caiu abaixo de 27% entre os brasileiros aptos a votar.
À falta de ideia melhor, Lula prefere
investir no antagonismo e reforçar laços com apoiadores mais fiéis. Assim fez
nesta terça (18), em entrevista à CBN, ao voltar sua retórica contra o
governador de São Paulo, Tarcísio de
Freitas (Republicanos), e o presidente do Banco Central, Roberto
Campos Neto.
É uma escolha pobre e arriscada, mas que
favorece os dois polos do espectro ideológico nacional.
Pantanal em chamas
Folha de S. Paulo
Recorde de área queimada expõe falta de
política para enfrentar mudança do clima
A saída de Jair Bolsonaro (PL) trouxe
sensatez ao Ministério do Meio Ambiente.
Contudo, apesar da mudança e de Luiz Inácio Lula da
Silva (PT) se colocar no cenário global como liderança no setor, sua gestão
ainda não apresentou resultados concretos e parece tratar dados científicos com
desmazelo.
A atual onda de incêndios no Pantanal é
um exemplo disso.
O bioma é a maior planície alagável do mundo.
Entre outubro e março, anualmente, as chuvas enchem a bacia do Alto Paraguai,
que transborda pela região. Mas o Centro Nacional de Monitoramento e Alertas de
Desastres Naturais já registra déficits pluviométricos desde o verão de 2019
para 2020.
Tal seca foi intensificada com o fenômeno
climático El Niño, que durou de junho do ano passado até este junho —em
novembro de 2023, o local teve 4.134 focos de calor, o maior índice registrado
pelo Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais (Inpe)
no período.
Assim, a temporada de incêndios, que costuma
ter início em agosto, veio mais cedo. Com projeções baseadas em evidências,
governos federal e estaduais da região deveriam ter se antecipado com planos
para prevenção contra queimadas e infraestrutura para contê-las.
De janeiro à última sexta (14), surgiram
2.019 focos de incêndio, ante 133 no mesmo período de 2023. No dia 11, a área
atingida chegou a 372 mil hectares, número 54% acima do
verificado no pior ano de queimadas no bioma —2020, com 241,7
mil hectares até a mesma data. Em 2023, foram 24.775 mil hectares no período de
referência.
O território tem zonas de difícil acesso, com
deslocamentos de brigadistas que chegam a
durar sete horas. Segundo especialistas da ONG SOS Pantanal, faltam
pessoal, equipamentos, helicópteros e aviões para os desafios de logística.
A seca tende a perdurar e é possível que
outro fenômeno meteorológico, o La Niña, afete a
região no segundo semestre. O aquecimento global, que bagunça o
clima do planeta, não arrefecerá.
É preciso, portanto, que governos federal e
estaduais estejam em alerta com políticas integradas e contínuas. Boas
intenções não serão suficientes.
Lula demonstra desorientação na economia
O Globo
Em vez de voltar a atacar Campos Neto,
presidente deveria cuidar do controle de gastos e do ajuste fiscal
Em entrevista à rádio CBN na véspera de mais
uma decisão sobre juros, o presidente
Luiz Inácio Lula da Silva voltou a atacar o presidente do Banco Central (BC),
Roberto Campos Neto. Não é papel do presidente da República
interferir nas deliberações da autoridade monetária. Lula teria
feito melhor se explicasse como pretende ajustar as contas
públicas para resgatar a credibilidade de seu governo diante do
mercado, em plena deterioração.
Em desafio aos fatos, ele afirmou que o
comportamento do BC é a única “coisa desajustada” na economia brasileira.
Campos Neto, disse Lula, não tem autonomia, “tem lado político” e “trabalha
mais para prejudicar o país do que ajudar”. Comparou-o ao ex-juiz Sergio Moro e
criticou o jantar que lhe ofereceu o governador paulista Tarcísio de Freitas
(Republicanos-SP): “Como ele vai para uma festa quase que assumindo cargo no
governo de São Paulo?”.
Lula tem razão num ponto: enquanto é
presidente da autoridade monetária, Campos Neto não deveria comparecer a
homenagens com evidente fundo político. Pior ainda foi ter dito, segundo
relatos, que aceitaria o cargo de ministro da Fazenda num eventual governo
Tarcísio. Autonomia e independência devem ser exercidas em decisões, mas também
demonstradas publicamente. Se Campos Neto tivesse esse cuidado, não teria
aberto o flanco que permitiu a Lula atacá-lo.
No que diz respeito a seu papel como
presidente do BC, contudo, a acusação de “bolsonarista” não tem cabimento.
Quando Jair Bolsonaro tentava a reeleição, os juros subiram para 13,75%. Desde
que Lula assumiu, não houve aumento. Na presidência do BC, Campos Neto mostrou
independência e foco no combate à inflação. No Conselho de Política Monetária
(Copom), seu voto vale tanto quanto os demais.
De forma pertinente, o Copom tem alertado o
governo sobre os riscos do descontrole fiscal. Antes mesmo de assumir, Lula fez
opção por aumentar despesas, com a PEC da Transição. No primeiro ano, aprovou
novas regras fiscais que dependem essencialmente do aumento de arrecadação para
compensar os gastos, mas a estratégia chegou ao limite. A Bolsa em queda e a
desvalorização do real traduzem a incredulidade dos agentes econômicos. Para
tentar salvar a credibilidade do arcabouço fiscal, os ministros da Fazenda, Fernando
Haddad, e do Planejamento, Simone Tebet,
discutiram com Lula nesta semana alternativas para controlar gastos. Era com
isso que o presidente deveria se preocupar.
Os termos do ajuste ainda não estão claros,
mas as prioridades deveriam ser duas: 1) desvincular das receitas os pisos de
gastos em Saúde e Educação; 2) desvincular do salário mínimo os benefícios
previdenciários. Ao contrário do que dizem os críticos, não se trata de corte
ou congelamento, apenas de calibrar o ritmo de crescimento das despesas para
que, paulatinamente, caibam no Orçamento. Outras ideias oportunas são a redução
das emendas parlamentares e uma reforma administrativa que melhore a gestão e
diminua o peso das despesas com pessoal.
As reações de partidários do governo são
preocupantes. O PT divulgou comunicado em tom conspiratório, afirmando, contra
todas as evidências e contra atos da própria equipe econômica, que inexiste
crise fiscal. Nada mais distante da realidade. Lula tem o dever de transmitir
sinais firmes de compromisso com o controle de gastos, do contrário a crise só
se agravará.
Atraso em plano que estabelece metas traz
novo prejuízo à educação
O Globo
Além de retardar reforma do ensino médio,
governo protela apresentação do novo PNE
O atraso na implementação de medidas
importantes na educação tem
sido recorrente no governo do presidente Luiz Inácio Lula da
Silva. O novo ensino médio não consegue avançar. As mudanças aprovadas em 2017
foram suspensas em abril do ano passado para ajustes na proposta, mas até agora
congressistas e governo não chegaram a um acordo. A expectativa é que elas
fiquem para 2026. Está
claro também que não será cumprido o prazo para elaboração do novo Plano
Nacional de Educação (PNE), que estabelece as metas do setor por dez
anos. O plano atual, aprovado em 2014, vale até 25 de junho. É outro atraso que
traz prejuízos.
“Ninguém mais acredita que vai ser possível
discutir e votar adequadamente o PNE neste ano”, diz o presidente da Frente
Parlamentar Mista da Educação no Congresso, deputado Rafael Brito (MDB-AL).
Como a nova versão ainda não foi liberada pelo MEC, considerando que em julho o
Parlamento entra em recesso e em outubro haverá eleições municipais, os
congressistas já trabalham para prorrogar as atuais diretrizes até o fim de
2025. Essa proposta foi aprovada no Senado e está em análise na Câmara. “Está
pacificado que o plano atual terá de ser prorrogado”, afirma Brito.
Entre as metas do último PNE estavam
universalizar a educação infantil para crianças de 4 a 5 anos, oferecer tempo
integral em pelo menos 50% das escolas públicas, alfabetizar todas as crianças
no máximo até o fim do terceiro ano do ensino fundamental e triplicar as
matrículas no ensino técnico. Cerca de 90% dos objetivos não foram cumpridos,
revelou estudo da Campanha Nacional pelo Direito à Educação. Mesmo levando em
conta os danos causados pelo longo fechamento de escolas durante a pandemia, é
evidente que há muitos problemas a sanar.
A discussão sobre o novo PNE começou mal. O
esboço do texto, aprovado em janeiro durante a Conferência Nacional de Educação
(Conae), foi alvo de críticas pela politização de temas que deveriam ser
tratados de forma técnica. As propostas incluíam críticas aos ex-presidentes
Michel Temer e Jair Bolsonaro e a defesa de ações de diversidade nas escolas
(tema delicado num ambiente de polarização). Debater propostas que mexem com a
vida de escolas, alunos e professores é sempre saudável, desde que o debate não
se eternize a ponto de impedir qualquer avanço.
Em audiência na Câmara, o ministro Camilo Santana prometeu apresentar o texto nos próximos dias e disse que ele “será estritamente técnico, focado em metas e objetivos bem definidos”. É o que se espera. Não faz sentido prorrogar metas traçadas dez anos atrás, quando a realidade do país era outra. É preciso rever o plano diante da nova realidade e começar a trabalhar desde já para que seja cumprido.
Lula resiste a corte de gastos e politiza
decisões do BC
Valor Econômico
Declarações de Lula agravam uma crise criada pelas sinalizações equivocadas emitidas pelo Planalto
A equipe econômica corre contra o tempo para
buscar meios que consertem de alguma forma as falhas do novo regime fiscal e
que, ao mesmo tempo, agradem ao presidente Lula - uma missão terrível. O regime
fiscal perdeu rapidamente a confiabilidade depois que suas metas foram
modificadas para o orçamento de 2025 e após o Congresso rejeitar a MP que
modificava a compensação dos créditos de PIS-Cofins. O principal caminho do
arcabouço, o aumento das receitas, sem corte relevante de despesas, foi barrado
com uma rara devolução da MP pelo Senado.
As falhas básicas do regime fiscal foram o
ajuste pelo foco quase único no aumento de receitas, para o qual o espaço
vislumbrado se revelou menor do que o real, devido à alta carga tributária
existente, e a vinculação de gastos de educação e saúde à arrecadação. O
aumento de receitas leva automaticamente a mais despesas, que podem superar o
limite estabelecido para elas: de 0,6% a 2,5% além da inflação.
A lógica matemática desse ajuste esbarra no
cálculo político. O PT bombardeou o teto de gastos anterior, que corrigia
educação e saúde pela inflação, argumentando que havia grande arrocho em dois
setores essenciais para a grande maioria da população. Esse é também o
argumento do presidente Lula, que reiterou no sábado, pela enésima vez, que não
pretende fazer qualquer ajuste nas contas públicas que prejudique os “pobres”.
A rediviva política de correção do salário
mínimo pela inflação mais a taxa de crescimento da economia de dois anos antes
acrescentou despesas que avançam com rapidez superior ao limite de gastos
exatamente na maior rubrica do orçamento: gastos previdenciários e benefícios
sociais. Há duas formas de solucionar esse problema: ou o salário mínimo deixa
de ter aumento real ou se desvincula o mínimo de aposentadorias e benefícios.
O presidente Lula também faz cara feia para
as propostas para conter o avanço acelerado dos gastos previdenciários. Retirar
a indexação da previdência pelo salário mínimo será uma batalha constitucional,
porque muitos juristas consideram essa indexação uma cláusula pétrea da Carta
Magna. Já para o BPC, seguro desemprego e abono salarial, a desindexação não
teria grandes obstáculos legais. Mas será preciso convencer o presidente, que
não gosta da ideia.
A correção das despesas de educação e saúde pela receita e dos gastos previdenciários pelo mínimo turbinado por aumento real levarão a máquina pública à paralisia em um par de anos, com o drástico encolhimento das despesas discricionárias, onde se alojam o custeio e os investimentos. Além disso, ambos tornam extremamente difícil o cumprimento da meta fiscal, de zerar o déficit primário neste e no próximo ano. A mudança da meta e a evidência de que, mesmo assim, será difícil cumpri-la estão na base da desconfiança dos investidores sobre a trajetória da dívida pública, que tem contribuído para provocar desvalorização do real e elevação dos juros futuros - ao lado dos fatores externos.
O presidente Lula participou da reunião da
Junta Orçamentária e, ao que parece, não deu aval a nenhuma medida decisiva
para sair da enrascada fiscal. Desvinculações foram consideradas soluções de
médio e longo prazos, que não serão atacadas já. A equipe econômica
provavelmente sairá em busca de evitar fraudes, como operações cadastrais no
BPC e auxílio doença, cujo crescimento chama a atenção. Coibir benefícios
irregulares pode trazer algum resultado, mas esta deveria ser uma tarefa
cotidiana do governo e não resolve o problema.
Cogita-se renovar a Desvinculação de Receitas
da União (DRU), criada no Plano Real para dar flexibilidade ao Executivo no
manejo do orçamento. Esse, entretanto, não é um instrumento adequado para
cortar despesas, mas para remanejá-las de acordo com as necessidades do
governo. Seria, porém, uma forma de dar mais fôlego ao regime fiscal. Por fim,
voltou à mesa a possibilidade de contingenciamento, zerado já na segunda
revisão de receitas e despesas em maio. São remendos, no entanto.
Em vez de se preocupar com conter gastos, o
presidente Lula resolveu redobrar a carga contra o Banco Central durante a
reunião do Copom. O presidente do BC, Roberto Campos Neto, compareceu a uma
homenagem feita pelo governador de São Paulo, Tarcísio de Freitas
(Republicanos), de evidente cunho político, o que não deveria ter feito, como
autoridade monetária que é. Foi o suficiente para que Lula dissesse que o BC é
a “única coisa” desajustada na economia e que a inflação está sob controle.
O presidente relevou a discussão técnica realizada pelo conjunto dos diretores do banco, que tem apontado há meses os riscos fiscais evidentes e seus efeitos nocivos à inflação e aos juros. Ao tachar como motivadas politicamente as decisões monetárias, Lula as coloca no campo da das preferências ideológicas, e não no da racionalidade econômica. Com isso, acentua a desconfiança de que não pretende cortar despesas, coloca em xeque o regime fiscal e agrava uma crise criada pelas sinalizações absolutamente equivocadas emitidas pelo Planalto.
O vaudeville de Lula
O Estado de S. Paulo
Equipe econômica faz de tudo para mostrar a
disposição de Lula para cortar gastos e reequilibrar o Orçamento, mas o
presidente foge da responsabilidade e tenta culpar o BC
Lula da Silva participou anteontem da reunião
da Junta de Execução Orçamentária, numa encenação destinada a sinalizar que o
presidente enfim se dispôs a rever os gastos do governo. O resultado, claro, é
puro vaudeville lulopetista: Lula, que passou a vida inteira defendendo a
irresponsabilidade fiscal, fica cômico no papel de presidente subitamente
preocupado com o equilíbrio das contas públicas.
Seus ministros, claro, por dever de lealdade,
trataram de espalhar que Lula não gostou do que viu. Segundo a ministra do
Planejamento, Simone Tebet, o presidente ficou “extremamente mal impressionado”
com o tamanho dos subsídios, que consomem quase 6% do Produto Interno Bruto
(PIB). Desse total, os gastos tributários atingiram R$ 519 bilhões, ou 4,8% do
PIB.
O ministro da Fazenda, Fernando Haddad, disse
que a participação de Lula na reunião teria aberto um espaço importante de
discussões. “Eu senti um presidente bastante mais senhor dos números”, afirmou.
É preciso muito esforço da plateia para acreditar na ficção de que só agora
Lula tomou ciência do peso dos subsídios na economia – malgrado ter tomado
posse há 18 meses e estar em seu terceiro mandato. Mas a empulhação não
terminou aí: consta que Lula teria cobrado da equipe econômica um “plano de
ação” para reavaliar esses gastos e reduzir aqueles que não fossem mais
necessários.
Lula vestiu o figurino da austeridade depois
de uma semana muito dura para o governo no Congresso, em que ficou claro o
esgotamento da política de aumentar a arrecadação sem tocar nos gastos. Mas não
demorou nem 24 horas para que Lula tirasse a maquiagem e voltasse a ser Lula:
numa entrevista à Rádio CBN na manhã de terça-feira, ficou claro que o
presidente não tem a menor intenção de colocar qualquer plano de corte de
despesas em prática.
Logo de saída, Lula repetiu a ladainha
segundo a qual é importante diferenciar gasto de investimento. Disse que se
recusa a fazer ajuste fiscal em cima das pessoas mais humildes e não manifestou
a intenção de cortar os gastos tributários, mas de cobrar contrapartidas dos
empresários e setores beneficiados com desonerações, como a manutenção de
empregos.
Por fim, o petista chegou ao ponto que
queria: alvejar o Banco Central (BC). E a crítica não poderia ter sido feita em
momento mais inoportuno: na véspera da reunião do Comitê de Política Monetária
(Copom) para definir a taxa básica de juros.
Para Lula, o País vai bem, e só há uma coisa
“desajustada”. Segundo o petista, não é uma política fiscal incompatível com a
arrecadação e que gera déficits primários há mais de dez anos, e sim o
comportamento do Banco Central. Lula disse que o País precisa de uma taxa de
juros compatível com a inflação, que está, segundo ele, totalmente controlada.
Não é o que apontam as projeções do mercado
para o IPCA, que subiram pela sexta semana consecutiva, segundo o Boletim
Focus. A piora nas expectativas é tão evidente que 43 das 50 instituições
consultadas pelo Projeções Broadcast apostam que a Selic será
mantida, e 20 de um total de 29 acreditam que a decisão será unânime.
O problema da crítica de Lula é que ela não
diferencia o Banco Central, enquanto instituição, da figura de seu presidente,
Roberto Campos Neto. Este jornal já fez reparos à aproximação imprudente de
Campos Neto com o mundo político, em particular com o grupo que faz oposição a
Lula. Mas usar a atitude de Campos Neto para tentar emparedar o BC, como faz
Lula, só traz ruído em um cenário já bastante turbulento, em que o dólar supera
o nível de R$ 5,40. Qualquer decisão que os diretores do Copom venham a tomar
que seja minimamente diferente do esperado poderá ser mal interpretada e
sinalizar que seus integrantes estão sujeitos a pressões políticas.
O pior é que todo o barulho que o presidente
fez só tem uma intenção: encontrar um culpado para livrá-lo do desgaste de ter
de adotar medidas de ajuste fiscal para reequilibrar o Orçamento. Mas essa é
uma agenda da qual nenhum governo pode fugir, sob pena de converter farsa em
tragédia.
Faltou combinar com a sociedade
O Estado de S. Paulo
Protestos contra PL que equipara aborto a
homicídio lembram à bancada dita ‘conservadora’ que sua condição majoritária no
Congresso não lhe dá poder de fazer o que bem entende
Raríssimas vezes em seus 200 anos de
existência o Senado foi tão enxovalhado como na segunda-feira passada. Sob o
busto do patrono da Câmara Alta, Ruy Barbosa, o sr. Eduardo Girão (Novo-CE), um
senador da República, prestou-se ao lamentável papel de cabaretier do circo de
horrores montado no plenário a pretexto de “debater” o Projeto de Lei (PL)
1904/2024, que equipara aborto a homicídio simples, proposto pelo deputado
bolsonarista Sóstenes Cavalcante (PL-RJ).
Não houve debate algum. O que se viu foi a
encenação macabra de um procedimento médico abortivo – com direito a uma
bizarra dramatização do que seria a reação de um feto, protagonizada por uma
artista de Brasília – seguida de intervenções de parlamentares e médicos
favoráveis ao projeto. Como informou a Coluna do Estadão, o presidente do
Senado, Rodrigo Pacheco (PSD-MG), teria ficado “irritado” não só com o
espetáculo grotesco, mas também com a desqualificação da audiência pública
requerida pelo sr. Girão, que, por óbvio, deveria ter dado igual voz aos
contrários à matéria em discussão, se de debate se tratasse.
O Congresso Nacional é um espaço público
laico dedicado ao debate livre, plural e respeitoso, ainda que acalorado, sobre
os mais diversos temas de interesse da sociedade. Entretanto, talvez se
julgando ser os “vitoriosos da História” tão somente por terem conquistado
maioria congressual nas urnas, parlamentares ditos “conservadores” – que não
raro se revelam apenas reacionários – parecem convencidos de que sua agenda
deve se impor naturalmente, sem discussão.
Como já disse mais de uma vez o mentor
intelectual de todos eles, Jair Bolsonaro, “o Estado é cristão, e a minoria que
for contra, que se mude”, isto é, “as minorias têm que se curvar para as
maiorias”. Por isso, segundo esse colosso da democracia brasileira, “as leis
existem, no meu entender, para proteger as maiorias” e, por isso, “as minorias
têm que se adequar”.
Mas a minoria teima em não se adequar, no que
parece ter apoio inclusive de parte da maioria. No fim de semana passado, uma
mobilização da sociedade civil, tanto nas redes sociais como nas ruas de
diversas cidades do País, deteve o avanço açodado e antidemocrático do PL 1904.
O tema, sabidamente sensível para grande parte dos brasileiros, nada tem de
urgente, como a Câmara achou que tinha, nem tampouco prescinde de um debate
honesto e responsável.
Nesse sentido, a chamada voz das ruas se fez
ouvir em alto e bom som. Aqueles que até agora se julgavam ser os senhores dos
destinos do País deverão repensar suas convicções e, principalmente, ajustar o
olhar sobre aqueles que dizem representar no Congresso Nacional. As
manifestações da sociedade, sejam contra o projeto de lei propriamente dito,
sejam contra a tramitação de urgência, mostraram que, por mais forte que seja
uma determinada bancada no Parlamento, é do povo, do qual emana todo o poder, a
palavra final sobre a direção que o País há de tomar em todas as questões de
interesse coletivo.
O tempo dirá se o PL 1904 será votado em
regime de urgência na Câmara; se seguirá a tramitação regular, vale dizer,
debatido nas comissões temáticas antes de ser submetido à deliberação do
plenário; ou, por fim, se será mais um projeto de lei a seguir para o arquivo
da Casa. Seja como for, a reação da sociedade foi fundamental para, no mínimo,
relembrar que esta ainda é uma República democrática e, portanto, caso não
estejam presentes as condições para o requerimento de urgência previstas nos
Regimentos Internos das duas Casas Legislativas, projetos de lei devem ser
discutidos com a devida prudência, ouvindo-se todos os argumentos a eles
favoráveis ou contrários com respeito mútuo.
Os que dizem ser os fiéis representantes
desse Brasil majoritariamente “conservador” mal disfarçam o espírito
autoritário que os anima, como se seus valores e projetos para o País fossem,
por si sós, superiores moral e programaticamente aos demais por força de
maiorias eleitorais circunstanciais. Afinal, é isso uma democracia? Não nas
palavras de Ruy, mais uma vez ele, para quem “as maiorias não são, muitas
vezes, mais do que paixão e injustiça”. Que fique a lição.
Descaramento cabal
O Estado de S. Paulo
O STF descobre, ora vejam, que governo e
Congresso ignoram veto ao orçamento secreto
O ministro Flávio Dino, do Supremo Tribunal
Federal (STF), deixou claro que nem o Congresso nem o governo federal
demonstraram, “de forma cabal”, o cumprimento da decisão da Corte, que em
novembro de 2022 considerou inconstitucional e proibiu o chamado orçamento
secreto. Ao analisar um pedido de organizações da sociedade civil, Dino mostrou
que, ao contrário do que dizem representantes dos Poderes, variantes permitiram
que a aberração orçamentária instituída nos últimos anos resistisse ao tempo e
seguisse vivíssima: a distribuição de emendas parlamentares continua sob
distintos nomes e modelos, que desembocam no mesmo problema, isto é, o
descumprimento de princípios constitucionais como publicidade, impessoalidade e
eficiência. À margem da inconstitucionalidade declarada pelo STF, os cupins do
dinheiro público seguem ativos e famintos.
Têm longa vida os males que ajudaram a
deformar o manejo do Orçamento da União. A ampliação, a imposição e a
diversificação das emendas parlamentares começaram ainda no mandato de Dilma
Rousseff. Em 2015, as emendas se tornaram impositivas, saltando de um patamar
de R$ 9 bilhões para R$ 15 bilhões em 2017, durante o governo de Michel Temer.
Em 2019, com Jair Bolsonaro, um novo triunfo para o Congresso: a impositividade
das emendas coletivas, de bancada – essas, ao menos, distribuídas com certo
controle e equidade. Mas as hostes clientelistas viram a mais generosa
oportunidade com as antigas emendas de relator, identificadas com a sigla RP-9,
e com as transferências especiais sob o rótulo de “emendas Pix”, também
conhecidas como “cheque em branco”, realizadas diretamente pelos parlamentares
em suas bases eleitorais e repassadas de maneira arbitrária e opaca.
Lula da Silva tocou a mesma música do
antecessor, e a distribuição de parte significativa do Orçamento seguiu assim
orientada por critérios essencialmente políticos, não técnicos – muito menos
morais ou republicanos. Prefeituras associadas a parlamentares recebem mais
recursos do que outras por obra e graça dessa proximidade, e não pela
comprovação de sua necessidade. Além de secreto, portanto, trata-se de um
orçamento destinado a quem tem bom padrinho. Com a violação da decisão de 2022,
que supostamente pôs fim ao orçamento secreto, mantêm-se abertas as comportas
que fazem jorrar emendas parlamentares, oficiais e oficiosas, mas, como afirmou
o ministro Flávio Dino, a “mera mudança de nomenclatura não constitucionaliza
uma prática classificada como inconstitucional pelo STF”.
Agora, em seu despacho, o ministro determinou a criação de uma comissão para discutir uma conciliação, incluindo representantes dos Três Poderes, do Ministério Público e do PSOL, autor da ação original. É a demonstração cabal, esta sim, de uma disfuncionalidade que opera em todos os níveis: um STF que não conseguiu fazer valer sua decisão, um Congresso cada vez mais senhor do Orçamento e um Executivo que, incapaz de gerir sua coalizão de partidos com eficácia, ajuda a inflacionar ainda mais o jogo das negociações políticas.
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