quarta-feira, 19 de junho de 2024

Maria Cristina Fernandes - Criticado por Lula, Campos Neto não tem do que reclamar

Valor Econômico

Aproximação do presidente do BC com Tarcísio leva petista a compará-lo à dobradinha Moro/Bolsonaro

Depois de meses de trégua, o presidente Luiz Inácio Lula da Silva voltou a colocar Roberto Campos Neto na mira e, desta vez, o presidente do Banco Central não tem do que reclamar. Em entrevista à CBN, comparou-o ao senador Sergio Moro (União-PR), cuja adesão ao governo Jair Bolsonaro, assumindo o Ministério da Justiça, revelou a partidarização da Lava-Jato. A afirmação de Lula veio por meio de pergunta retórica: “Roberto Campos Neto vai repetir Moro, de rabo preso com a política?”

Não ficou por aí. Disse ainda que o presidente do BC nos seus primeiros mandatos, Henrique Meirelles, foi mais independente do que Campos Neto é do governador de São Paulo, Tarcísio de Freitas: “Ele [o governador] interfere mais do que eu. Pra fazer aquela festa para ele [Campos Neto], deve estar achando a política monetária uma maravilha”.

Meirelles, que na manhã desta terça, participou de uma audiência na Comissão de Constituição e Justiça sobre a proposta de emenda constitucional que amplia a autonomia do BC, confirmou a informação de Lula: “O compromisso que assumiu comigo de autonomia foi, de fato, honrado”.

Na segunda-feira da semana passada, Campos Neto não apenas foi à Assembleia Legislativa de São Paulo (Alesp) receber uma homenagem, como também foi recebido em jantar no Palácio dos Bandeirantes, sede do governo paulista, com direito a 70 convidados.

Vários dos comensais já tinham ouvido do próprio presidente do BC o relato de suposto convite para se tornar ministro da Fazenda de eventual governo de Freitas. Outros, ainda, sonham com o próprio “pai do Pix” na Presidência da República caso o governador opte por uma reeleição ao cargo. Apesar de atenderem ao convite, havia convidados de peso que não gostaram de ver a principal autoridade monetária do país tão enfronhada na política.

Como a entrevista foi no primeiro dia da reunião do Comitê de Política Monetária (Copom), a fala do presidente deu munição a quem vê afronta à autonomia do BC. Poderia ter sido poupado se tivesse se limitado a criticar a politização sem uma ofensiva tão aberta contra a política de juros, naturalmente contaminada pela atuação da principal autoridade monetária do país.

Lula critica Campos Neto desde a transição. Selou uma trégua depois de encontrá-lo, em setembro de 2023, por iniciativa de Fernando Haddad. Só voltou à carga agora depois que seu ministro já havia assumido a linha de frente na crítica ao presidente do BC.

Lula, porém, tomou vacina contra um mercado abespinhado. O presidente não se limitou a dizer que a escolha para substituir Campos Neto, processo que deve ser antecipado para agosto, será guiado pelo duplo compromisso com “meta de inflação e crescimento” de alguém “maduro, calejado, responsável, que tenha respeito pelo cargo e não se submeta a pressões do mercado”.

Foi adiante ao manifestar uma posição desconhecida até aqui no debate sobre a conjuntura de pressão fiscal. Ao ser indagado pelos entrevistadores Cássia Godoy e Milton Jung se descartava medidas mais drásticas como a desvinculação da Previdência da política de valorização do salário mínimo ou uma mudança no sistema de pensões dos militares — regime que, proporcionalmente, é o mais deficitário —, reclamou dos empresários que desfrutam de isenções e cobram corte de gasto social, mas disse: “Não descarto nada”.

E lembrou a reforma da Previdência do seu primeiro governo, que avançou na taxação dos inativos que o governo anterior, de Fernando Henrique Cardoso, não havia sido capaz de fazer. Haddad, vem sendo cobrado pelo mercado sobre o apoio que tem de Lula e não se cansa de se queixar do presidente do BC. Nesta entrevista, Lula deixou claro seu apoio em ambas as investidas.