quarta-feira, 19 de junho de 2024

César Felício - Ataque de Lula a Campos Neto é vacina diante do que vem pela frente no Copom

Valor Econômico

Se o Banco Central é considerado politizado, suas decisões deixam de ser vistas pelo prisma técnico. Tudo vira política

O Comitê de Política Monetária do Banco Central (BC) deve decidir, em sua reunião de dois dias que começou na terça-feira (18), pela manutenção da taxa básica de juros Selic em 10,5%. É um revés importante para o governo Lula, já que se trata de um indicativo forte de que a autoridade monetária entende ser necessário subir a remuneração dos investidores que se dispõem a ter títulos de dívida pública em sua carteira. Um dado diretamente relacionado às incertezas que os investidores veem sobre a consistência fiscal do país.

É dentro dessa perspectiva que se deve entender as declarações do presidente Luiz Inácio Lula da Silva contra o presidente do BC, Roberto Campos Neto, na manhã de terça em entrevista exclusiva à Rádio CBN. O primeiro ponto que merece ser ressaltado é que foi um ataque espontâneo. Os entrevistadores não provocaram Lula a falar sobre o BC. “Nós só temos uma coisa desajustada no Brasil, que é o Banco Central. O comportamento do Banco Central é uma coisa desajustada”, disse o presidente.

Em outras palavras, Lula diz que o Banco Central não age em reação aos fundamentos da economia e se orienta pela política. Segundo Lula, Campos Neto “não demonstra nenhuma capacidade de autonomia, tem lado político, trabalha muito mais para prejudicar o país do que para ajudar o país”. O presidente mencionou o jantar recente de Campos Neto com o governador de São Paulo, Tarcísio de Freitas, e compara o presidente da autoridade monetária ao senador Sergio Moro (União Brasil-PR).

A menção do encontro de Campos Neto com Tarcísio é uma alusão a uma suposta motivação política: Campos Neto trabalharia pra prejudicar o governo de forma a ajudar um dos principais presidenciáveis da oposição. A comparação com Moro é uma forma de dizer que Campos Neto sai de seu papel institucional.

A conclusão dessas duas premissas é que, se a taxa básica de juros sobe, é porque Campos Neto politizou o Banco Central. “A quem esse rapaz é submetido? Como é que ele vai a uma festa do governo de São Paulo quase assumindo a candidatura a um cargo do governo? Cadê a autonomia dele?”, indaga Lula. E nesse momento o presidente lembra de Henrique Meirelles, seu presidente do Banco Central entre 2003 e 2010, como modelo de gestor independente. Soa irônico, já que Meirelles era deputado federal eleito pelo PSDB por ocasião de sua indicação. Foi a única vez que o Brasil teve à frente do Banco Central alguém veterano em eleições.

Se o Banco Central é considerado politizado, suas decisões deixam de ser vistas pelo prisma técnico. Tudo vira política. É exatamente esse o objetivo das declarações de Lula. O ataque é uma vacina ao que vem na ata do Copom.

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