quarta-feira, 19 de junho de 2024

Lu Aiko Otta - Como Tebet quer discutir qualidade dos gastos

Valor Econômico

Não se ouve de integrantes do governo a palavra “corte” ou “eliminação” como objetivo dos debates em torno das despesas

Tão importante quanto construir propostas para alterar a estrutura do Orçamento federal e evitar o colapso do arcabouço fiscal é encontrar a narrativa adequada, avalia-se nos bastidores do governo. O ambiente político de nervos à flor da pele assim o recomenda.

Tanto é assim que não se ouve de integrantes do governo a palavra “corte” ou “eliminação” como objetivo dos debates em torno das despesas.

Fala-se em “modernização” das vinculações orçamentárias, com foco na qualidade do gasto. Essas serão perseguidas com o objetivo principal de reforçar áreas do Orçamento que precisam de mais dinheiro. Como efeito secundário, aí sim poderá haver redução de algumas despesas, explica-se.

A ministra do Planejamento, Simone Tebet, deu um exemplo sobre como espera conduzir essa discussão ao falar sobre o Fundo Nacional de Desenvolvimento da Educação Básica (Fundeb) em reunião na Comissão Mista de Orçamento, na semana passada. Vai na linha de repensar mecanismos que faziam sentido quando foram criados, mas talvez não mais.

O Fundeb, explicou Tebet, recebia R$ 2 bilhões em 2007, chegando a R$ 10 bilhões em 2011. Por uma decisão política “nossa”, disse a ministra e ex-senadora, esses recursos foram expandidos para R$ 46,9 bilhões neste ano e atingirão a cifra de R$ 72,4 bilhões em 2028.

São recursos para o ensino fundamental. Porém, o número de matrículas nessa faixa recuou 8 milhões nos últimos 20 anos, apontou. Famílias são hoje menos numerosas.

O objetivo é melhorar a qualidade do ensino, mas isso não tem se refletido nos resultados no Programa Internacional de Avaliação de Estudantes (Pisa), pontuou a ministra. “Eu injetei, injetei, injetei dinheiro; eu tripliquei, quadrupliquei o valor; e olhem o que aconteceu aqui com o Pisa”, comentou, mostrando um gráfico. “A nossa nota vem caindo.”

Em 2022, a nota dos estudantes brasileiros na prova de matemática do Pisa foi em média 379 pontos, cinco a menos do que em 2018 e 93 abaixo da média dos países da Organização para a Cooperação e o Desenvolvimento Econômico (OCDE).

“Não estou dizendo que é para tirar dinheiro do Fundeb”, afirmou Tebet. “Eu só estou dizendo que há alguma coisa errada na aplicação desse recurso.” Citou um exemplo: 70% dos recursos do Fundeb vão para os salários dos professores. “Estamos cobrando qualidade? Estamos cobrando curso de qualificação?”

Questionou ainda se esses recursos não trariam melhor retorno para a sociedade se fossem empregados, por exemplo, para reforçar o programa Pé-de-Meia, que incentiva estudantes do ensino médio a permanecer na escola.

A deputada Luciene Cavalcante (PSOL-SP), professora, disse que o Brasil tem uma “dívida histórica” com sua sociedade, pois investe em educação básica um terço do que fazem os países da OCDE. Citou dados sobre como persistem no país o analfabetismo e as crianças sem acesso a creche.

“Faço coro a todas as suas colocações”, respondeu Tebet. O que os dados citados pela professora reforçam, comentou a ministra, é que “há algo errado” não com as receitas para a educação, mas com seu uso.

É dessa forma cuidadosa que se pretende levar o debate. O que parece difícil, uma vez que o próprio partido do presidente Luiz Inácio Lula da Silva, o PT, emitiu na segunda-feira uma nota atacando a proposta de rever as regras que reajustam automaticamente os pisos de despesas com saúde e educação.

Por outro lado, o próprio Lula disse ontem, em entrevista à CBN, que não há discussão descartada pelo lado das despesas - num recado importante para dentro do governo, onde há resistências.

O trabalho para equilibrar o Orçamento pelo lado das despesas segue três eixos, explicou Tebet à CMO. O primeiro é o da revisão vertical das políticas públicas. É a que combate fraudes e vai permitir uma economia de R$ 7,2 bilhões em benefícios do INSS em 2025 e R$ 2 bilhões em pagamentos do seguro Proagro. Vai avançar sobre o Benefício de Prestação Continuada (BPC), cujos gastos apresentam um crescimento fora dos padrões que merece ser investigado, pontuou. Também o seguro-defeso, que beneficia 800 mil pescadores quando os dados do IBGE registram a existência de 250 mil.

O segundo eixo é a revisão de benefícios tributários, a cargo do Ministério da Fazenda. Um vespeiro, como se viu na devolução da MP 1.227/24, que tratava de créditos do PIS/Cofins.

O terceiro eixo é onde estão alterações estruturais no orçamento, como a “modernização” das vinculações. Exigirão mudanças na Constituição - num ambiente altamente polarizado e em ano eleitoral.

É nesse contexto político difícil que pode ser retomada a antiga Desvinculação de Receitas da União (DRU). O mecanismo, criado há 30 anos, estabelece uma desvinculação linear de recursos. Por isso, difere da linha principal de trabalho da equipe econômica.

Mas, se as discussões não avançarem, poderá ser a alternativa vencedora.

Se o quadro se confirmar, estará demonstrada mais uma vez a dificuldade de se fazer uma discussão madura sobre qualidade do gasto público, como propõe Tebet. Uma pena.

Um comentário: