Valor Econômico
Não se ouve de integrantes do governo a palavra “corte” ou “eliminação” como objetivo dos debates em torno das despesas
Tão importante quanto construir propostas
para alterar a estrutura do Orçamento federal e evitar o colapso do arcabouço
fiscal é encontrar a narrativa adequada, avalia-se nos bastidores do governo. O
ambiente político de nervos à flor da pele assim o recomenda.
Tanto é assim que não se ouve de integrantes
do governo a palavra “corte” ou “eliminação” como objetivo dos debates em torno
das despesas.
Fala-se em “modernização” das vinculações orçamentárias, com foco na qualidade do gasto. Essas serão perseguidas com o objetivo principal de reforçar áreas do Orçamento que precisam de mais dinheiro. Como efeito secundário, aí sim poderá haver redução de algumas despesas, explica-se.
A ministra do Planejamento, Simone Tebet, deu
um exemplo sobre como espera conduzir essa discussão ao falar sobre o Fundo
Nacional de Desenvolvimento da Educação Básica (Fundeb) em reunião na Comissão
Mista de Orçamento, na semana passada. Vai na linha de repensar mecanismos que
faziam sentido quando foram criados, mas talvez não mais.
O Fundeb, explicou Tebet, recebia R$ 2
bilhões em 2007, chegando a R$ 10 bilhões em 2011. Por uma decisão política
“nossa”, disse a ministra e ex-senadora, esses recursos foram expandidos para
R$ 46,9 bilhões neste ano e atingirão a cifra de R$ 72,4 bilhões em 2028.
São recursos para o ensino fundamental.
Porém, o número de matrículas nessa faixa recuou 8 milhões nos últimos 20 anos,
apontou. Famílias são hoje menos numerosas.
O objetivo é melhorar a qualidade do ensino,
mas isso não tem se refletido nos resultados no Programa Internacional de
Avaliação de Estudantes (Pisa), pontuou a ministra. “Eu injetei, injetei,
injetei dinheiro; eu tripliquei, quadrupliquei o valor; e olhem o que aconteceu
aqui com o Pisa”, comentou, mostrando um gráfico. “A nossa nota vem caindo.”
Em 2022, a nota dos estudantes brasileiros na
prova de matemática do Pisa foi em média 379 pontos, cinco a menos do que em
2018 e 93 abaixo da média dos países da Organização para a Cooperação e o
Desenvolvimento Econômico (OCDE).
“Não estou dizendo que é para tirar dinheiro
do Fundeb”, afirmou Tebet. “Eu só estou dizendo que há alguma coisa errada na
aplicação desse recurso.” Citou um exemplo: 70% dos recursos do Fundeb vão para
os salários dos professores. “Estamos cobrando qualidade? Estamos cobrando
curso de qualificação?”
Questionou ainda se esses recursos não
trariam melhor retorno para a sociedade se fossem empregados, por exemplo, para
reforçar o programa Pé-de-Meia, que incentiva estudantes do ensino médio a
permanecer na escola.
A deputada Luciene Cavalcante (PSOL-SP),
professora, disse que o Brasil tem uma “dívida histórica” com sua sociedade,
pois investe em educação básica um terço do que fazem os países da OCDE. Citou
dados sobre como persistem no país o analfabetismo e as crianças sem acesso a
creche.
“Faço coro a todas as suas colocações”,
respondeu Tebet. O que os dados citados pela professora reforçam, comentou a
ministra, é que “há algo errado” não com as receitas para a educação, mas com
seu uso.
É dessa forma cuidadosa que se pretende levar
o debate. O que parece difícil, uma vez que o próprio partido do presidente
Luiz Inácio Lula da Silva, o PT, emitiu na segunda-feira uma nota atacando a
proposta de rever as regras que reajustam automaticamente os pisos de despesas
com saúde e educação.
Por outro lado, o próprio Lula disse ontem,
em entrevista à CBN, que não há discussão descartada pelo lado das despesas -
num recado importante para dentro do governo, onde há resistências.
O trabalho para equilibrar o Orçamento pelo
lado das despesas segue três eixos, explicou Tebet à CMO. O primeiro é o da
revisão vertical das políticas públicas. É a que combate fraudes e vai permitir
uma economia de R$ 7,2 bilhões em benefícios do INSS em 2025 e R$ 2 bilhões em
pagamentos do seguro Proagro. Vai avançar sobre o Benefício de Prestação
Continuada (BPC), cujos gastos apresentam um crescimento fora dos padrões que
merece ser investigado, pontuou. Também o seguro-defeso, que beneficia 800 mil
pescadores quando os dados do IBGE registram a existência de 250 mil.
O segundo eixo é a revisão de benefícios
tributários, a cargo do Ministério da Fazenda. Um vespeiro, como se viu na
devolução da MP 1.227/24, que tratava de créditos do PIS/Cofins.
O terceiro eixo é onde estão alterações
estruturais no orçamento, como a “modernização” das vinculações. Exigirão
mudanças na Constituição - num ambiente altamente polarizado e em ano
eleitoral.
É nesse contexto político difícil que pode
ser retomada a antiga Desvinculação de Receitas da União (DRU). O mecanismo,
criado há 30 anos, estabelece uma desvinculação linear de recursos. Por isso,
difere da linha principal de trabalho da equipe econômica.
Mas, se as discussões não avançarem, poderá
ser a alternativa vencedora.
Se o quadro se confirmar, estará demonstrada mais uma vez a dificuldade de se fazer uma discussão madura sobre qualidade do gasto público, como propõe Tebet. Uma pena.
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