terça-feira, 18 de junho de 2024

Jorge J. Okubaro - A união de que Lula necessita

O Estado de S. Paulo

O presidente precisa também entender as aspirações legítimas de diferentes segmentos e governar sem abrir mão de seu compromisso com os mais necessitados

O mundo político e econômico parecia ter decidido que era hora de se unir contra o governo. Como se não bastassem a vigorosa oposição que enfrenta num Congresso de tendência majoritariamente conservadora e a resistência de diferentes segmentos da sociedade aos programas do PT e dos partidos aliados, o governo oferecia motivos para consolidar a união contra si. Para muitos, o presidente da República e seus ministros davam sinais de estar sem rumo. Teria Luiz Inácio Lula da Silva perdido a habilidade de lidar com adversidades políticas?

A devolução, pelo presidente do Senado, Rodrigo Pacheco (PSD-MG), de parte da medida provisória (MP) que limitava créditos do PIS e da Cofins sintetizou as derrotas do governo. A devolução de uma MP pelo Congresso é um gesto raro, que resulta de tensão entre Poderes. A MP, disse Pacheco no plenário do Senado ao justificar sua decisão, continha mudanças nas regras tributárias que “geram um enorme impacto ao setor produtivo nacional” sem a observância da regra constitucional de que aumento de tributação só pode vigorar 90 dias após sua aprovação.

A oposição aplaudiu. Eram muito fortes as pressões de empresários da indústria e do agronegócio contra a MP. Não deixou de causar certa surpresa, no entanto, a reação do senador Jaques Wagner (PT-BA) à decisão. Pacheco, disse Wagner, “teve a capacidade de encontrar um caminho legal e constitucional para interromper o que seria uma tragédia sem fim”. Wagner pode ter opiniões como essa, mas é estranho que as expresse sendo líder do governo no Senado. Com um líder da situação que age assim, a oposição não tem com que se preocupar.

Nesse cenário, não faltaram interpretações de que o ministro da Fazenda, Fernando Haddad, estaria com o cargo ameaçado, pois fora dele e de sua equipe a iniciativa de propor a MP. E sobrou espaço para oportunistas. Talvez mais de olho no impacto político do que na defesa do setor, um dirigente do agronegócio chegou a dizer que com o governo Lula nunca mais dialogaria.

Em novo sinal de que não aceitam que o governo chefiado por um militante do Partido dos Trabalhadores defenda teses essenciais do programa de seu partido, operadores do sistema financeiro demonstraram irritação com a afirmação do presidente Lula de que não governa preocupado com o mercado, mas com o povo. E depois de Lula dizer que o aumento da arrecadação e a queda da taxa de juros criariam ambiente favorável para os investidores, sem citar corte de gastos, os juros futuros subiram, o dólar chegou ao recorde do ano, as ações se desvalorizaram. Era a exuberância do mercado revelando-se em sua inteireza.

Não foi apenas isso. Decisão precipitada sobre importação de arroz para compensar perda da safra provocada pelas terríveis inundações no Rio Grande do Sul foi seguida de um leilão de compra realizado de maneira tão inepta que exigiu seu cancelamento e levou à demissão do funcionário responsável pelo setor. O governo cometia erro quase primário.

No plano parlamentar, diante da incapacidade de articulação e reação de sua base, o governo tem sofrido derrotas que talvez pudessem ter sido evitadas em outras circunstâncias. Diante de uma administração que parece fraca e perdida, seus adversários estão aproveitando a oportunidade e se unindo para cercála. Decerto não era essa a união que constava do lema “União e Reconstrução” anunciado no início do terceiro mandato presidencial de Lula.

Declarações dos ministros Fernando Haddad e Simone Tebet sobre a necessidade de revisão de gastos do governo e manifestações de apoio ao titular da Fazenda dadas pelo presidente titular (em viagem ao exterior) e pelo presidente em exercício Geraldo Alckmin ajudaram a reduzir as tensões. O ambiente começava a se desanuviar.

Na sexta-feira passada, o encontro de Haddad com o presidente da Federação Brasileira de Bancos (Febraban), Isaac Sidney, e presidentes de bancos privados, agendado há tempos, foi um sinal de que a desconfiança estava se desfazendo. “Saímos convencidos desse encontro de que o ministro Haddad não só está determinado a buscar o equilíbrio das contas do governo, como também a expandir o diálogo com o Congresso Nacional e com todo o empresariado brasileiro”, disse Sidney ao final da reunião.

Se não quiser se sujeitar ainda mais a imposições descabidas de um Congresso oportunista e com predominância extremamente conservadora, que lhe impõe muitas derrotas, o governo precisa fortalecer os vínculos com sua base de apoio e fugir das armadilhas dos que só querem inviabilizar seus programas. É da união com sua base política e com seus apoiadores na sociedade que Lula necessita. Lula precisa também entender as aspirações legítimas de diferentes segmentos e governar sem abrir mão de seu compromisso com os mais necessitados. Já estão indo 18 dos 48 meses de seu mandato. Ainda há tempo para reconstruir. Mas o tempo, como a oposição, é implacável.

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