O Estado de S. Paulo
O presidente precisa também entender as aspirações legítimas de diferentes segmentos e governar sem abrir mão de seu compromisso com os mais necessitados
O mundo político e econômico parecia ter decidido que era hora de se unir contra o governo. Como se não bastassem a vigorosa oposição que enfrenta num Congresso de tendência majoritariamente conservadora e a resistência de diferentes segmentos da sociedade aos programas do PT e dos partidos aliados, o governo oferecia motivos para consolidar a união contra si. Para muitos, o presidente da República e seus ministros davam sinais de estar sem rumo. Teria Luiz Inácio Lula da Silva perdido a habilidade de lidar com adversidades políticas?
A devolução, pelo presidente do Senado,
Rodrigo Pacheco (PSD-MG), de parte da medida provisória (MP) que limitava
créditos do PIS e da Cofins sintetizou as derrotas do governo. A devolução de
uma MP pelo Congresso é um gesto raro, que resulta de tensão entre Poderes. A
MP, disse Pacheco no plenário do Senado ao justificar sua decisão, continha
mudanças nas regras tributárias que “geram um enorme impacto ao setor produtivo
nacional” sem a observância da regra constitucional de que aumento de
tributação só pode vigorar 90 dias após sua aprovação.
A oposição aplaudiu. Eram muito fortes as
pressões de empresários da indústria e do agronegócio contra a MP. Não deixou
de causar certa surpresa, no entanto, a reação do senador Jaques Wagner (PT-BA)
à decisão. Pacheco, disse Wagner, “teve a capacidade de encontrar um caminho
legal e constitucional para interromper o que seria uma tragédia sem fim”.
Wagner pode ter opiniões como essa, mas é estranho que as expresse sendo líder
do governo no Senado. Com um líder da situação que age assim, a oposição não tem
com que se preocupar.
Nesse cenário, não faltaram interpretações de
que o ministro da Fazenda, Fernando Haddad, estaria com o cargo ameaçado, pois
fora dele e de sua equipe a iniciativa de propor a MP. E sobrou espaço para
oportunistas. Talvez mais de olho no impacto político do que na defesa do
setor, um dirigente do agronegócio chegou a dizer que com o governo Lula nunca
mais dialogaria.
Em novo sinal de que não aceitam que o
governo chefiado por um militante do Partido dos Trabalhadores defenda teses
essenciais do programa de seu partido, operadores do sistema financeiro
demonstraram irritação com a afirmação do presidente Lula de que não governa
preocupado com o mercado, mas com o povo. E depois de Lula dizer que o aumento
da arrecadação e a queda da taxa de juros criariam ambiente favorável para os
investidores, sem citar corte de gastos, os juros futuros subiram, o dólar
chegou ao recorde do ano, as ações se desvalorizaram. Era a exuberância do
mercado revelando-se em sua inteireza.
Não foi apenas isso. Decisão precipitada
sobre importação de arroz para compensar perda da safra provocada pelas
terríveis inundações no Rio Grande do Sul foi seguida de um leilão de compra
realizado de maneira tão inepta que exigiu seu cancelamento e levou à demissão
do funcionário responsável pelo setor. O governo cometia erro quase primário.
No plano parlamentar, diante da incapacidade
de articulação e reação de sua base, o governo tem sofrido derrotas que talvez
pudessem ter sido evitadas em outras circunstâncias. Diante de uma
administração que parece fraca e perdida, seus adversários estão aproveitando a
oportunidade e se unindo para cercála. Decerto não era essa a união que
constava do lema “União e Reconstrução” anunciado no início do terceiro mandato
presidencial de Lula.
Declarações dos ministros Fernando Haddad e
Simone Tebet sobre a necessidade de revisão de gastos do governo e
manifestações de apoio ao titular da Fazenda dadas pelo presidente titular (em
viagem ao exterior) e pelo presidente em exercício Geraldo Alckmin ajudaram a
reduzir as tensões. O ambiente começava a se desanuviar.
Na sexta-feira passada, o encontro de Haddad
com o presidente da Federação Brasileira de Bancos (Febraban), Isaac Sidney, e
presidentes de bancos privados, agendado há tempos, foi um sinal de que a
desconfiança estava se desfazendo. “Saímos convencidos desse encontro de que o
ministro Haddad não só está determinado a buscar o equilíbrio das contas do
governo, como também a expandir o diálogo com o Congresso Nacional e com todo o
empresariado brasileiro”, disse Sidney ao final da reunião.
Se não quiser se sujeitar ainda mais a imposições descabidas de um Congresso oportunista e com predominância extremamente conservadora, que lhe impõe muitas derrotas, o governo precisa fortalecer os vínculos com sua base de apoio e fugir das armadilhas dos que só querem inviabilizar seus programas. É da união com sua base política e com seus apoiadores na sociedade que Lula necessita. Lula precisa também entender as aspirações legítimas de diferentes segmentos e governar sem abrir mão de seu compromisso com os mais necessitados. Já estão indo 18 dos 48 meses de seu mandato. Ainda há tempo para reconstruir. Mas o tempo, como a oposição, é implacável.
Nenhum comentário:
Postar um comentário