terça-feira, 18 de junho de 2024

Carlos Andreazza - Lira lobo mau

O Estado de S. Paulo

Ex-réu, é presidente onipotente de uma Câmara com lideranças murchas

De repente se descobriu Lira. De novo descoberto. De repente, de novo. De repente de novo. Dilapidador do processo legislativo desde 21, solapador da democracia representativa, presidente da Câmara cujos métodos para destruir os tempos da atividade parlamentar foram admitidos, muitas vezes aplaudidos, ao operar por agenda de interesse do governo da reconstrução.

O amor e a esperança voltaram; não os mecanismos de obstrução por meio dos quais as oposições freavam imposições. Obra de Lira. A política voltou, marginalizadas as comissões técnicas e a representação partidária proporcional. A democracia venceu. Com Lira. O sistema de votação remota instrumentalizado para ministrar esvaziamentos episódicos do plenário, com o que controla-cassa os debates.

Se o arreganho formal vai pela causa considerada virtuosa, beleza. E então o escândalo, oh!, quando a manipulação de urgências vem tratorando por projeto infame.

Tentou blitz pelo PL das Fake News. Raros entre os ora ofendidos acharam ruim a disfunção estrutural produzida pelo regime de pressas-conveniências de Lira. Era por razão nobre. Né?

A tramitação da PEC da Transição – derrama de R$ 150 bilhões para que o governo de nossos salvadores pudesse nos salvar à larga – atropelou o rito, projeto malocado em outro já avançado. A reforma tributária aprovada com o texto final desconhecido, contrabandos metidos no conjunto enquanto o plenário já o debatia. Era por bons motivos.

“Insanidade” é que se tenha tratado Lira como democrata e interlocutor por programa reformista liberal. O senhor da constituição imperial do orçamento secreto. Que o blinda. Que continua, ministro Dino. Nas barbas do Supremo. O blindado sendo primeiro-ministro dum parlamentarismo orçamentário sem responsabilidades pela conta que pendura.

A Corte contribui para a blindagem. Ou, a respeito das traficâncias com kits de robótica, não teremos investigação para a qual o STF declarou, na prática, inexistir foro? O troço não pode ser apurado, nem embaixo nem em cima, provas ao lixo – e tranca. Estímulo que abre veredas. (Nada a ver com o hospital de Maceió.)

Houve também o episódio da desdenúncia. Por unanimidade. Lira desdenunciado no caso do assessor interceptado com grana no aeroporto. O tribunal que aceitara a acusação de súbito voltando atrás.

Ex-réu. E presidente onipotente de uma Câmara com lideranças murchas, pervertidas em donatários de emendas. Presidente reeleito – isto é perturbador – por “frente ampla” que uniu, menos de mês depois do 8 de janeiro de 23, bolsonaristas e petistas. Uma República saudável.

 

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