Incêndios florestais exigem ação urgente do poder público
O Globo
Seca inclemente contribui para maior
quantidade de focos dos últimos 21 anos. E pior ainda pode estar por vir
Depois das cheias no Rio Grande do Sul, está
em curso novo desastre ambiental com a maior temporada de incêndios florestais
dos últimos 21 anos. Até a semana passada, o Instituto Nacional de Pesquisas
Espaciais (Inpe) contava quase 28 mil focos de incêndio no primeiro semestre,
acima do recorde de 2003. A temporada deste ano promete ser tão ou mais severa,
pois a estação de incêndios, na maioria dos biomas, ocorre no segundo semestre
e chega ao auge entre setembro e outubro. O pior, provavelmente, ainda está por
vir.
Só no Pantanal, os focos de incêndio aumentaram mais de dez vezes em relação a 2023. E a combustão não tem se limitado a esse bioma. Ao longo dos últimos três anos, os incêndios têm varrido Cerrado e Amazônia, pondo em risco também Caatinga e Mata Atlântica. Apenas o Pampa ficou a salvo do fogo, como atestam as enchentes gaúchas.
Aproximadamente 84% dos incêndios no Pantanal
são atribuídos a ação humana, segundo informou ao GLOBO a meteorologista Renata
Libonati, da Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ). Em geral,
agricultores desejam limpar o campo e perdem o controle das chamas. Como as
cinzas são ricas em nutrientes, elas também fertilizam o solo por meio da
umidade noturna. Mas, com frequência, a boa intenção se transforma em tragédia.
Nem tudo deve, porém, ser debitado ao homem.
No Pantanal, os 16% restantes dos incêndios se devem a causas naturais — pouco
mais de 5%, a raios na vegetação seca. Na Amazônia, ainda que o desmatamento
tenha caído 22% no ano passado, a seca contribuiu para fazer proliferar os
incêndios. Por todo o país, a seca inclemente serve de combustível ao desastre.
Sua origem está no aquecimento das águas do Pacífico, fenômeno climático
conhecido como El Niño.
Neste momento, o Pacífico começa a se
resfriar no fenômeno apelidado La Niña. Mas a mudança ocorre lentamente,
segundo Fabiano Morelli, chefe do Programa Queimadas, do Inpe. A vegetação
continuará seca, servindo de combustível às queimadas, sobretudo no Pantanal.
“Como os rios não subiram quanto deveriam na estação certa, temos um mapa
mostrando acúmulo de biomassa seca na região, que atua como se fosse pólvora”,
diz o secretário de Meio Ambiente de Mato Grosso
do Sul, Jaime Verruck.
As autoridades têm tomado as providências de
praxe. A Agência Nacional de Águas (ANA) decretou calamidade hídrica no
Pantanal. O estado de Mato Grosso do Sul criou 13 postos avançados para os
bombeiros. Entre outras medidas, o governo estadual suspendeu autorização para
uso controlado do fogo. Não se sabe se haverá fiscais suficientes para conter
os infratores.
O país não enfrenta apenas mais uma temporada
de incêndios. É preciso haver mobilização de equipes, recursos e equipamentos
em dimensões inéditas. O governo federal também precisa agir, em coordenação
com as autoridades estaduais. É imprescindível a atuação das Forças Armadas com
helicópteros para debelar as chamas. O fogo não respeita fronteiras, por isso
também se faz necessário entendimento com os governos da Bolívia e do Paraguai.
Para os ambientalistas, nem todas as medidas
necessárias têm sido tomadas a tempo. A situação é crítica, e a emergência
tende a se agravar. Nada justifica reação lenta e burocrática do poder público.
Punição a agressores de Vini Jr. é marco na
luta contra racismo nos estádios
O Globo
Pela primeira vez na Espanha, torcedores
foram presos por atacar o craque com gritos e gestos racistas
A trajetória nos gramados da Espanha credencia
Vinicius Jr. como favorito a ganhar a Bola de Ouro deste ano. Mas foi fora de
campo que o jogador do Real Madrid conseguiu
algo inédito. Pela primeira vez na história do esporte espanhol, torcedores de
um time adversário, o Valencia, que o agrediram com gritos e gestos racistas
durante uma partida, foram condenados à prisão pela Justiça. “Não sou vítima de racismo.
Eu sou algoz de racistas”, disse Vini Jr.
depois da sentença.
Há todos os motivos para celebrar as
condenações. Muitos o aconselharam a esquecer as agressões e a se concentrar
apenas no futebol. Vini demonstrou estar próximo de seus limites emocionais em
março, ao chorar numa entrevista coletiva antes do amistoso entre Brasil e
Espanha em Madrid. “Cada vez tenho menos vontade de jogar”, afirmou. “Mas, se
saio daqui, estou dando o que os racistas querem.” Disse ainda que continuaria
a defender a mesma bandeira antirracista, mas sem descuidar da busca de
títulos. Não fez por menos: marcou um dos gols na vitória do Real Madrid sobre
o alemão Borussia Dortmund por 2 a 0 na final da Liga dos Campeões, o principal
campeonato do futebol europeu.
No início do ano, Vini Jr. deixava claro que
contava com o apoio do Real Madrid na luta que travava fora dos gramados. Mas
faltava a adesão da Liga Espanhola (La Liga), organizadora do campeonato
espanhol. Seu presidente, Javier Tebas, chegou a desconsiderar as acusações de
racismo feitas por Vini Jr., mas, com a repercussão negativa, teve de pedir
desculpas em público. A cúpula da entidade foi forçada a se sensibilizar.
Agora, ao comentar a decisão do juiz, o craque incluiu La Liga nos
agradecimentos. Divulgada a sentença judicial, a entidade informou em nota que
considera o fato “uma ótima notícia” e advertiu os que vão ao estádio para
“insultar” de que os identificará e denunciará, para que haja “consequências
criminais”. Há esperança de que a campanha de Vini Jr. seja um marco contra o
racismo nos estádios.
A Confederação Brasileira de Futebol (CBF)
já incluiu no Regulamento Geral de Competições a possibilidade de o clube ser
punido esportivamente caso seus torcedores, dirigentes ou integrantes da
comissão técnica cometam “infração de cunho discriminatório”. A súmula da
partida será enviada ao Ministério Público e à Polícia Civil. Se o futebol é o
esporte do povo, não pode conviver com quem desrespeita etnias, credos e
orientação sexual. O mesmo vale para qualquer esporte. A bem-sucedida luta de
Vini Jr. serve de exemplo no combate a essa chaga que infelizmente ainda grassa
nos estádios Brasil e mundo afora.
Correção de FGTS pela inflação é reparação
parcial e tardia
Valor Econômico
Legislação deveria caminhar para a permissão
do livre uso dos recursos pelo cotista, quando fosse demitido ou trocasse
voluntariamente de emprego
O Supremo Tribunal Federal (STF) corrigiu em
parte um erro histórico ao mudar a forma de remuneração do Fundo de Garantia
por Tempo de Serviço (FGTS). Por sete votos a quatro, o STF decidiu que o FGTS
deve passar a render no mínimo a inflação, medida pelo IPCA. Se a fórmula atual
(Taxa Referencial mais 3% ao ano) não for suficiente para cobrir a inflação, o
Conselho Curador do FGTS deve determinar uma compensação. Ainda assim, o
rendimento do Fundo continua abaixo de praticamente todas as modalidades de aplicações
do mercado, o que se traduz em perdas para o trabalhador, que só em casos
limitados pode sacar os recursos.
Neste século até 2023, o reajuste do FGTS só
não perdeu para a inflação em nove anos: em 2005, 2006 e 2007 e, mais
recentemente, depois que os trabalhadores passaram a receber uma parcela anual
do lucro do Fundo, de 2016 a 2022, de acordo com levantamento feito pela Caixa
Econômica Federal (O Globo, 14/6). Apesar disso, o FGTS somente teve a
remuneração melhorada agora, e a decisão começará a ser aplicada a partir da
publicação da ata do julgamento.
O FGTS foi concebido em 1966 pelo então
ministro Roberto Campos e entrou em vigor em 1967, para acabar com a
estabilidade no emprego e criar um funding para a construção de imóveis. Até
então, a Consolidação das Leis do Trabalho (CLT) assegurava ao trabalhador do
setor privado estabilidade após 10 anos na mesma empresa e indenização de um
mês de salário por ano trabalhado em caso de demissão injustificada.
A partir da criação do FGTS, formado com a
contribuição das empresas equivalente a 8% do salário dos funcionários, o
trabalhador poderia optar pela estabilidade ou pelo fundo, que seria resgatado
em condições específicas como a demissão ou compra da casa própria. A
remuneração oferecida mostrou-se uma outra armadilha ao longo do tempo,
especialmente nos períodos de inflação elevada e após a mudança do cálculo da
TR, que ficou perto de zero.
Apesar disso, foi difícil convencer o STF da
necessidade de mudança no cálculo, requerida em abril do ano passado pelo
Solidariedade. O governo argumentou que a mudança lhe traria perdas elevadas. A
Lei de Diretrizes Orçamentárias de 2025 chegou a mencionar custo de R$ 295,9
bilhões no pior cenário, com troca da TR pela inflação para atualizar os
depósitos e remuneração retroativa dos depósitos. Já no caso do retorno igual
ao da poupança, o custo estimado seria de R$ 3,3 bilhões por ano. O governo
alegou também que recursos do FGTS seriam necessários para ajudar o Rio Grande
do Sul.
Ao final, prevaleceu a sugestão do próprio
governo, em acordo com centrais sindicais, de que o FGTS teria remuneração, no
mínimo, igual ao IPCA. Diversas associações da construção civil aplaudiram a
decisão do STF. Beneficiados por décadas com funding do FGTS, consideraram que
o reajuste de no mínimo igual à inflação é assimilável, e permitirá a
sustentabilidade do Minha Casa Minha Vida. A demora no desfecho da questão era,
sim, uma preocupação para o setor.
O FGTS, porém, não se adaptou às condições da
economia, bastante diferentes após 58 anos de sua criação. A poupança
compulsória que forma passou a financiar não só imóveis, mas saneamento e
investimentos em infraestrutura, a baixo custo, devido à má remuneração do
cotista - só em 2017 os lucros do fundo começaram a ser distribuídos. Há
instrumentos financeiros e sofisticação no mercado de capitais suficientes para
sustentar investimentos em infraestrutura e imóveis.
Como poupança contra o desemprego, o
trabalhador deveria poder levar consigo o que lhe pertence após o fim do
vínculo empregatício. Não é o que ocorre, por determinação legal. Mas a disputa
por esses recursos abriu brechas por onde retirá-los. A nova lei trabalhista
permitiu demissão por acordo com direito a retirada de 20% do FGTS. Há dezenas
de propostas para que o trabalhador use o dinheiro do FGTS como garantia para o
empréstimo consignado ou para aquisição de imóveis.
A compulsoriedade trouxe alguma proteção em
um país de salários muito baixos. Como eles mal davam para a subsistência, o
livre uso dos recursos seria imediatamente consumido. Também devido aos baixos
salários, surgiram outros programas que, no fim, buscavam a mesma coisa que o
FGTS: o seguro-desemprego, que, ao lado do abono salarial, consumiu R$ 74,1
bilhões em 2023.
Assim como a legislação ampliou possibilidades do uso do FGTS (há pelo menos 16, com viés de alta), deveria caminhar para a permissão do livre uso dos recursos pelo cotista, quando ele fosse demitido ou trocasse voluntariamente de emprego, porque afinal o dinheiro lhe pertence. Esses recursos poderiam servir de poupança via investimentos com uma remuneração melhor, ou para formar patrimônio por meio de fundo de previdência privado ou público (via aplicações no Tesouro Direto). Eventuais subsídios hoje bancados pela baixa remuneração do FGTS deveriam ser feitos pelo Tesouro com previsão orçamentária.
Política econômica tem exaustão precoce
Folha de S. Paulo
Números do mercado brasileiro estão entre
piores do mundo, em sinal de que fragilidades domésticas se tornaram evidentes
Juros de
longo prazo em alta, saltos da
cotação do dólar e Bolsa de Valores em queda dão hoje um recado
eloquente —a baixa credibilidade da política econômica brasileira não é uma
conjectura, mas um fato objetivo que implica riscos crescentes para o país.
Do início deste 2024 até a última sexta-feira
(14), a moeda
brasileira perdeu quase 10% de seu valor ante a divisa
americana, o segundo pior resultado numa amostra de países ricos e emergentes,
como noticiou a Folha.
Em sintonia, o índice Bovespa acumulou queda
de 10,5% no mesmo período, em direção oposta à dos principais mercados globais,
que mostram alta relevante no ano.
O principal termômetro, porém, é o custo do
dinheiro no país, que subiu mesmo com os cortes na taxa básica, hoje em 10,5%
ao ano.
As referências de mais longo prazo, que não
são controladas pelo Banco Central,
subiram entre 1,5 e 2 pontos percentuais —as taxas de contratos para dez anos
já superam 12%, ante 10,36% no início do ano, dinâmica nefasta que, se
persistir, comprometerá os investimentos e a geração de emprego.
O quadro internacional decerto tem algum peso
na piora. Diante da força da economia americana,
os juros no maior centro financeiro do mundo permanecem altos, o que valoriza
o dólar em
relação a todas as demais moedas.
Desde abril, contudo, são domésticas as
principais fontes de incerteza, a começar, obviamente, pela política fiscal. A
decisão do governo Luiz Inácio Lula da
Silva (PT)
de afrouxar suas metas para o saldo do Tesouro firmou a percepção de que não se
pretendem fazer mais ajustes.
Ademais, a devolução pelo Congresso de uma
medida provisória que buscava reduzir perdas com a desoneração da folha de
pagamentos, na semana passada, explicitou a inviabilidade da tentativa petista
de equilibrar as contas do Tesouro apenas com alta da arrecadação.
A gestão monetária tem sido contaminada por
temores de interferência política no Banco Central a partir de 2025, quando o
órgão terá seu comando trocado.
Se há algo de positivo no esgotamento precoce
da política econômica é que se tornou inevitável uma discussão franca a
respeito de controle de gastos, pauta já colocada pelos ministros Fernando
Haddad, da Fazenda, e Simone Tebet,
do Planejamento —que prometem levar opções a Lula.
Discursos ufanistas não convencem ninguém. Em
vários setores se observa que o país está cada vez mais à margem dos fluxos de
investimentos globais.
Se Lula
insistir em negacionismo econômico e sectarismo ideológico, colherá
degradação continuada da atividade e de seu governo.
Parceria na educação
Folha de S. Paulo
Contratos entre governos e empresas podem ser
promissores para resolver gargalos
Num Estado com Orçamento deficitário e
permeado por amarras constitucionais, como o brasileiro, as parceiras
público-privadas (PPPs) são instrumentos
essenciais para impulsionar investimentos.
Esse tipo de contrato entre governos e
empresas já é usado em infraestrutura e saúde,
mas na educação,
por corporativismo ou ideologia, ainda enfrenta resistências ao ser tratado
como privatização.
Recentemente, dois estados avançaram em
iniciativas do tipo. No Paraná, deputados aprovaram projeto que transfere a
administração de escolas à iniciativa privada. Já o governador
de São Paulo, Tarcísio de
Freitas (Republicanos), autorizou a abertura de licitação para
PPPs em obras, administração e manutenção de unidades da rede pública de
ensino.
O decreto paulista prevê parcerias para
a construção de
33 novas escolas, que podem vir a oferecer 35,1 mil vagas em 29 municípios do
interior do estado. As empresas ficarão responsáveis por investir R$ 2,1
bilhões em obras, cuja conclusão está prevista para 2027.
A participação da iniciativa privada ficará
restrita à gerência administrativa, como serviços de vigilância, limpeza e
alimentação. A área pedagógica continua sob o comando da Secretaria de
Educação.
No Paraná, não haverá obras, mas o programa
vai além na atuação das empresas, que podem contratar professores provisórios
ou substitutos e estipular metas de produtividade —medida que, ao lado da
avaliação de resultados, deveria fazer parte rotineira do sistema público de
ensino.
Parcerias em educação são capazes de aliviar
gastos de governos e contribuir para que secretarias concentrem atenção no
processo de ensino e aprendizagem, cujos indicadores são sofríveis no país.
Entretanto, por óbvio, não são panaceia. É
preciso realizar diagnósticos para direcionar investimentos às zonas mais
deficitárias e, principalmente, estipular marcos regulatórios claros.
Com alocação racional de recursos, regulação e fiscalização, PPPs são promissoras para lidar com os gargalos da educação brasileira que décadas de exclusividade estatal não conseguiram eliminar.
A conta da farra é sempre do consumidor
O Estado de S. Paulo
Solução do governo para crise da Amazonas
Energia é boa para a Eletrobras, para a empresa de Joesley e Wesley Batista e
para o Tesouro, menos para o consumidor, que pagará a conta
No início da semana passada, a Eletrobras
anunciou a venda de suas últimas usinas termoelétricas para a Âmbar Energia, do
Grupo J&F. A operação fazia todo o sentido para a Eletrobras, que tem como
meta ser uma companhia carbono zero até 2030, e para a Âmbar, empresa que
pertence aos irmãos Joesley e Wesley Batista e que é hoje a quarta maior
geradora de energia a gás natural em capacidade instalada.
Seria um negócio corriqueiro no setor, não
fosse o fato de que parte dessas usinas tem como cliente a distribuidora
Amazonas Energia, que não paga um tostão pela energia gerada desde novembro e
deve cerca de R$ 10 bilhões. Pelo contrato, a Âmbar assumiu todo o risco de
calote. Nas palavras do ex-diretor da Agência Nacional de Energia Elétrica
(Aneel) Edvaldo Santana ao Valor, era um negócio extremamente complexo de
entender. Não é mais. Uma reportagem publicada pelo Estadão tratou de
ligar os nebulosos pontos dessa história.
Tudo fez sentido na quinta-feira, quando o
governo publicou uma medida provisória para salvar a Amazonas Energia, cuja
situação é realmente periclitante e requer uma solução urgente para não deixar
os consumidores do Estado no escuro.
A Aneel já havia recomendado à União a
caducidade da concessão da distribuidora, e um grupo de trabalho do Ministério
de Minas e Energia (MME) sobre a Amazonas Energia concluiu pela seleção de um
novo operador para atender o Estado, hoje nas mãos do Grupo Oliveira Energia.
O relatório do grupo de trabalho do MME, no
entanto, alertou que seriam necessárias mudanças legislativas para “remediar” o
cenário atual da concessão, caracterizado por altos níveis de endividamento,
inadimplência elevada e reduzida capacidade de geração de caixa.
As mudanças, de fato, vieram com a edição da
Medida Provisória 1.232/2024 e garantirão que custos operacionais e perdas não
técnicas, os famosos “gatos”, sejam cobertos pela tarifa – não a dos
amazonenses, mas a de todos os consumidores do País, segundo o presidente da
Frente Nacional dos Consumidores, Luiz Barata, explicou ao Estadão.
O governo achou por bem oferecer mais e
permitir que alguns contratos de termoelétricas com as quais a Amazonas Energia
está inadimplente também sejam repassados para as contas de luz de todos os
consumidores brasileiros – entre eles os das usinas que agora pertencem à
Âmbar. A fatura pode ultrapassar R$ 30 bilhões no prazo de 15 anos.
Com a retirada de tantos passivos, a Amazonas
Energia passou de uma concessão virtualmente falida para um ativo interessante
aos olhos dos investidores, capaz de atrair grupos que já atuam em Estados
vizinhos e, por que não, a própria Âmbar.
É tudo muito estranho, mas o Ministério de
Minas e Energia disse desconhecer os termos do acordo entre a Eletrobras e a
Âmbar, que, por sinal, são públicos. Segundo a Eletrobras, o negócio inclui 13
termoelétricas e 2 gigawatts (GW) de potência e foi fechado por R$ 4,7 bilhões.
Para a Eletrobras, foi um ótimo negócio. A
empresa não apenas se livrou de usinas que produzem energia “suja”, como
repassou o risco de inadimplência à Âmbar. Para a Âmbar também foi um ótimo
negócio, uma vez que a inadimplência será coberta pelas tarifas pagas por
consumidores de todo o País.
E não é só isso. Caso a Âmbar consiga comprar
a Amazonas Energia, a dívida que a distribuidora acumulou com a Eletrobras no
passado poderá ter três soluções: (i) ser convertida em ações na nova
distribuidora; (ii) ser transformada em um instrumento a ser vendido a
terceiros no mercado; ou (iii) tornar-se crédito a ser exercido pela Eletrobras
contra a Âmbar.
Para o governo, é a saída perfeita. O MME
poderá alardear que resolveu um problema que poderia afetar o abastecimento no
Amazonas sem ter de intervir na distribuidora, e tudo por meio de uma solução
“de mercado”, haja vista que o negócio não contou com aporte de recursos do
Tesouro Nacional. Só quem se deu mal foi o consumidor, que, mais uma vez, terá
de pagar a conta de uma festa para a qual não foi convidado.
A marcha dos indecentes
O Estado de S. Paulo
Oxalá resolução que pune uma ralé que não
respeita a democracia moralize a Câmara, mas, se o indecoroso Bolsonaro não foi
punido quando deveria, nada indica que seus aprendizes o serão
O desrespeito aos princípios democráticos
mais comezinhos chegou a tal ponto na atual legislatura que o presidente da
Câmara, Arthur Lira (PP-AL), se viu obrigado a exorcizar o espírito de corpo e
agir. Há poucos dias, a Casa aprovou uma resolução que alterou o Regimento
Interno para dar à Mesa Diretora o poder de suspender de forma cautelar, por
até seis meses, o mandato de deputados acusados de quebrar o decoro
parlamentar. A mudança, segundo Lira, presta-se a evitar “confrontos
desproporcionalmente acirrados”, um eufemismo para brigas que, frequentemente,
têm sido travadas a xingamentos, socos e pontapés entre os parlamentares.
Em que pese a suposta boa intenção de Lira, a
ideia de punir de forma mais ágil uma ralé que não respeita a democracia só
ganhou tração porque o Conselho de Ética não tem servido para nada. O órgão
deixou de ser o suposto farol moral da Câmara para se tornar um indecente
conciliábulo de acomodações políticas, ao sabor das conveniências de ocasião.
Por essa razão, é muito improvável que a alteração do Regimento Interno, na
prática, vá conter os ânimos de brucutus que lutam para desmoralizar a
política.
Isso porque o projeto de resolução inicial
foi bastante esvaziado após a pressão que Lira sofreu de um grupo de deputados
insatisfeitos com a concentração de poder na Mesa. Ao fim e ao cabo, o Conselho
de Ética e o plenário da Câmara continuam senhores do destino de qualquer
deputado no que concerne ao mandato. Comunicado da decisão da Mesa, o Conselho
de Ética deverá deliberar sobre a suspensão cautelar do acusado no prazo de até
três dias, com possibilidade de o deputado suspenso recorrer ao plenário, que
apreciará o caso na sessão imediatamente subsequente.
O problema é que o peso dos fatos tem quase
nenhuma importância para o colegiado. O Conselho de Ética, não de hoje, existe
apenas no plano formal, pois é altamente suscetível a acordos de bastidor entre
os partidos que visam à impunidade de seus deputados – um acerto em que todos
ganham, menos a sociedade. O Estadão mostrou que o Conselho de Ética
julgou 29 representações por quebra de decoro entre 2023 e 2024. Algumas
decerto eram descabidas, mas todas foram arquivadas. Como disse a cientista
política Maria Carolina Lopes, “os custos de estar em conflito são mais baixos”
para os indecorosos do que os ganhos que eles obtêm exercendo sua truculência.
Diante dessa triste realidade, ao presidente
do Conselho de Ética, Leur Lomanto Júnior (União-BA), não restou mais que um
misto de lamento e advertência. A este jornal, Leur advertiu que, do jeito que
os confrontos físicos têm escalado, “vai chegar ao ponto que, daqui a pouco,
pode acontecer um crime, alguém atirar em algum parlamentar”. O Conselho de
Ética vai esperar que haja um assassinato nas dependências da Câmara para
decidir cassar um deputado violento?
Oxalá a resolução surta efeito, pois no
Congresso tem de prevalecer um pacto civilizatório para que as lides políticas
sejam travadas com respeito mútuo, no mínimo. É improvável, porém, que a
possibilidade de sanção mais célere contenha o barbarismo de uma nova classe de
deputados que chegaram a Brasília sem saber fazer política de outra forma que
não o recurso à violência.
Impulsionados pelas redes sociais – onde,
como se sabe, o respeito às divergências não tem lugar –, esses mandatários
veem na truculência um meio legítimo de ação política, pois julgam ter ganhado
a eleição graças exatamente ao comportamento indecoroso. Por isso, sentem-se
incentivados a desrespeitar tanto os adversários como as instituições,
alimentando um círculo vicioso de degradação da representação popular.
O histórico de leniência da Câmara com os
abusos de seus membros também não inspira esperança. Basta lembrar que os que
hoje ofendem e agridem adversários nada mais fazem do que emular Jair
Bolsonaro, o pior vândalo político que este país conheceu desde a
redemocratização. Durante quase 30 anos, Bolsonaro não foi punido com a
cassação por seus reiterados atentados contra o decoro parlamentar e o regime
democrático. Deu no que deu.
Pantanal em chamas, de novo
O Estado de S. Paulo
Focos de incêndio no bioma crescem 1.000% e
só agora o governo Lula da Silva diz que vai agir
Precisou o fogo no Pantanal registrar
crescimento de mais de 1.000% nos cinco primeiros meses deste ano em relação ao
mesmo período de 2023 para o governo Lula da Silva decidir, enfim, criar uma
sala de situação para a prevenção e o controle de incêndios. A medida, porém,
mostra-se insuficiente, em razão da letargia com que a reação foi apresentada e
de dúvidas que pairam sobre a capacidade efetiva da gestão petista para
enfrentar o problema.
Os dados do Instituto Nacional de Pesquisas
Espaciais (Inpe) sobre o primeiro semestre denunciam o perigo que se avizinha
no Pantanal. O principal temor – não sem razão – é que os incêndios repitam a
tragédia de 2020, quando foram consumidos nada menos do que 26% da vegetação e
10 milhões de animais morreram. À época, o Brasil e o mundo assistiram
perplexos à destruição.
As chamas hoje avançam em Mato Grosso do Sul
e Mato Grosso. As imagens de labaredas ou de árvores e animais incinerados
voltam a ocupar o noticiário. Os alertas vêm sendo feitos por autoridades
locais, especialistas e imprensa, enquanto o governo federal, em particular o
Ministério do Meio Ambiente, com Marina Silva à frente, se arrasta. Só
negligência ou incompetência explicam o atraso na execução de um plano.
Avisos se impõem há meses. Desde o fim do ano
passado, o Pantanal estava em alerta, em razão do baixo volume de chuvas. Uma
resolução da Agência Nacional de Águas e Saneamento Básico (ANA), de maio,
colocou a Bacia do Rio Paraguai em escassez hídrica. Mato Grosso do Sul e Mato
Grosso declararam emergência no bioma. É no segundo semestre, com previsão de
temperaturas acima da média – o que agrava a situação –, que chegará a estiagem
ao Pantanal.
Para piorar, a seca intensificada pelo El
Niño, combinada com a ação humana – acidental ou criminosa –, coloca em risco
os outros biomas brasileiros, com exceção do Pampa, onde as chuvas mostraram a
força dos extremos climáticos. Pinta-se um cenário muito cinza.
Marina Silva havia abordado o recrudescimento
da situação do Pantanal no Dia do Meio Ambiente, em 5 de junho, quando o
governo assinou pactos – pelo visto limitados – contra incêndios florestais. O
plano firmado com Mato Grosso, Mato Grosso do Sul, Acre, Amazonas e Pará prevê
planejamento e ações integradas de prevenção e combate aos incêndios no
Pantanal e na Amazônia. Vale lembrar que o governo Lula da Silva havia sido
alvo de críticas no ano passado pela tibieza no enfrentamento de queimadas na
Amazônia. A ineficiência, portanto, é recorrente.
Enquanto governos locais correm para empreender esforços contra o fogo, alteram regras de autorizações de queimadas e esperam por ajuda, o governo Lula da Silva patina na discussão de ampliação de recursos e da simplificação para contratação de brigadistas, equipamentos e aeronaves. Sem foco na prevenção, o combate claudica. Vê-se, assim, que todo o prenúncio da crise não foi capaz de mover as autoridades federais com a celeridade que a seca e os incêndios exigem, apesar do palavrório lulopetista em defesa da pauta ambiental. Tempo para preparo não faltou, mas sobrou omissão.
PL antiaborto: só recuo não basta
Correio Braziliense
O que se espera dos parlamentares e demais
políticos é um fazer democrático nas instâncias do poder, sem artimanhas que
desacelerem um caminhar da sociedade rumo a relações mais justas e igualitárias
O possível recuo na tramitação do projeto de
lei que equipara o aborto ao crime de homicídio, conhecido como PL antiaborto,
revela o quanto a preocupação com questões de gênero e combate ao machismo está
longe de ser uma pauta que, de fato, mobiliza parlamentares brasileiros. Em
meio às manifestações que ganharam as ruas e as redes sociais nos últimos dias,
deputados e senadores falam em desacelerar a votação do PL temendo, na verdade,
um forte desgaste político. Nas declarações da maioria desses políticos, parece
não haver indignação, ou no mínimo um desconforto, com a possibilidade de perda
de um direito adquirido ou de ocorrência de decisões judiciais polêmicas — como
a da vítima submetida ao procedimento receber uma pena maior do que a de quem a
violentou.
Declarações do autor do PL, o deputado
Sóstenes Cavalcante, evidenciam a verdadeira motivação. O parlamentar diz que
não tem pretensão de mexer no texto e que não há pressa para a votação da
proposta. Há "o ano todo" para que ela seja votada, segundo ele, já
que o presidente da Câmara, Arthur Lira, assumiu o "compromisso" de
aprovação "até o último dia do seu mandato". Se há uma
despreocupação com o tempo, o que justificaria a aprovação do requerimento de
urgência do projeto de lei em votação relâmpago, na última quarta-feira,
dificultando um debate amplo sobre o tema?
Dedicado a garantir que seu substituto seja
um aliado, Lira se transformou no principal alvo das manifestações contra o PL
e tratou de anunciar que vai desacelerar a tramitação, assegurando que a
relatora do projeto será alguém da bancada feminina da "ala
moderada". Também na tentativa de amenizar os ânimos, o deputado alegou
que a população desconhece o processo legislativo, tendo um entendimento de
urgência que não corresponde ao processo real. Não parece, porém, necessário
muito conhecimento sobre os meandros do Congresso para questionar se 24
segundos são suficientes para decidir o andamento de uma proposta com tamanho
impacto social.
Das 74.930 vítimas de estupro no Brasil
em 2022, 75% tinham menos de 14 anos, segundo o Anuário Brasileiro de Segurança
Pública. Em 2020, foram registrados cerca de 17.500 partos de meninas com 10 a
14 anos no Brasil, indicam dados mais recentes do Ministério da Saúde. No
comando da pasta, Nísia Trindade afirmou que o PL é "injustificável
e desumano", seguindo uma declaração do presidente Lula, também no sábado,
classificando o projeto como uma "insanidade". O governo, aliás,
também mudou o tom acerca do PL antiaborto. Abriu mão de um estratégico
silêncio depois das repercussões negativas dentro e fora do campo político,
incluindo acusações de condescendência na votação relâmpago.
Há, agora, um compromisso em não mudar a legislação atual sobre o aborto, afirmou, ontem, o ministro da Secretaria de Relações Institucionais, Alexandre Padilha. Não é suficiente, assim como a promessa de arrefecer o polêmico projeto de lei que, segundo parecer da Ordem dos Advogados do Brasil (OAB), tem "linguagem punitiva, depreciativa e cruel", além de ser inconstitucional. O que se espera dos parlamentares e demais políticos é um fazer democrático nas instâncias do poder, é propor e aprovar ideias que não ameacem direitos fundamentais nem sejam contaminadas por dogmas religiosos, fake news ou qualquer outra artimanha que desacelere um caminhar da sociedade rumo a relações mais justas e igualitárias. Esse, sim, é um processo que requer urgência.
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