O Estado de S. Paulo
A economia brasileira patina na incapacidade de avançar há tempos. Talvez pela falta de horizonte e pela doença da supremacia do curto prazo
A reflexão sobre o desenvolvimento da
economia brasileira é algo que parece ter sido perdido no espaço e no tempo. No
Congresso Nacional, infelizmente, a disputa por nacos dos orçamentos secretos e
as pautas de costumes esgotam a agenda que, aliás, tem sido marcada pelo
atropelo. Na gestão econômica, o jogo das expectativas de curto prazo e a
desmedida atenção às taxas de juros impedem que políticas de alcance mais
estrutural avancem ou até mesmo que sejam propostas. Talvez essa dificuldade de
colocar o desenvolvimento no topo da pauta possa explicar as razões de
amargarmos trajetórias de crescimento tão frágeis. Os últimos dias podem dar um
bom exemplo disso.
O clima de otimismo que vinha dominando os dados recentes da conjuntura sofreu um expressivo revés em abril. As vendas reais da indústria de transformação do Estado de São Paulo recuaram 4,3%, relativamente ao mês anterior, eliminando o ganho registrado em março, segundo dados da Federação das Indústrias do Estado de São Paulo (Fiesp). As horas trabalhadas na produção caíram 2,1%, assim como o salário real médio (-3,1%).
Parece incompreensível que nossa economia
possa ser tão oscilante e marcada por movimentos de reversão absolutamente
profundos. Muitos já disseram que a dependência do preço e dos mercados de
commodities, dada a importância que assumiram no conjunto da economia, pode
explicar essa volatilidade. De fato, até pode haver algum impacto, mas não
creio que essa explicação ajude muito a discutir a consistência dos ciclos
expansivos.
Creio que um outro trabalho da Fiesp,
recentemente divulgado, seja mais esclarecedor. Esse levantamento aponta que,
entre fevereiro de 2022 e fevereiro de 2024, os rendimentos reais dos
trabalhadores no setor industrial brasileiro aumentaram 5,9%. Enquanto isso, a
produtividade do trabalho, no mesmo período, apresentou uma retração de 1,4%.
Essa evidente inconsistência produz algo
perverso. O custo da unidade produzida passa a ser maior. Ou seja, pagar os
recursos humanos necessários para a produção de uma unidade fica mais oneroso:
o salário é maior e seu resultado, em termos de produção, menor. O desfecho da
conta é uma empresa com menos capacidade de competir, seja no mercado nacional,
seja em mercados externos.
Nesse ponto, há um diagnóstico a fazer. De
quem será a culpa pela perda de produtividade? Lógico que uma parte do
resultado do trabalho depende do trabalhador. E há trabalhadores com
habilidades distintas. Mas convenhamos que a nova economia é cada vez mais
dominada pela predominância da máquina e da automação. Se alguém pode ser
culpabilizado é a máquina.
Aí temos que saltar dos indicadores para o
olhar sobre a realidade. Muitas de nossas plantas industriais são obsoletas,
sendo que 38% das máquinas nelas utilizadas já ultrapassaram o período de uso
indicado por seus fabricantes.
Em estudo de 2023, a Federação das Indústrias
do Estado de São Paulo avaliou o quanto seria necessário investir para que o
parque produtivo da indústria recuperasse condições de produtividade razoáveis.
A estimativa anual foi de 4,6% do PIB, por um prazo de sete anos. Esse valor
incluiria tanto a depreciação quanto o avanço para padrões tecnológicos
contemporâneos.
Outra cifra que chama a atenção é o custo da
produtividade nacional, o chamado custo Brasil. Estudo recente do Movimento
Brasil Competitivo (MBC) demonstrou que as dificuldades estruturais,
burocráticas e econômicas representam R$ 1,7 trilhão ao ano para o setor
produtivo. O levantamento teve como comparação os países integrantes da
Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Econômico (OCDE). Ou seja, os
custos para operar um negócio no Brasil são R$ 1,7 trilhão mais altos que a
média dos países da OCDE.
Urge uma discussão séria sobre a forma como
se pode organizar a recuperação da competitividade, sobretudo da indústria de
transformação do Brasil (que reúne todo o setor manufatureiro). Obviamente o
acesso ao crédito é crucial, e sabemos que, além de caro, o crédito no Brasil
só será acessado por empresas que tenham horizonte firme de mercado.
Some-se a isso um novo fato trazido ao
cenário internacional pelo pós-pandemia: o temor da concentração de produção
num só país, como ocorreu com a China, nas duas décadas anteriores.
Logicamente, depois das crises de fornecimento da pandemia, nenhuma análise de
gestão de risco minimamente séria poderá aceitar que uma empresa dependa de um
só país, seja para produzir, seja em termos de insumos. Nesse sentido, é
possível, nos marcos deste novo cenário da distribuição regional da produção,
apostar em uma modernização do parque industrial brasileiro. Depende da clareza
de objetivos, da oferta de crédito em condições razoáveis – mas repetir as
políticas de subsídio, da fixação de padrões estáveis na política tributária e
tarifária.
A economia brasileira patina na incapacidade
de avançar há tempos. Talvez pela falta de horizonte e pela doença da
supremacia do curto prazo. Em verdade, depende de pensar o Brasil além da
próxima esquina.
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