Valor Econômico
Fala sobre desvinculação de benefícios fecha uma porta em relação ao ajuste fiscal
Da longa entrevista
desta quarta-feira do presidente Luiz Inácio Lula da Silva, ao menos
quatro afirmações irão provocar consequências nos campos econômico, político e
diplomático. Talvez a mais importante, porque impacta diretamente as
expectativas do mercado financeiro, seja a afirmação taxativa do presidente de
que não proporá a
desvinculação do pagamento de benefícios previdenciários ao salário mínimo.
"O mínimo é o mínimo para sobreviver", garantiu.
Uma porta foi fechada, portanto, em relação ao ajuste fiscal. Como o presidente também garantiu que não se deve também gastar mais do que se arrecada, o corolário óbvio é que o governo federal continuará buscando formas de arrecadar mais. E redobrará apostas no Estado indutor da economia. "Se o PIB não crescer, você não tem o que distribuir", disse.
A segunda declaração de Lula com impacto
econômico é sobre a regulamentação da reforma tributária, discutida até o
momento em termos bem pouco transparentes entre o governo e o Congresso. Lula
disse que a carne de frango não pode ser onerada, um sinal de que esta proteína
animal deve entrar na lista de isenções do novo IBS/CBS da cesta básica.
"Na carne, a gente tem que mediar", afirmou Lula.
Em relação ao ambiente político, Lula disse
que o ministro das Comunicações, Juscelino Filho, será afastado
do cargo caso seja indiciado por corrupção. Ele disse que Juscelino
teve o indiciamento pedido, mas ainda sem posição da Procuradoria Geral da
República a respeito. "Enquanto não tiver indiciamento, ele fica
ministro", afirmou. Lula recordou na entrevista que afastou Walfrido dos
Mares Guia, seu coordenador político, quando o então ministro foi indiciado,
durante seu primeiro mandato.
Mares Guia foi denunciado no âmbito do
inquérito do chamado "mensalão mineiro", que aconteceu antes do
governo Lula. Em 2014, a Justiça arquivou as investigações sem condenação ao
ex-ministro. Lula disse que avisou a Juscelino da possível demissão e sinalizou
que o partido do ministro manterá a pasta. "Quando tiver o fato concreto,
vou me reunir com as pessoas do União Brasil". O presidente se disse
satisfeito com o comportamento da bancada da sigla no Congresso, que
frequentemente vota contra o governo. "A aliança está permitindo governar
o País. Até agora não perdemos nada vital para o governo", disse. Mas a
saída de um ministro pode abrir portas para uma reforma ministerial maior.
A quarta declaração de Lula que provocará
consequências é em relação à política externa. Lula afirmou que não conversou
até agora com o presidente argentino Javier Milei e nem
pretende conversar por questões do debate político doméstico. "Não
conversei com o presidente da Argentina porque eu acho que ele tem que pedir
desculpas para o Brasil e para mim. Ele falou muita bobagem", disse.
Condenados por golpismo no 8 de
janeiro estão foragidos na Argentina. O Brasil deve negociar com o governo
de Milei a extradição ou o cumprimento da pena no país vizinho. E Lula agora
diz que aguarda Milei pedir desculpas, algo que sabidamente não acontecerá. Um
dos traços de Milei na presidência é ofender chefes de Estado. Já fez isso com
o mexicano Lopez Obrador, com o colombiano Gustavo Petro e com o espanhol Pedro
Sánchez.
Milei disse durante a campanha presidencial argentina de 2023 que Lula é corrupto e comunista. O presidente brasileiro apoiou o adversário de Milei durante a campanha e marqueteiros brasileiros ligados ao PT foram ao país vizinho para turbinar campanhas negativas contra o extremista que ganhou a eleição. A declaração de Lula dá partida a um novo jogo dos dois chefes de Estado para suas respectivas arquibancadas, elevando uma fervura que os bombeiros dos Palácios Itamaraty e San Martín terão dificuldade em baixar.
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