quinta-feira, 27 de junho de 2024

César Felício - Fala tem consequências na economia, na política e nas relações externas

Valor Econômico

Fala sobre desvinculação de benefícios fecha uma porta em relação ao ajuste fiscal

Da longa entrevista desta quarta-feira do presidente Luiz Inácio Lula da Silva, ao menos quatro afirmações irão provocar consequências nos campos econômico, político e diplomático. Talvez a mais importante, porque impacta diretamente as expectativas do mercado financeiro, seja a afirmação taxativa do presidente de que não proporá a desvinculação do pagamento de benefícios previdenciários ao salário mínimo. "O mínimo é o mínimo para sobreviver", garantiu.

Uma porta foi fechada, portanto, em relação ao ajuste fiscal. Como o presidente também garantiu que não se deve também gastar mais do que se arrecada, o corolário óbvio é que o governo federal continuará buscando formas de arrecadar mais. E redobrará apostas no Estado indutor da economia. "Se o PIB não crescer, você não tem o que distribuir", disse.

A segunda declaração de Lula com impacto econômico é sobre a regulamentação da reforma tributária, discutida até o momento em termos bem pouco transparentes entre o governo e o Congresso. Lula disse que a carne de frango não pode ser onerada, um sinal de que esta proteína animal deve entrar na lista de isenções do novo IBS/CBS da cesta básica. "Na carne, a gente tem que mediar", afirmou Lula.

Em relação ao ambiente político, Lula disse que o ministro das Comunicações, Juscelino Filho, será afastado do cargo caso seja indiciado por corrupção. Ele disse que Juscelino teve o indiciamento pedido, mas ainda sem posição da Procuradoria Geral da República a respeito. "Enquanto não tiver indiciamento, ele fica ministro", afirmou. Lula recordou na entrevista que afastou Walfrido dos Mares Guia, seu coordenador político, quando o então ministro foi indiciado, durante seu primeiro mandato.

Mares Guia foi denunciado no âmbito do inquérito do chamado "mensalão mineiro", que aconteceu antes do governo Lula. Em 2014, a Justiça arquivou as investigações sem condenação ao ex-ministro. Lula disse que avisou a Juscelino da possível demissão e sinalizou que o partido do ministro manterá a pasta. "Quando tiver o fato concreto, vou me reunir com as pessoas do União Brasil". O presidente se disse satisfeito com o comportamento da bancada da sigla no Congresso, que frequentemente vota contra o governo. "A aliança está permitindo governar o País. Até agora não perdemos nada vital para o governo", disse. Mas a saída de um ministro pode abrir portas para uma reforma ministerial maior.

A quarta declaração de Lula que provocará consequências é em relação à política externa. Lula afirmou que não conversou até agora com o presidente argentino Javier Milei e nem pretende conversar por questões do debate político doméstico. "Não conversei com o presidente da Argentina porque eu acho que ele tem que pedir desculpas para o Brasil e para mim. Ele falou muita bobagem", disse.

Condenados por golpismo no 8 de janeiro estão foragidos na Argentina. O Brasil deve negociar com o governo de Milei a extradição ou o cumprimento da pena no país vizinho. E Lula agora diz que aguarda Milei pedir desculpas, algo que sabidamente não acontecerá. Um dos traços de Milei na presidência é ofender chefes de Estado. Já fez isso com o mexicano Lopez Obrador, com o colombiano Gustavo Petro e com o espanhol Pedro Sánchez.

Milei disse durante a campanha presidencial argentina de 2023 que Lula é corrupto e comunista. O presidente brasileiro apoiou o adversário de Milei durante a campanha e marqueteiros brasileiros ligados ao PT foram ao país vizinho para turbinar campanhas negativas contra o extremista que ganhou a eleição. A declaração de Lula dá partida a um novo jogo dos dois chefes de Estado para suas respectivas arquibancadas, elevando uma fervura que os bombeiros dos Palácios Itamaraty e San Martín terão dificuldade em baixar.

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