O Globo
Soprar as chamas de uma situação já tensa com uma ameaça de guerra civil, como Macron está fazendo, realmente não é coisa de adulto responsável
É tanta coisa acontecendo ao mesmo tempo que
fica impossível prestar atenção a tudo. A França, por exemplo. A jogada de
Macron, que até pareceu ousada num primeiro momento, agora parece
inconsequência pura e simples. Adultos responsáveis não fazem apostas loucas
quando estão no governo porque, ora, são adultos responsáveis, e vida de adulto
responsável é mais Angela Merkel do que James Dean, mais trilha do que
escalada, mais quarteto de cordas do que rock’n’roll.
Os eleitores do país votaram em massa na extrema direita para o Parlamento Europeu. O que faz um adulto responsável? Qualquer coisa, menos dissolver a Assembleia, convocar novas eleições e pagar para ver: “É direita mesmo que vocês querem?”
Sim, inteligência rara, é direita mesmo que
eles querem, eles acabam de votar dizendo isso.
A França é muito mais do que os bairros
instagramáveis de Paris. Boa parte dos eleitores se sente traída pela
globalização e pelas políticas econômicas que favorecem as grandes cidades e as
elites urbanas. Assim como os eleitores de Trump nos Estados Unidos, os
eleitores franceses também estão preocupados com o desemprego e com a
desindustrialização, e entendem que o governo — o “sistema” — está pouco se
lixando para os trabalhadores.
Eles se ressentem da atitude de arrogante
superioridade de um mundo que se supõe mais sofisticado e os trata com
condescendência.
Há também — e talvez sobretudo — a questão da
imigração, que põe em xeque a própria identidade francesa, ou aquilo que parte
dos franceses entende como identidade nacional.
Aliás, a guinada à direita, não só da França
mas de toda a Europa, tem a ver, essencialmente, com a imigração, e com a
percepção de que os imigrantes, em sua maioria africanos e muçulmanos, estão
vivendo às custas dos europeus, conquistando os seus empregos, subvertendo o
seu modo de vida e acabando com a sua paz.
Entra tudo no mesmo caldo: fato, fake,
emoção, racismo, xenofobia, violência.
Agora imaginem o inferno astral do eleitor
razoável, imprensado entre a extrema esquerda de Mélenchon (nojenta) e a
extrema direita de Le Pen (asquerosa), a três dias das eleições, a uma semana
das férias, no meio de uma onda de calor jamais vista, com as Olimpíadas ali na
esquina e todos os transtornos decorrentes — multidões de turistas, preços na
estratosfera, segurança redobrada, cidade lotada, o medo constante de
atentados.
Para piorar, dando entrevista a um podcast no
começo da semana, Macron alertou para o risco de guerra civil caso os
extremistas se saiam bem. Guerra civil, só isso. É a dialética do caos para se
garantir no poder — se está ruim agora, imagine depois, com eles.
Soprar as chamas de uma situação já tensa com
uma ameaça de guerra civil realmente não é coisa de adulto responsável.
A França está por aqui com Macron.
Eu entendo a França.
O que eu não entendo é uma Olimpíada em
Paris. Uma Olimpíada em tese é para chamar a atenção do mundo, para atrair
turistas que nunca pensaram naquele destino: cidades com potencial, que podem
lucrar com a visibilidade e com massas de gente. A Seul de 1988, por exemplo;
Sydney, que fica longe para todo mundo; Atlanta. Mas Paris? Para a próxima
sugiro Veneza.
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