sábado, 22 de junho de 2024

O que a mídia pensa | Editoriais / Opiniões

Corte de verbas em meteorologia deixa país vulnerável

O Globo

Catástrofe gaúcha mostra que, enquanto governo gasta onde não é preciso, corta o indispensável

As chuvas que devastaram o Rio Grande do Sul no mês passado impuseram uma lição contundente: União, estados e municípios precisam se preparar melhor para lidar com fenômenos climáticos extremos, que, em razão do aquecimento global, se tornaram e se tornarão mais frequentes e mais intensos. Para isso, previsões meteorológicas são críticas. Paradoxalmente, neste momento de demanda crescente, o Instituto Nacional de Meteorologia (Inmet) vem sendo esvaziado.

Como mostrou reportagem do GLOBO, o orçamento empenhado pelo Ministério da Agricultura e Pecuária ao Inmet vem caindo. Foram R$ 29,1 milhões em 2020, R$ 27,6 milhões em 2021, R$ 22,1 milhões em 2022, R$ 16,1 milhões no ano passado e R$ 11,5 milhões no primeiro semestre. Quando observados os valores para a área de meteorologia (e não apenas para o Inmet), também houve queda. Em 2022, foram empenhados R$ 24,7 milhões e pagos R$ 22,7 milhões. Em 2023, R$ 18,4 milhões e R$ 18,3 milhões. Neste ano, R$ 15,5 milhões e R$ 12 milhões até agora.

Para efeito de comparação, no ano passado o governo empenhou R$ 51 milhões e gastou R$ 43 milhões no Centro de Tecnologia Eletrônica Avançada (Ceitec), estatal de semicondutores destinada à liquidação no governo Jair Bolsonaro, mas resgatada no governo Lula, apesar de irrelevante. O orçamento do Ceitec para este ano é de R$ 46,2 milhões. Num país em que Judiciário e Ministério Público custaram à sociedade 1,6% do PIB em 2022, onde o fundo eleitoral praticamente dobrou de uma eleição municipal a outra (de R$ 2,5 bilhões para R$ 4,9 bilhões) e os gastos obrigatórios são engessados, falta dinheiro onde ele é mais necessário. É o lado perverso da crise fiscal.

Com orçamento curto no Inmet, os problemas de gestão se agravam. Contratos com terceirizados são cancelados e equipes reduzidas. No Rio de Janeiro, contam funcionários, não há mais meteorologista em campo. Em Porto Alegre, apenas dois servidores tomam conta das previsões. Belo Horizonte mantém uma única servidora. Como mostrou o Jornal Nacional, algumas repartições nem têm mais telefone, ainda essencial em situações de emergência. Atualmente só a sede em Brasília recebe ligações, e a população é orientada a usar o site.

A catástrofe no Rio Grande do Sul e suas cenas de horror deveriam levar à reavaliação de prioridades. Um dos fatores que tornam os desastres climáticos mais letais é a falta de ações preventivas. A previsão de chuvas permite que a Defesa Civil crie estratégias e rotas de salvamento com antecedência. Mesmo que a previsão não se confirme, é essencial estar preparado para o pior cenário. Evidentemente, a previsão meteorológica é apenas parte de uma estrutura maior que precisa ser acionada em momentos críticos. Quando essa engrenagem funciona, aumentam as chances de salvar vidas. Mas tudo depende de previsões corretas e de comunicação ágil. E isso depende de o dinheiro público ser despendido onde é necessário.

Câmara precisa votar projeto do ensino médio antes do recesso de julho

O Globo

Só assim haverá tempo para reforma de 2017 entrar em vigor no ano que vem. Não dá para esperar mais

Cabe à Câmara votar com celeridade o Projeto de Lei sobre o novo ensino médio, alterado no Senado. É fundamental que o texto esteja aprovado antes do recesso parlamentar, na segunda quinzena de julho. Só assim haverá tempo para as secretarias de Educação começarem a implementar as mudanças a partir do ano que vem. Do contrário, as novas normas só poderão entrar em vigor em 2026, quase dez anos depois de aprovado o projeto original, em 2017.

O novo ensino médio tem muitos méritos. Além de ampliar a carga horária de formação básica, adota uma parte flexível no currículo, tornando-o mais próximo dos jovens. Hoje os currículos são desconectados da realidade. Despertam pouco interesse nos alunos e não têm sintonia com as demandas do mercado de trabalho. A proposta também estimula e valoriza o ensino profissionalizante.

É urgente promover a reforma para preparar melhor os alunos às demandas da sociedade e do mercado contemporâneos. Apesar disso, pressionado por entidades de classe e partidos de esquerda, o ministro da Educação, Camilo Santana, suspendeu em abril do ano passado a implementação, sob o argumento de que o projeto precisava de ajustes. É verdade que havia problemas na proposta original. Mas a demora se tornou injustificável.

Um dos principais problemas era a carga horária deficiente para a formação geral básica (1.800 horas), com tempo excessivo para a parte flexível do currículo (1.200 horas). Na versão aprovada na Câmara, as disciplinas tradicionais passaram a ter 2.400 horas, do total de 3 mil. Como isso comprimiu o tempo do currículo flexível, a relatora no Senado, Professora Dorinha Seabra (União-TO), decidiu aumentar a carga horária dos cursos técnicos, a partir de 2029, para até 3.600 horas. A ideia é torpedeada por profissionais e pesquisadores, pois de difícil execução. Outro ponto criticado é a obrigatoriedade do ensino de espanhol, em detrimento do inglês — a língua franca do planeta deixaria de ser obrigatória. Secretários de Educação alegam que as escolas não têm condições de cumprir a exigência. Por fim, o texto impõe que o Enem exija apenas a formação básica.

Em vez de contribuir para sanar as divergências, o projeto do Senado suscitou mais controvérsia e atrasou a implementação. O ideal é que sejam retomadas as linhas gerais propostas pelo relator na Câmara, Mendonça Filho (União-PE). O texto que seguiu de lá para o Senado era fruto de um consenso costurado entre governistas, oposição, secretários de Educação e o MEC. “É um texto sólido, que atende aos secretários que implementarão as mudanças e aos pesquisadores que estudam o assunto”, diz Priscila Cruz, presidente da ONG Todos Pela Educação. “É preciso aprová-lo logo, para que as escolas tenham tempo de se preparar.”

Não há dúvida de que debate é importante, mas já se debateu demais. O projeto vai para a quinta modificação. Passou da hora de chegar a um consenso. Quanto antes a reforma for implementada, melhor para os alunos, para as empresas e para o país.

Fraude na história e tiro no pé com Petrobras

Folha de S. Paulo

Lula tenta reescrever história de corrupção nas gestões do PT; ímpeto intervencionista se volta contra o próprio governo

Luiz Inácio Lula da Silva (PT) insiste em tentar reescrever a história para apagar os malfeitos de administrações petistas anteriores. A esta altura de seu governo está claro que nem ele nem o PT se preocuparam em refletir sobre os fracassos passados ou em considerar as necessidades atuais do país.

A semana que passou foi pródiga em evidências de sua conduta sectária. Na cerimônia de posse da nova presidente da Petrobras, Magda Chambriard, escolhida para novamente tornar a companhia caudatária de projetos caros ao partido, Lula se pôs a atacar gestões anteriores —que resgataram a estatal de uma crise sem precedentes.

Entre 2016 e 2022, não houve conluio de elites para desmontar a empresa. O que houve foi uma paciente reconstrução financeira após anos de desvios e incompetência administrativa, que legaram os maiores prejuízos da história, durante os mandatos petistas.

No período, a gigante petroleira voltou a obter lucros elevados que propiciaram polpudos dividendos para seus acionistas, em especial o Tesouro Nacional, ou, vale dizer, para toda a sociedade.

"O que queriam eles mesmo era entregar esse extraordinário patrimônio nas mãos de petrolíferas estrangeiras", discursou o mandatário, em retórica populista desabrida, sobre as investigações da Operação Lava Jato na empresa —que, por sinal, também o atingiram.

Em uma mesma tacada, Lula procura tanto desqualificar as revelações de corrupção nas administrações petistas quanto culpar terceiros pelo desastre econômico da correligionária Dilma Rousseff. São fatos incontestáveis, não alterados pelos erros da Lava Jato que levaram à anulação das condenações do líder petista.

Por fim, a surrada demonização das privatizações é uma busca por inimigos imaginários, dado que nenhum governo propôs a venda da Petrobras. No entender desta Folha, esse tabu político é um erro que prejudica a produtividade da empresa e da economia, para nem falar de desvios criminosos.

Felizmente, a Lei das Estatais, de 2016, trouxe melhorias de governança também incorporadas ao estatuto da petroleira. Foram esses aperfeiçoamentos que impediram Lula e seu antecessor, Jair Bolsonaro (PL), de mandar nos preços da gasolina e dos demais derivados do petróleo como gostariam.

Espera-se que o ímpeto intervencionista conheça nova frustração sob o novo comando da Petrobras. Se Lula for bem-sucedido, não terá ninguém mais a quem culpar por consequências ruinosas —mas isso nunca o constrangeu.

Putin e Kim

Folha de S. Paulo

Acordo entre Rússia e Coreia do Norte altera balanço geopolítico e desafia EUA

Protagonizando uma cena insólita, Vladimir Putin tomou o volante da limusine Aurus Senat em que embarcaria com Kim Jong-un e levou o ditador norte-coreano para um passeio pelas ruas de Pyongyang.
O carro de fabricação russa foi dado a Kim, mas a real troca entre os líderes era outra, com profundas consequências geopolíticas.

Putin foi à cidade pela primeira vez em 24 anos para reverter um caminho trilhado após o fim da União Soviética, que bancava a bizarra mistura de dinastia familiar e regime stalinista vigente na porção norte da península coreana.

De lá para cá, o apoio de Moscou escasseou. Entre 2006 e 2017, os russos votaram nove vezes a favor de sanções contra os norte-coreanos na ONU, incluindo o acesso a bens de luxo como a limusine.

Mas o mundo mudou. Com a implosão das negociações nucleares entre Kim e os EUA, em 2019, e a invasão russa da Ucrânia em 2022, os antigos aliados se reaproximaram.

Na visita, Putin anunciou um pacto militar que revive os termos do principal acordo entre os norte-coreanos e os soviéticos, de 1961, segundo os quais os países se comprometem a defender-se mutuamente em caso de agressão.

Até aqui, a Coreia do Norte não tinha um seguro externo de tal magnitude. Já os sul-coreanos têm 25 mil soldados americanos e o guarda-chuva nuclear de Washington à sua disposição contra as talvez 50 ogivas atômicas de Kim.

Putin ainda anunciou que poderá enviar mísseis de precisão ao aliado para empatar o jogo com os EUA, que autorizaram a Ucrânia a empregar tais armamentos contra solo russo. Em troca, deverá receber munição para sua artilharia contra o vizinho e ganha um novo instrumento de pressão política na Ásia.

Incógnito é o papel da China, maior aliada da Rússia e maior apoiador de Pyongyang no pós-Guerra Fria. Parece improvável que o pacto tenha sido firmado sem conhecimento de Pequim. Como ainda tem poderosos laços econômicos com o Ocidente, é possível que Xi Jinping tenha deixado a instrumentalização de Kim para Putin.

A história é pródiga em exemplos de como tais arranjos podem levar a crises graves, como a sucessão que gerou a Primeira Guerra Mundial. Não se espera tanto agora, mas adiciona-se tensão à já conturbada relação entre as Coreias.

Ânimo censório

O Estado de S. Paulo

Espanta a facilidade com que o STF suspende a liberdade de expressão, chegando às raias do absurdo: até os entreveros conjugais de um deputado tornaram-se risco às instituições

Na terça-feira, o ministro do Supremo Tribunal Federal (STF) Alexandre de Moraes, atendendo a um pedido dos advogados do presidente da Câmara dos Deputados, Arthur Lira, ordenou a remoção de reportagens da Folha de S.Paulo, Mídia Ninja, Terra e Brasil de Fato em que sua ex-mulher, Jullyene Lins, o acusava de ameaças e agressão. No dia seguinte, Moraes recuou. Menos mal. Mas o ânimo censório da Corte e a naturalidade com que ela está normalizando o recurso à censura são alarmantes.

O caso ecoa a censura imposta por Moraes em 2019 a uma reportagem da revista Crusoé que revelava o codinome do ministro Dias Toffoli nos arquivos da Odebrecht. A ordem foi expedida no âmbito de inquéritos abertos pela Corte para apurar fake news e a atuação de milícias digitais. Na ocasião, Moraes também recuou, mas esses inquéritos intermináveis, elásticos e secretos já correm há cinco anos e a sociedade ainda não sabe quem supostamente ameaça as instituições, como são articuladas essas ameaças nem os seus propósitos. Mas eles têm servido de pretexto para toda sorte de intimidação e arbitrariedade.

Foi no âmbito desses inquéritos que Moraes determinou a censura de redes sociais que criticaram o projeto de lei das fake news, bloqueou perfis de influenciadores ou indiciou o dono do X, Elon Musk, por se queixar de suas decisões. As fundamentações, quando vêm à público, são sempre genéricas e opacas.

No caso das reportagens com Jullyene Lins, não foi diferente. Lins acusou o ex-marido de agressão em 2006 e depois, no processo, recuou das acusações. Lira foi absolvido em 2015. Em entrevista à Folha em 2021, ela alega ter sido coagida a recuar por meio de novas ameaças e agressões. Os textos censurados reportavam esses depoimentos, os fatos relevantes e as declarações do acusado.

Se há calúnia por parte de Jullyene Lins, que seja apurada e ela, julgada e punida. Mas o pedido da defesa alegou que as reportagens fariam parte de um “movimento orgânico, encadeado, de divulgação de notícia mentirosa”, com o “claríssimo propósito de desestabilizar não apenas a figura política” de Lira, como “atingir o exercício da elevada função da Presidência da Câmara dos Deputados”.

Foi a senha para ativar os apetites salvacionistas de Moraes: “Torna-se necessária, adequada e urgente a interrupção da propagação dos discursos com conteúdo de ódio, subversão da ordem e incentivo à quebra da normalidade institucional e democrática mediante bloqueio de contas em redes sociais”, disse no despacho. Por alguma curiosa hermenêutica, os entreveros conjugais de Lira tornaram-se um risco ao Estado Democrático de Direito. Só faltou acusar Jullyene Lins e as mídias de “extremistas” ou “golpistas”.

Na raiz de mais essa arbitrariedade está a confusão espúria entre as autoridades e as instituições que representam. Pessoas que supostamente ofendem juízes ou políticos são agora investigadas por “ataques às instituições” ou até por crimes que nem sequer existem como “desinformação” ou “discursos de ódio”.

Para piorar, a censura não só era descabida, como o STF não tinha competência para determiná-la. Deputados têm foro privilegiado se forem autores de crimes, não vítimas. Não bastasse isso, a demanda apresentada nem sequer era criminal, e sim cível. Mas com essas táticas Lira já logrou a censura de 15 conteúdos jornalísticos sobre este tema.

Neste último caso, Moraes recuou, mas as marcas da arbitrariedade ficaram. Mulheres devem pensar mais de uma vez antes de denunciar agressões de autoridades e poderosos, assim como a imprensa antes de reportá-las.

Mesmo a censura de conteúdos caluniosos é excepcionalíssima e exige certeza além de qualquer dúvida razoável. Ao receber um pedido desse gênero, o ímpeto inicial deveria ser preservar a liberdade de expressão, mas os ânimos no STF vão na direção oposta. Como diz o bordão, para quem tem um martelo, tudo é prego. Para quem se autoatribui uma jurisdição universal de defesa da democracia e da verdade, qualquer coisa pode virar “subversão da ordem” ou “quebra da normalidade institucional”, até briga de marido e mulher.

A ‘surpresa’ de Lula com os subsídios

O Estado de S. Paulo

Proporção de benefícios tributários no PIB pode até impressionar leigos, mas jamais deveria impressionar Lula da Silva, que contribuiu muito para ampliá-los em seus mandatos anteriores

O presidente Lula da Silva ficou “extremamente mal impressionado” com o aumento do peso dos subsídios nos últimos anos, segundo relato da ministra do Planejamento, Simone Tebet. Lula participou nesta semana de reunião da Junta de Execução Orçamentária, ocasião em que teria finalmente tomado conhecimento sobre o tamanho do problema. “De repente, você descobre que tem R$ 646 bilhões de benefícios fiscais para os ricos desse país”, disse Lula da Silva, em entrevista à Rádio CBN.

Considerando benefícios tributários, financeiros e creditícios, o valor chegou a R$ 646,6 bilhões no ano passado, o equivalente a 5,96% do Produto Interno Bruto (PIB), segundo relatório do Tribunal de Contas da União (TCU). Desse total, R$ 127,6 bilhões eram benefícios financeiros e creditícios. A maior parte, R$ 519 bilhões, era de gastos tributários, que incluem renúncias de receita, isenções ou redução de alíquotas de impostos, entre outros instrumentos que livram empresas e setores de pagar impostos.

Os números podem até impressionar leigos, mas não deveriam impressionar um presidente da República em seu terceiro mandato, mesmo porque ele contribuiu muito para o quadro. Entre 2003 e 2010, durante o primeiro e o segundo mandatos de Lula da Silva, os benefícios tributários, financeiros e creditícios avançaram de 3,02% para 4,24% do PIB – um comportamento puxado justamente pelos gastos tributários, elevados em resposta à crise financeira de 2008 e jamais retirados.

O ápice do período foi em 2015, primeiro ano do segundo mandato de Dilma Rousseff, quando eles alcançaram 6,65% do PIB. Lula 3, no entanto, já tem subsídios para chamar de seus. Não pode, portanto, dizer-se impressionado pelo resultado de suas próprias ações. A indústria automotiva receberá R$ 19 bilhões no enésimo programa, o Mover, lançado no ano passado a pretexto de estimular investimentos na descarbonização da frota.

Não seria justo atribuir toda a responsabilidade por essas ações ao Executivo. O Legislativo deu aval a muitas dessas medidas e, mais recentemente, passou a propor novos benefícios de autoria dos próprios parlamentares, como no caso do Perse, criado para ajudar o setor de eventos a se recuperar das perdas da pandemia de covid-19 e que, como todo programa temporário, já foi renovado.

À revelia do governo, o Congresso discute ampliar os limites de enquadramento no Simples para micro e pequenas empresas e microempreendedores individuais, já bastante generosos. Líder no ranking de renúncias, o programa deve chegar a quase 24% do total dos benefícios tributários deste ano, mas, ao longo do tempo, tornou-se praticamente intocável.

Manter o Simples e a Zona Franca de Manaus fora do alcance da reforma tributária foi parte da estratégia bem-sucedida do governo para garantir o avanço da proposta no Congresso. E, embora o Executivo tenha proposto a redução dos gastos com a desoneração da cesta básica, um programa sabidamente regressivo e que proporcionalmente beneficia os mais ricos, os parlamentares resistem à iniciativa.

Tentar reduzir os gastos tributários é mexer em vespeiro, como percebeu o ministro da Fazenda, Fernando Haddad, quando tentou acabar com a desoneração da folha de pagamento de 17 setores econômicos por meio de uma medida provisória. Antes dele, seus antecessores também tentaram impedir a prorrogação do benefício, sem sucesso. No governo Temer, a lista de beneficiários até foi bastante reduzida, mas para compensar o subsídio concedido ao diesel após a greve dos caminhoneiros.

É legítimo que os setores pleiteiem benefícios tributários para suas áreas. Cabe ao governo analisar as solicitações com profundidade, avaliar seus custos e benefícios, estabelecer objetivos e metas quantificáveis, monitorar sua execução e, sobretudo, estabelecer um prazo para que eles possam acabar.

Não basta, como Lula diz, estabelecer contrapartidas aos subsídios, como a criação ou manutenção de empregos. Enfrentá-los exige mais que discursos fáceis que não passam de tentativa de se livrar da premente necessidade de fazer um ajuste fiscal.

Israel precisa decidir

O Estado de S. Paulo

O Hamas está quase neutralizado, mas, sem uma alternativa séria em Gaza, voltará mais forte

A legitimidade da estratégia do premiê israelense, Benjamin Netanyahu, se decompõe a olhos vistos. “Estamos lutando em vários fronts”, disse à sua coalizão. Mas poderia estar descrevendo a si mesmo. A frustração de aliados se transmuta em animosidade. Rusgas com Washington, com membros de seu partido e de outros na coalizão são cada vez mais frequentes.

Nesta semana, seu adversário centrista Benny Gantz, que integrara o governo de emergência, renunciou à sua posição no gabinete de guerra ante a relutância de Netanyahu em apresentar um plano para o pós-guerra. Logo depois, o gabinete foi dissolvido, numa manobra de Netanyahu para se esquivar das reivindicações dos ortodoxos e ultranacionalistas, que sustentam o governo, de ter mais influência no comando para avançar suas ambições maximalistas.

O racha agora é com as Forças Armadas. A tensão cresceu por meses. Seu chefe, Herzi Halevi, admitiu sua parte da responsabilidade pelo fracasso no 7 de Outubro. Netanyahu nunca admitiu a sua e tenta transferi-la para os militares, que se frustram com suas manobras para manter a isenção do serviço militar dos ortodoxos.

Nesta semana, contrariando Netanyahu, os militares instituíram pausas num corredor para escoar suprimentos a Gaza. O porta-voz do Exército, Daniel Hagari, torpedeou a retórica de “vitória absoluta” do governo. Segundo ele, o Exército está próximo de derrotar o Hamas, mas “a ideia de que é possível destruir o Hamas, fazê-lo desaparecer, é jogar areia nos olhos da população”, disse. “Se não trouxermos alguma outra coisa para Gaza, no fim das contas, teremos o Hamas.”

Uma patada como essa é sem precedentes em Israel e expõe o tamanho da crise. “Os militares veem uma falta de estratégia geral, uma rusga crescente com os EUA e incitação contra seus comandantes”, disse o general da reserva Gaid Shamni.

Para não contrariar seus aliados extremistas, Netanyahu continua a dizer “não” a um cessar-fogo e um governo da Autoridade Palestina em Gaza, e “não” a uma ocupação permanente, para não desagradar aos EUA e à oposição. Mas, à medida que as Forças Armadas se aproximam da neutralização do Hamas, essa ambiguidade se prova insustentável.

Seu ministro da Defesa, Yoav Gallant, de seu partido, o Likud, tem vocalizado essa irritação. A relutância de Netanyahu, disse, está movendo Israel a dois resultados autodestrutivos: ou uma ocupação militar em Gaza ou o retorno do Hamas. “Pagaremos com sangue e muitas vítimas à toa, e com um preço econômico pesado.”

As justificativas de Netanyahu derretem, expondo sua intenção de perpetuar a guerra para sobreviver no poder e se furtar à prestação de contas pelo desastre no 7 de Outubro. O Exército está próximo de destruir as capacidades militares do Hamas. Mas sempre foi nonsense a parolagem sobre destruí-lo enquanto uma “ideia”. Essa ideia só existe em contraponto à agressividade israelense contra os palestinos, e voltará mais forte sem uma alternativa séria em Gaza. Se esse governo não é capaz de viabilizá-la, então é literalmente vital para Israel eleger outro.

Unanimidade do Copom deve ser valorizada

Correio Braziliense

Manter a taxa de juros foi uma forma de afastar temporariamente o temor de interferência do Executivo no Copom a partir de dezembro, quando acaba o mandato de Roberto Campos Neto

O Comitê de Política Monetária (Copom) do Banco Central (BC) interrompeu o ciclo de queda da taxa básica de juros, por unanimidade, depois de sete cortes. Manteve-se a taxa Selic em 10,5%. É uma das mais altas do mundo, porém, as razões para isso são de ordem objetiva: o desequilíbrio fiscal e um cenário internacional carregado de incertezas. O fato de o presidente Luiz Inácio Lula da Silva promover ataques sistemáticos ao BC — antes, durante e depois da reunião do Copom —, somente reforçou a importância da decisão tomada. 

Na reunião anterior, em maio, a intenção de reduzir o ritmo de corte da taxa de juros de 10,75% para 10,5% foi adotada por 5 a 4, com o voto a favor do presidente do BC. Essa votação poderia até ser considerada normal pelo mercado, em se tratando de um colegiado, não houvesse, à ocasião, uma nítida divisão entre os integrantes mais antigos do Copom, indicados pelo ex-presidente Jair Bolsonaro, a maioria, e os novos diretores alçados ao posto por Lula. Agora, a unanimidade fortaleceu a credibilidade do BC. 

Manter a taxa de juros foi uma forma de afastar temporariamente o temor de interferência do Executivo no Copom a partir de dezembro, quando acaba o mandato do atual presidente do BC, Roberto Campos Neto. Uma diretoria partidarizada, sob comando direto de Lula, seria um golpe de morte na autonomia da autoridade monetária e sua capacidade de manter o controle inflacionário por meio da política monetária. Lula acredita que o controle da inflação virá pela via do aumento da arrecadação, para alcançar o equilíbrio fiscal, e dos investimentos públicos, cujo objetivo seria acelerar o crescimento. 

 Essa é uma política que foi testada várias vezes ao longo da história e não deu certo. A última tentativa foi um desastre econômico e político para o país, porque nos levou à recessão econômica e à deposição da então presidente Dilma Rousseff. Não por acaso, o comunicado do Copom sinaliza outra direção, "destacando que o cenário global incerto e o cenário doméstico marcado por resiliência na atividade, elevação das projeções de inflação e expectativas desancoradas demandam maior cautela".

O impacto positivo da decisão refletiu imediatamente na queda dos juros futuros e na alta da Bolsa, mas as declarações de Lula contra a decisão voltaram a gerar turbulências no mercado, o que favoreceu a alta do dólar. Por mais que o presidente da República minimize esse efeito, o fato é que a moeda brasileira é a quarta a mais se desvalorizar no ano. 

A grande preocupação do Copom é com o mercado externo, muito instalável em razão das guerras em Ucrânia e Gaza, da aproximação das eleições nos EUA e do impacto dos eventos climáticos extremos nas economias. O que pode ser controlado são as variáveis internas da economia sob responsabilidade do governo, entre as quais as contas públicas. 

Se o governo não adotar uma política de controle de gastos, a demanda de produtos e serviços pressionará a inflação, além de expandir a dívida pública. Vem daí a causa da elevação dos juros futuros e do dólar, pois os investidores ficam inseguros e passam a operar com mais cautela. 

 Lula não pode ser um fator de instabilidade da economia, como a sua retórica atual sinaliza. Ele cria um nevoeiro no horizonte econômico ao afirmar que pretende indicar, para o lugar de Campos Neto, um substituto "maduro", impermeável às influências do mercado financeiro e que leve em conta o crescimento da economia, além da inflação. Por isso mesmo, a unanimidade do Copom é muito importante. Sinaliza que os quatro diretores já indicados pelo atual governo vão adotar critérios técnicos e manter autonomia do BC. 

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