Alta na letalidade policial em SP é preocupante
O Globo
Por décadas, o estado reduziu a criminalidade
e as violações da polícia. Não deve fugir desse padrão
Um ano após a polêmica Operação Escudo, na
Baixada Santista, o número de pessoas mortas pela polícia de São Paulo ainda
cresce. No final de julho de 2023, um policial da Rota, sigla de Rondas
Ostensivas Tobias de Aguiar, a tropa de elite da PM, foi morto no litoral
paulista. Nos 40 dias seguintes, 958 pessoas foram presas e 28 morreram. De lá
para cá, as mortes prosseguiram. No primeiro semestre, foram registradas 301 em
todo o estado, alta de 94% na comparação com o mesmo período do ano passado. A
letalidade policial voltou a níveis anteriores à expansão do uso de câmeras
corporais nos uniformes.
O fato deveria servir de alerta ao governador Tarcísio de Freitas (Republicanos). A mensagem de que é permitido aos policiais o descontrole do uso da força e as tentativas de barrar métodos de fiscalização correm o risco de elevar as acusações de crimes cometidos por agentes da lei e contaminar avanços na segurança pública duramente conquistados. Todo o país acompanha o que acontece em São Paulo.
Por duas décadas, sucessivos governos
investiram em profissionalização, tecnologia e estrutura de comando da polícia
paulista. “À medida que a letalidade policial caía para níveis comparáveis a de
cidades americanas, os índices de criminalidade também eram reduzidos”, diz o
presidente do Fórum Brasileiro de Segurança Pública (FBSP), Renato Sergio de
Lima.
Foi um longo percurso até chegar a uma taxa
de 1,1 morte decorrente de intervenções policiais por 100 mil habitantes (a do
Rio é 5,4, a do Amapá, a pior, 23,6). O mesmo caminho traçado por São Paulo
para se tornar o estado com menos mortes violentas intencionais do país.
O balanço do primeiro semestre confirmou a
tendência de queda da criminalidade no estado, com redução drástica no número
de roubos. Os registros de boletins de ocorrências por roubo de carga para o
período foram os menores desde 2003. Homicídios dolosos, furtos em geral e
roubo de veículos também caíram. O principal ponto negativo ficou por conta da
alta da letalidade policial.
Parece não ser coincidência que o aumento
tenha acontecido em período de mudança no controle do uso de câmeras. A partir
de 2021, a expansão do programa e o bom uso dos equipamentos provocaram queda
na violência policial.
“Havia uma pressão institucional para o cumprimento dos protocolos. Se o
policial não acionasse a câmera quando tinha de acionar, ou se usasse algum
subterfúgio para, por exemplo, drenar a energia da câmera e não filmar, era
punido”, disse ao GLOBO Daniel Edler, pesquisador do Núcleo de Estudos da
Violência da USP. A partir de 2023, as câmeras perderam protagonismo.
É evidente que toda força repressiva do
Estado deve estar sempre pronta para o confronto com criminosos. A polícia
paulista nunca foi acusada de ser relapsa nesse sentido. Uma situação muito
distinta é incentivar a ação violenta em um número indiscriminado de casos e
realizar operações marcadas por violações. Se letalidade policial fosse a
solução, Amapá e Bahia teriam os índices de segurança mais robustos do país.
Eles estão entre os piores.
Preservar privacidade e direito autoral no
meio digital deveria ser consenso
O Globo
Não há como justificar que uma empresa baseie
seu negócio no trabalho alheio sem pagar por ele
À medida que a tecnologia digital avança,
impulsionada por ferramentas da inteligência
artificial (IA), há tendência de agravamento nos choques entre
as autoridades e as grandes plataformas digitais, conhecidas como big techs.
Legitimamente, governos do mundo todo — inclusive do Brasil — têm fechado o
cerco regulatório sobre essas empresas em defesa de direitos individuais e
coletivos. Os principais são a privacidade, o direito autoral e a livre
concorrência.
Choques têm ocorrido com maior frequência
na União
Europeia (UE), onde a ação regulatória avançou bastante sobre
as big techs. Uma das últimas medidas, com base na Lei dos Mercados Digitais,
de 2022, foi contestar a decisão da Microsoft de
incluir no popular pacote Office a ferramenta de videoconferência Teams. No
entender das autoridades europeias, a empresa passou com isso a desfrutar
vantagem injusta sobre os concorrentes. O usuário, para poder baixar o Teams no
seu computador, obterá acesso às demais ferramentas do Office, como Word, Excel
e PowerPoint. Trata-se, dizem os reguladores, de vantagem fora do alcance dos
concorrentes Zoom e Slack.
A tentativa de alavancar o domínio sobre um
mercado para conquistar outro não é prática nova. A própria Microsoft entrou no
radar do Departamento de Justiça dos Estados Unidos (DOJ) nos anos 1990 por
usar sua posição dominante no mercado de sistemas operacionais, com o Windows,
para privilegiar seu navegador Explorer em detrimento do concorrente Netscape.
No final, fechou um acordo com o DOJ pelo qual passou a conceder licenças do
Windows aos concorrentes.
Toda vez que há um salto tecnológico, algumas
empresas se destacam e buscam posições monopolistas. De acordo com o
entendimento jurídico convencional nos Estados Unidos, os monopólios se tornam
problema apenas quando causam prejuízo ao consumidor (em geral, por meio de
preços abusivos). Na Europa, prevalece a visão segundo a qual, no universo
digital, eles devem ser coibidos também quando prejudicam a inovação, sufocando
concorrentes emergentes e inovadores. Aos poucos, esse entendimento se
consolida também nos Estados Unidos e noutros países.
Por mais que a regulação dos monopólios
digitais gere controvérsia, a proteção da privacidade e dos direitos autorais
deveria ser consensual. No Brasil, a Autoridade Nacional de Proteção de Dados
(ANDP) contestou a nova política de privacidade da Meta, dona de Facebook,
WhatsApp e Instagram,
que permite uso de informações e publicações dos usuários para treinar sistemas
de IA. Em represália, a Meta suspendeu essas ferramentas no Brasil. Repete-se o
que ocorreu no Canadá, quando foi aprovada a lei obrigando as plataformas a
remunerar as empresas de comunicação pelo uso de seus conteúdos, e a Meta
bloqueou links de notícias no Facebook e Instagram. É uma atitude sem sentido.
Não há como justificar que uma empresa baseie seu negócio no trabalho alheio
sem pagar por ele, nem que use informações de seus clientes sem autorização.
Mercados temem recessão e pressão no real
pode diminuir
Valor Econômico
A moeda brasileira tem sido muito penalizado, apesar de os fundamentos da economia não serem tão ruins
Os mercados financeiros estão surpresos e
pessimistas sobre o futuro. As indicações ansiosamente esperadas de que o Fed
finalmente reduzirá os juros provocaram euforia na quarta-feira - de nenhum
corte nas taxas, as projeções dos investidores passaram a indicar três até
dezembro. Na sexta-feira, a redução da oferta de empregos nos EUA muito aquém
da esperada - 114 mil ante 175 mil previstas - empurrou os ativos financeiros
para baixo nos dois lados do Atlântico. O real sofreu primeiro pela relutância
do Fed em cortar juros, diante da persistência da inflação, o que valoriza o
dólar, e agora pelo temor de recessão, que eleva os riscos de moedas emergentes
e induz à busca por proteção na moeda americana.
As duas tendências são contraditórias e uma
delas prevalecerá. O mais provável é que o Fed inicie o ciclo de redução dos
juros, seja porque a inflação caminha para a meta de 2%, seja porque o aperto
agora dá mostras de ser excessivo. O comunicado do Federal Reserve após a
reunião de quarta-feira já havia indicado a mudança de instância possível na
política monetária: a condição do mercado de trabalho passou a dominar as
atenções do banco, em detrimento dos riscos inflacionários, prevalecentes
antes. Em entrevista após a reunião do Fed, que decidiu manter os juros entre
5,25 e 5,5%, Jerome Powell, presidente do banco, deixou claro que o esfriamento
abrupto do mercado de trabalho seria um sinal indesejado.
A menor oferta de vagas elevou o desemprego
americano para 4,3%, limiar de uma regra que diz que acima desse nível a
economia rumará para a recessão. Há motivos para desconfiar disso. Um deles é
que o aumento do desemprego se deve mais à ampliação da força de trabalho, isto
é, ao maior número de pessoas que decidiram procurar emprego - cerca de 420
mil, segundo a consultoria Oxford Economics - em comparação às 352 mil que
foram dispensadas, 249 mil temporariamente.
Os dados negativos de emprego vêm
acompanhados por algum arrefecimento dos salários, pela contração da produção
industrial e pela diminuição do consumo. Eram efeitos esperados do mais rápido
e intenso aperto monetário em duas décadas, que, no entanto, e surpreendentemente,
demorou demais, na comparação com ciclos anteriores, para ocorrer. Não deveria
ser surpresa que em algum momento isso aconteceria, e o momento da guinada
parece ter chegado.
A economia americana acelerou, e não caiu, no
segundo trimestre, com crescimento de 2,8%, o dobro do 1,4% do primeiro. Os
desempenhos do mercado de trabalho e do consumo foram excepcionais até o início
deste ano, e a desaceleração, que parece preocupante, tem de ser relativizada.
É ela, aliás, que permitirá que o Fed, depois de muita hesitação, tenha
indicado, com pouco mais de assertividade, que está na hora de reduzir os
juros.
Há incertezas no horizonte, em especial
geopolíticas - eleições americanas, guerras no Oriente Médio e na Ucrânia, em
primeiro lugar. As mortes de importantes líderes do Hamas e do Hezbollah, até
em território iraniano, ampliaram as chances de um conflito generalizado entre
Israel e países árabes, mas não fizeram explodir o preço do petróleo - ao
contrário, caíram. A perspectiva de desaceleração global implica menor demanda
de óleo, que pode também não ocorrer. China, União Europeia e EUA terão
crescimento em linha com o esperado neste ano.
Incertezas predominam. Já havia
supervalorização das ações de tecnologia nas bolsas americanas, e ela começou a
desinflar. As sete principais ações, que compõem 30% do S&P 500, podem ter
começado a se ajustar para baixo, reduzindo o efeito riqueza dos consumidores
nos EUA (dois terços deles com dinheiro aplicado na bolsa), diminuindo o
consumo e, mais à frente, o crescimento. A dúvida é o grau de retração da
economia, e, embora uma recessão seja possível, a maior parte dos indicadores
não indica essa possibilidade até agora.
O real tem sido muito penalizado, apesar de
os fundamentos da economia não serem tão ruins. A fragilidade fiscal existe e
precisa ser resolvida, mas não é terminal nem imediata. Se a perspectiva de
corte de juros americanos se materializar, aliviará a pressão sobre a moeda
brasileira, seja porque o Fed concluiu que a inflação americana atingirá a
meta, seja porque quis evitar o risco de desaceleração forte. Em ambos os
casos, o dólar tende a perder força diante do real, aliviando a pressão
adicional sobre a inflação, que começa a ocorrer, como apontado no comunicado
do Copom.
A instabilidade dos mercados, sugerindo a necessidade de quedas mais fortes dos juros americanos, ou a sinalização do Fed, de relaxar a política monetária, se contrapõem à visão dos agentes domésticos de aumento da Selic. O fator externo, se os juros nos EUA começarem a cair, passará a ter menor peso, diante dos fatores domésticos, de consumo em alta, mercado de trabalho aquecido e política fiscal expansionista. Eles parecem mais fáceis de ser controlados do que disparadas cambiais. Apenas exigem uma política econômica sensata, a ser perseguida.
Que PEC de Bolsonaro não abra um precedente
Folha de S. Paulo
Decisão tardia do Supremo contra farra de
gastos em ano eleitoral pode contribuir para que expediente não se repita
É correta, ainda que tardia, a decisão do
Supremo Tribunal Federal pela inconstitucionalidade
de trechos da emenda constitucional 123, de 2022, posta em vigor
naquele ano pela chamada PEC Kamikaze, com claro objetivo de beneficiar a
candidatura de Jair
Bolsonaro (PL) à reeleição, afinal
frustrada.
Por 8 a 2, a corte derrubou trechos da PEC
—em especial o que estabeleceu estado de emergência com a espúria justificativa
do aumento do preço dos combustíveis por ocasião da Guerra da Ucrânia.
O texto também ampliou o Auxílio
Brasil, depois denominado novamente de Bolsa Família,
de R$ 400 para R$ 600 mensais, dobrou o valor do Auxílio Gás e criou vales de
R$ 1.000 para caminhoneiros e de R$ 200 para taxistas.
Todos esses benefícios, de vigência limitada
a 2022, tiveram
custo aproximado de R$ 40 bilhões. O pagamento teve início em
agosto, em desacordo com a legislação que proíbe a criação de benesses em ano
de eleição de modo a manter a lisura do pleito, sem vantagens indevidas ao
incumbente.
Foram vencidos os votos dos ministros André
Mendonça e Nunes Marques, que defenderam a perda de objeto ou improcedência da
ação de inconstitucionalidade protocolada pelo Partido Novo.
A decisão do STF não
tem efeitos práticos, mas, ao considerar a ação procedente e invalidar
parcialmente a emenda, a tese vencedora é oportuna, pois serve como
jurisprudência contra iniciativas dessa natureza no futuro.
Um dos legados nefastos da gestão de
Bolsonaro durante a pandemia foi a banalização do estado de emergência como
forma de driblar a legislação eleitoral. Evidência de que nem seus autores
acreditavam na medida, já prevista na lei, é a insistência numa emenda
constitucional —como se estivessem na busca de maiores garantias.
Além dos potenciais impactos políticos e dos
riscos para a democracia, o uso rotineiro desse artifício configura sério dano
para as contas públicas, pois são deixadas de lado as salvaguardas legais e as
cautelas dos órgãos de controle, ao menos durante a execução de despesas em
rito acelerado.
Ademais, o exemplo federal poderia se
multiplicar nos estados e municípios, ainda mais sujeitos ao perigo de
manipulação. Ao frear o mecanismo, a corte contribui para evitar danos maiores,
valoriza os dispositivos legais e reforça a responsabilidade fiscal.
O Congresso, infelizmente, falhou na
contenção da farra orçamentária, aprovada com apoio oportunista até dos
principais partidos de oposição. Espera-se que não tenha sido aberto um
precedente desastroso para os próximos anos eleitorais. Que a decisão do Supremo
contribua para isso.
A vez de Kamala
Folha de S. Paulo
Perto de ser formalizada, candidatura da vice
democrata muda o embate com Trump
Se ainda havia dúvidas de que a
vice-presidente dos Estados
Unidos, Kamala Harris,
seria a adversária do republicano Donald Trump na
eleição presidencial de novembro, todas foram dissipadas.
O Comitê Nacional Democrata anunciou na sexta
(2) que, em votação interna da legenda ainda em andamento, a
ex-senadora pela Califórnia conquistara maioria indiscutível. Kamala
deve ser aclamada em 17 de agosto, durante a convenção do partido em Chicago.
Desde que o
presidente Joe Biden se
retirou da disputa e a indicou, há duas semanas, a vice
disseminou entusiasmo nas bases democratas, recebeu imediato apoio de expoentes
do partido e trouxe recursos antes negados por tradicionais financiadores.
Dos US$ 310 milhões arrecadados em julho,
dois terços somaram-se depois de seu nome ter emergido.
A escolha de Kamala, 59, de imediato, desestruturou a estratégia eleitoral
adversária. Trump já não concorre mais com um alvo fácil de ser atropelado por
sua retórica de insultos e mentiras.
A fragilidade de Biden ficou patente no
debate de julho, quando seu mau desempenho reforçou preocupações gerais quanto
ao impacto de seus 81 anos em sua capacidade de ação e reação.
O republicano —não muito mais jovem, aos 78—
decerto manterá seu apelo, sobretudo quando atacar as posições mais claramente
liberais de Kamala em temas como imigração e aborto.
Mas haverá riscos, como o vazio em que recaiu
sua insinuação de que a oponente democrata —filha de um jamaicano e de uma
indiana— posicionara-se como negra apenas recentemente.
Já Kamala, tudo indica, pretende opor sua
experiência como senadora, promotora pública e procuradora-geral da Califórnia
à ficha criminal do republicano, que coleciona
processos e condenações.
"Ao longo da minha carreira, lidei com criminosos de todos os tipos. Predadores que abusaram de mulheres, fraudadores que roubaram consumidores, trapaceiros que quebraram as regras para seu próprio benefício. Então me ouçam quando eu digo: eu conheço o tipo de Donald Trump", discursou.
O Orçamento de um país sem futuro
O Estado de S. Paulo
Não se desenvolve um país em que o Orçamento
destina mais dinheiro para as emendas parlamentares, com ações de baixo impacto
e eficiência, do que para investimentos federais
Com o Orçamento cada vez mais comprimido por
despesas obrigatórias e a política arrecadatória da atual gestão em evidente
sinal de esgotamento, as emendas parlamentares caminham para superar os
recursos reservados aos investimentos. É difícil alcançar o tão esperado
crescimento sustentável do País quando falta clareza de prioridades na
aplicação do dinheiro público, diluído em ações de baixo impacto e eficiência e
poucos resultados em termos econômicos e sociais.
Os investimentos federais em projetos
estruturais previstos no Orçamento recuam, há anos, ao mesmo tempo que as
emendas parlamentares avançam. Decisões políticas do governo lulopetista
parecem, ainda, ignorar a realidade orçamentária ao subestimar despesas como os
benefícios sociais, amarrados ao salário mínimo que sobe acima da inflação.
Tem-se o estrangulamento progressivo do Orçamento, com redução de controle
sobre os recursos e o consequente risco de paralisia.
Enquanto isso, os ministros da Fazenda,
Fernando Haddad, e do Planejamento, Simone Tebet, vão enfrentando os desafios
de reafirmar algum compromisso com a responsabilidade fiscal. Depois de muitas
bravatas de Lula em defesa de sua fúria perdulária, R$ 15 bilhões foram
congelados. A equipe econômica age assim para não estourar o limite de despesas
e cumprir a meta fiscal deste ano, com o objetivo de equilibrar gastos e
receitas.
Para que a meta fiscal seja alcançada, mesmo
aquém da promessa de zerar o déficit – há previsão de rombo de R$ 28,8 bilhões
dentro do limite do arcabouço fiscal –, sacrifícios se impõem a toda a
Esplanada. Saúde, Cidades, Transportes e Educação são as pastas mais afetadas,
o que expõe o drama e o impacto da tesourada. Mas nem mesmo a escassez de
dinheiro público, ao que tudo indica, será capaz de impedir que a execução de
emendas parlamentares atinja um novo recorde.
Essas verbas chegarão a R$ 47,9 bilhões em
2024, apesar do congelamento de R$ 1,1 bilhão das emendas de comissão, que não
são impositivas, e de R$ 153,6 milhões das emendas de bancada, que em algum
momento terão de ser liberadas. Do total, o governo já empenhou R$ 37,5 bilhões
antes do período restritivo imposto pela lei eleitoral. Essa decisão que afagou
o Congresso, com o qual Lula convive de maneira errática, poupou deputados e
senadores de darem uma cota maior de contribuição com o País nesse acerto das
contas públicas, ao passo que diminuiu a capacidade de planejamento do
Executivo e drenou os recursos discricionários de cada um dos ministérios.
Com isso, a reserva de R$ 54,8 bilhões de
investimentos sob o controle do governo federal previsto no Orçamento deste
ano, em razão da contenção nos gastos, vai encolher. Só na vitrine do
lulopetismo, o Programa de Aceleração do Crescimento (PAC), são R$ 4,5 bilhões
congelados. E o volume bilionário destinado a deputados e senadores, como se os
parlamentares fossem centenas de ministérios com dotação orçamentária própria e
pulverizada, preocupa. Como afirmou ao Estadão o economista Felipe
Salto, não tem sentido a rubrica das emendas superar a de investimentos do
Executivo, “que pela Constituição tem a iniciativa do Orçamento”. A ordem
recente do ministro Flávio Dino, do Supremo Tribunal Federal (STF), que exige
transparência nas emendas, pode frear a liberação de recursos, mas a ver se
será cumprida.
O instrumento das emendas parlamentares faz
parte das regras democráticas, mas, quando fora de controle e usado sem
qualquer transparência – como ocorrem com as emendas “Pix” que abastecem cofres
de municípios e Estados, sem um projeto e uma destinação específica do dinheiro
público, e os restos ainda a pagar do orçamento secreto, ambas práticas
reveladas pelo Estadão –, tende a desequilibrar as relações de força
entre os Poderes, mas o Executivo tampouco pode atribuir-se um papel de vítima
nesse jogo. Esse consórcio do governo com o Congresso na liberação de emendas
desnuda como escolhas políticas atravancam o crescimento do País e expõe a
falta de um projeto que vá além do horizonte eleitoral e dos interesses
paroquiais.
China vive crise de identidade econômica
O Estado de S. Paulo
Plenário econômico do PCCh até diagnosticou
as debilidades no mercado de trabalho e no mercado imobiliário. Mas a
geopolítica de Xi Jinping interfere na escolha dos remédios
Em meados de julho, os membros do Comitê
Central do Partido Comunista da China (PCCh) se reuniram para o terceiro de
sete plenários tradicionalmente realizados durante o seu mandato quinquenal.
Historicamente, o chamado “Terceiro Plenário” se dedica à economia, e havia
grande expectativa para o encontro de 2024, dadas as dificuldades econômicas
enfrentadas pelo país. Analistas se acostumaram a discernir entre as palavras e
as ações a verdadeira intenção do Partido. A resolução deste ano – “Aprofundar
as Reformas Abrangentes para Avançar a Modernização Chinesa” – enfatizou
slogans como “reforma e abertura” e “estilo chinês de modernização”, ecoando as
medidas liberalizantes promovidas por Deng Xiaoping a partir dos anos 80, mas
está longe de ser claro que o líder do Partido, Xi Jinping, resgatará o
espírito dessas reformas, e não o contrário.
Formou-se hoje em dia um consenso no Ocidente
de que a China é uma superpotência econômica em ascensão e que inexoravelmente
se tornará a principal economia do mundo. Muitos políticos e economistas
sugerem que o caminho para as democracias liberais é emular as políticas
mercantilistas e intervencionistas chinesas. Mas essas ideias se baseiam numa
narrativa unívoca e simplista.
A economia da China de Mao Tsé-tung era
pesadamente centralizada, com pouco comércio exterior. As reformas de Deng
eliminaram os coletivos agrícolas, introduziram fazendas privadas, aboliram o
monopólio do Estado em comércio internacional e, gradativamente, permitiram a
introdução de investimentos estrangeiros e reduziram barreiras comerciais.
Entre 1980 e 2010, a liberalização econômica tirou mais de 800 milhões da
pobreza e melhorou dramaticamente a qualidade de vida dos cidadãos. Mas hoje o
país enfrenta problemas de curto e longo prazos.
Desde 2012, Xi passou a reorientar a economia
numa direção iliberal. O setor de tecnologia se desacelerou e a antipatia
generalizada pelo setor privado abastece o desemprego. As políticas industriais
intensificaram tensões geopolíticas e conflitos comerciais, muitas vezes
oferecendo pretextos a políticos ocidentais para promoverem suas próprias
intervenções. O setor imobiliário está hiperinflacionado e as incorporadoras
não estão conseguindo entregar as residências prometidas a uma classe média com
dificuldades de quitar seus financiamentos. Os governos locais,
tradicionalmente financiados pela venda de terras, sofrem com orçamentos
apertados.
A longo prazo, o rápido envelhecimento
populacional ameaça a produção econômica e a inovação, e pressiona os serviços
públicos. Muitos jovens talentos, frustrados com as restrições políticas e
econômicas, estão buscando oportunidades fora. A produtividade não está se
expandindo no mesmo ritmo do passado. Sob Xi, a participação das empresas
estatais aumentou, mas, segundo o FMI, elas são 20% menos produtivas que suas
contrapartes na iniciativa privada.
Nesse contexto, a Terceira Plenária soa como
uma oportunidade perdida. Ela persiste no papel do Estado para estimular o lado
da “oferta”, mas deu poucas indicações substanciais de como revitalizar a
“demanda” de empreendedores e famílias. O comunicado faz promessas de aumentar
a fatia da renda familiar no PIB, subsidiar filhos, aumentar gradualmente as
aposentadorias e gastos sociais a fim de gerar espaço entre as famílias para o
consumo doméstico, ou moderar as regulações sobre empreendimentos privados. Mas
há pouca concretude sobre como o Partido fará isso. Mais importante, o
histórico recente das políticas econômicas chinesas não permite muita confiança
de que queira fazê-lo.
O Plenário foi rico em retórica (sobretudo
para exaltar o comando de Xi), mas fraco em substância. Falta uma estratégia
clara para revigorar as duas áreas mais debilitadas da economia chinesa: o
mercado imobiliário e o mercado de trabalho. Um resgate das reformas de mercado
do passado seriam um primeiro passo para o crescimento econômico futuro. Mas as
obsessões geopolíticas de Xi parecem arrastar a economia para um passado mais
distante: o de Mao Tsé-tung.
O valor do petróleo
O Estado de S. Paulo
Pela primeira vez, o demonizado petróleo
lidera a pauta do comércio exterior brasileiro
Pela primeira vez na história do comércio
exterior brasileiro, o petróleo assumirá neste ano a liderança da pauta de
exportações do Brasil, com um montante de US$ 50,612 bilhões. É o que afirma o
mais recente relatório da Associação de Comércio Exterior do Brasil (AEB), com
projeções para a balança comercial brasileira.
Essa novidade amplia os dilemas de um país
que precisa realizar a transição energética definitiva para fontes limpas,
superando os combustíveis fósseis, ao mesmo tempo que o petróleo adquire
substancial relevância comercial para o Brasil. Ao fim e ao cabo, não se pode
ignorar que a demanda por petróleo no mundo continuará forte nos próximos anos
e que o Brasil aparece em boa condição para participar ativamente desse
mercado. Não fazê-lo seria rasgar dinheiro – que será necessário para financiar
a caríssima transição energética.
Entre os fatores internos que explicam a
ascensão do petróleo está o aumento da produção, com contribuição relevante do
pré-sal, que já responde por 80% do total extraído. Com produção de 3,4 milhões
de barris (dados de 2023), o Brasil é o oitavo maior produtor de petróleo do
mundo, ficando à frente dos Emirados Árabes Unidos e do Kuwait, segundo ranking
elaborado pela Energy Information Administration (EIA, na sigla em inglês).
Externamente, o País tem ampliado o leque de
destinos, que até a pandemia era praticamente limitado à China (64% em 2019,
pelos dados da Funcex). O novo contexto geopolítico e as sanções à Rússia após
a invasão da Ucrânia abriram novos mercados ao petróleo brasileiro. De 2019 a
2023, as vendas saltaram de US$ 24,2 bilhões para US$ 42,5 bilhões. Enquanto as
exportações para a China cresceram 28%, para outras economias o aumento foi de
60%, de acordo com a AEB.
Esses números demonstram que o País está
vivendo um momento particularmente promissor no comércio mundial de petróleo. E
mesmo com o pré-sal dando os primeiros sinais de que a fase de declínio das
reservas se aproxima, a produção deve crescer em torno de 6% este ano e
continuar com bons resultados até por volta de 2030. A partir daí, começam as
dúvidas. Por isso, adiar a decisão sobre explorar a nova fronteira da Margem
Equatorial significa um enorme desperdício.
Recentes declarações do presidente Lula da
Silva indicam que o governo já tomou a decisão política de explorar as bacias
marítimas que se estendem do Amapá ao Rio Grande do Norte. A diretora de
Exploração e Produção da Petrobras, Sylvia Anjos, revelou que será proposto, no
Conselho Nacional de Pesquisa Energética (CNPE), que a Petrobras participe do
combate ao desmatamento e às queimadas na Amazônia como compensação à atuação
exploratória.
O petróleo sempre figurou entre os principais produtos de exportação do Brasil, mas nunca ocupou a primeira colocação, reservada às commodities agrícolas, como a soja, que, após o recorde histórico do ano passado, devem recuar este ano. A importância econômica e o momento ímpar, interno e externo, pedem agilidade na tomada de decisão – afinal, reservas estimadas em até 30 bilhões de barris esperam na Margem Equatorial.
Crimes do real para o virtual
Correio Braziliense
O aparato de medidas para proteção e
ressarcimento das vítimas vem crescendo, mas a realidade das infrações
cibernéticas não permite descanso
Uma mudança significativa na estrutura dos
crimes contra o patrimônio vem sendo observada no Brasil. Nos últimos anos, as
estatísticas apontam que a criminalidade tem abandonado as ruas e vem ocupando
cada vez mais a internet. A incidência de delitos virtuais — aqueles aplicados
por meio da web e que envolvem o uso de equipamentos eletrônicos — é percebida
pelos cidadãos e pelas autoridades.
Segundo o Anuário de Segurança Pública de
2024, ocorre um golpe a cada 16 segundos no país. O levantamento mostra o
aumento de 8,2% nos estelionatos, totalizando 1.965.353 registros desse delito
somente em 2023. Em muitos desses casos, a porta de entrada para a ação dos
fraudadores é o celular. Uma gama de ataques chega diariamente aos aparelhos
dos brasileiros, tirando o sossego e exigindo atenção constante.
As ocorrências também afetam o modo de
prevenção por parte dos órgãos de segurança, uma vez que esse tipo de crime não
se combate com policiamento ostensivo, mas com um trabalho de investigação
detalhado e contínuo. Extorsão, fraudes, apropriação de dados, golpes
sentimentais, assédio, violência psicológica e perseguição são algumas das
modalidades praticadas on-line.
A modificação de operação da bandidagem
escancara que é preciso investir em inteligência, oferecendo aos agentes
policiais os meios necessários para esse enfrentamento. Estabelecer uma
capacidade adequada de investigação para que os ataques não ocorram - e quando
forem feitos sejam identificados e punidos é fundamental. Esse é um desafio que
deve ser encarado de maneira ampla, mobilizando diversos setores da sociedade.
O caminho precisa partir da conscientização e chegar à identificação e
responsabilização dos golpistas.
A legislação e as ações de prevenção têm de
se adaptar ao mundo virtual. O aparato de medidas para proteção e ressarcimento
das vítimas vem crescendo, mas a realidade das infrações cibernéticas não
permite descanso. A eficiência na abordagem da criminalidade digital é ponto
urgente para barrar o avanço das ocorrências. A ameaça crescente para a
segurança digital e a integridade das informações pessoais, empresariais e de
organizações é uma questão a ser vencida.
A amplitude dos ataques, que ultrapassam
fronteiras, é um dificultador. Diante disso, os agentes de segurança precisam
dialogar e manter uma conexão permanente. O investimento em capacitação e a
disponibilização de recursos para as forças policiais e órgãos judiciais são
urgentes. De outra forma fica praticamente impossível lidar de maneira
eficiente com essa quantidade de delitos.
No Brasil, a Política Nacional de
Cibersegurança (PNCiber) busca abranger uma série de necessidades apontadas por
diferentes instituições e especialistas para melhorar a governança sobre a
temática, propondo a implantação do que existe de mais moderno na luta contra
esses crimes. A participação de todos os segmentos sociais é primordial para
que as discussões e decisões contemplem o respeito à manifestação e privacidade
no meio virtual.
Os crimes na internet representam um risco significativo para a segurança digital. O combate eficaz requer uma abordagem vasta e que inclua medidas legislativas, judiciais e de cooperação da população. O Brasil precisa se fortalecer diante dessa realidade para proteger os indivíduos e as instituições contra os ataques digitais, que estão cada vez mais sofisticados.
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