segunda-feira, 5 de agosto de 2024

Simon Johnson* - Como criar mais empregos de qualidade

Valor Econômico

EUA, Reino Unido, França e vários outros países europeus precisam urgentemente fazer investimentos estratégicos em tecnologias-chave e manter-se à frente de concorrentes geopolíticos cada vez mais agressivos

Em muitos países, a inovação e os bons empregos têm ficado cada vez mais concentrados em poucos lugares. Algumas grandes cidades têm se saído bem, mas muitas regiões se sentem deixadas para trás. Nos Estados Unidos, no Reino Unido, em muitos lugares da Europa e em cada vez mais partes do mundo, descobrir como resolver essas disparidades se tornou uma questão crucial.

Desde, pelo menos, a crise financeira mundial de 2008, a frustração generalizada com a estagnação das perspectivas econômicas tem alimentado formas cada vez mais perigosas de raiva em países desenvolvidos. Com demasiada frequência, isso tem levado a políticas econômicas autodestrutivas, como o Brexit ou a promessa de Donald Trump de capturar e deportar dos EUA todos os imigrantes não autorizados - uma medida que, de imediato, reduziria a força de trabalho americana em cerca de 5% e provavelmente faria toda a economia do país ter uma retração do mesmo tamanho.

Existe, porém, uma maneira inteiramente positiva de avançar, como demonstrado pela Lei da Ciência e Chips, de 2022, que superou uma tática de obstrução no Senado dos EUA (a exigência de uma maioria de três quintos para todas os projetos de lei) e foi aprovada por uma votação de 64 a 33 (incluindo 17 republicanos). A lei autorizou o aumento do auxílio federal à pesquisa e à ciência, com o objetivo de apoiar inovações em uma ampla gama de setores. De forma crucial, também propôs distribuir esse auxílio por todo o país, com o objetivo de criar centros tecnológicos da próxima geração.

A inovação normalmente envolve avanços tecnológicos e, ao longo do século passado, os maiores deles - como o radar, microeletrônica, satélites, internet e biotecnologia - tiveram efeitos profundos na economia como um todo. No entanto, como Jonathan Gruber e eu explicamos em nosso livro de 2019, "Jump-Starting America" (Como fazer os EUA arrancarem, em inglês), justamente pelo impacto ser tão generalizado, nenhuma empresa ou investidor individual ganha isoladamente os benefícios totais (incluindo os grandes efeitos secundários frequentemente não previstos).

Além disso, sempre é difícil quantificar o retorno financeiro exato de avanços transformacionais. Em consequência, o investimento de capital de risco e as empresas bem estabelecidas no mercado preferem evitar os riscos inerentes à ciência básica, às aplicações iniciais e à expansão em mercados de tamanho desconhecido.

Hoje, por exemplo, ninguém contesta a importância e o potencial avassalador da computação quântica, mas a hesitação do setor privado dos EUA em investir representa uma grande limitação - e cria o grande risco de que outros atores geopolíticos venham a superar a atual vantagem dos EUA. Ou pense na biomanufatura (uso de materiais biológicos para fabricar todos os tipos de produtos), cujos conceitos básicos já estão muito bem estabelecidos. Neste front, o setor privado também não está disposto a financiar a expansão. E na manufatura avançada (que em geral se refere a formas digitais de controle de máquinas, aplicadas a muitos processos industriais), pequenas e médias empresas encontram dificuldades para encontrar e adotar versões locais do que precisariam para dar os próximos passos.

EUA, Reino Unido, França e vários outros países europeus precisam urgentemente fazer investimentos estratégicos em tecnologias-chave, criar mais bons empregos e manter-se à frente de concorrentes geopolíticos cada vez mais agressivos. Sem dúvida, se outros países estão correndo para tentar inventar o futuro, isso aumenta a pressão sobre qualquer país para que também se mexa rápido, e isso costuma ser positivo, em particular em termos de criação de empregos. Desde que estejamos inventando coisas úteis - e não bens socialmente prejudiciais como tabaco, 'junk food" e publicidade digital -, uma maior competição para inventar mais provavelmente desencadearia uma corrida em que todos avançariam.

Invista em ciência, facilite o comércio da tecnologia que resulta dela e torne fácil para as pessoas criarem empresas onde o produto foi inventado. É preciso mais financiamento e mais mentalidade estratégica porque sempre haverá novas tecnologias no horizonte

Durante a fase de implementação da Lei da Ciência e Chips, a Agência de Desenvolvimento Econômico dos EUA (EDA, na sigla em inglês) designou 31 Centros Tecnológicos em 32 Estados e em Porto Rico. No início de julho, a EDA anunciou US$ 504 milhões em financiamento para 12 Centros Regionais de Tecnologia e Inovação, "para acelerar o crescimento de indústrias inovadoras".

Será que todos esses centros terão sucesso? Talvez não: afinal, buscar a inovação genuína envolve riscos reais. Além disso, o financiamento garantido até agora quase certamente não é suficiente para ter um impacto significativo. Ainda assim, a grande notícia é que quase todas as partes do país querem participar - apenas quatro Estados não ganharam pelo menos uma Concessão de Desenvolvimento de Estratégia.

Nas palavras da senadora Maria Cantwell, de Washington, presidente da Comissão de Comércio, Ciência e Transporte do Senado, a respeito da Lei da Ciência e Chips: “Não sabemos exatamente quais inovações sairão disso, mas sabemos o seguinte: os EUA serão mais competitivos por causa disso. E [...] seremos capazes de expandir nossa economia para o futuro, por causa dos investimentos que fizermos hoje.”

Se você quer mais bons empregos, invista em ciência, facilite a comercialização da tecnologia que resulta dela e torne fácil para as pessoas criarem empresas onde o produto foi inventado. É preciso mais financiamento e mais mentalidade estratégica, em parte porque sempre haverá novas tecnologias no horizonte. Mas a Lei da Ciência e Chips deu um grande passo construtivo à frente, e outros países deveriam tomar nota. (Tradução de Sabino Ahumada)

*Simon Johnson, ex-economista-chefe do Fundo Monetário Internacional (FMI), é professor da Escola de Administração Sloan, do MIT. É coautor, com Daron Acemoglu, de “Poder e Progresso - Uma Luta de Mil Anos entre a Tecnologia e a Prosperidade”. Copyright: Project Syndicate, 2024.

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