Correio Braziliense
Presenciamos uma tragédia da esquerda na
América Latina, que vive ainda no tempo em que Che Guevara tentava fazer a
revolução nas selvas da Bolívia. É uma perda de tempo e de oportunidades sem
tamanho
O homem é o homem mais suas circunstâncias,
de acordo com Ortega y Gasset, pensador espanhol. As instituições também são
confrontadas por suas circunstâncias. O Partido dos Trabalhadores (PT), criado
em São Paulo, nos anos 1980 do século passado, por líderes metalúrgicos com
apoio explícito de uma ala da Igreja Católica, sempre se distinguiu por assumir
uma postura de esquerda, mas conviver bem com empresários. Afinal,
trabalhadores e patrões precisam conversar e negociar, mesmo que seja sob
pressão de greves. O PT tentou fugir do antigo modelo getulista de aderir ao
governo e dizer amém ao presidente.
Mas sua trajetória foi marcada por erros, que se inscreveram para sempre na sua história. O comando expulsou os deputados que assinaram a Constituição de 1988, considerada demasiadamente burguesa. O partido virou as costas para o símbolo maior da redemocratização do país. Depois, decidiu não aderir ao Plano Real, reduzido, segundo seus exegetas, a mero expediente para influir nas eleições presidenciais. Na realidade, foi esse plano econômico que liquidou a hiperinflação no país. Os jovens não sabem o que é hiperinflação, fenômeno que obrigava o consumidor a gastar seu salário quando o recebia. Os preços aumentavam todos os dias.
É do conhecimento daqueles que acompanham a
política brasileira que lideranças do PT não gostam de cumprir acordos. Quando
está em posição hegemônica, o partido costuma avançar sobre outras legendas,
sem hesitações. Mas em termos de política externa, recentemente, anunciou
aproximação com o Partido Comunista Chinês, o que parecia ser uma abertura para
que o Brasil caminhasse para um capitalismo controlado, que deu resultados
extremamente positivos no Império do Meio. Mas os petistas têm seus limites e seus
paradoxos. Acabam de declarar apoio ao presidente Nicolás Maduro, que venceu as
eleições na Venezuela por meio de um golpe anunciado. Fraude por todos os
lados. Prisões de mais de mil pessoas, desaparecimento de líderes e
falsificação de documentos eleitorais. Na revolta popular, morreram mais de 20
pessoas.
Mas o PT vai a público para avalizar que o
pleito foi legítimo, ocorrido em ambiente de liberdade. Maduro, segundo o
Partido dos Trabalhadores, é o presidente de uma Venezuela democrática. A
declaração está de acordo com os pontos de vista dos governos de China, Rússia,
Cuba, Irã e Coreia do Norte. O governo de Caracas rompeu relações com a
Argentina e com o Peru, além de retirar embaixadores de outros cinco países
latino-americanos. A Embaixada do Brasil passou a representar os negócios
argentinos e peruanos na Venezuela. A política externa dá muitas voltas e
coloca antagônicos — no caso, Brasil e Argentina — no mesmo lado. Os
norte-americanos reconheceram a vitória do opositor Edmundo González Urrutia.
O presidente Lula tentou não favorecer, nem
prejudicar, o homem forte da Venezuela, que é apoiado de maneira ostensiva
pelos chefes militares. Maduro não tem ideologia, nem chega a ser um líder da
esquerda latino-americana. Ele é apenas mais um ditador que faz manobras
pequenas, rasas, para se manter no poder. Ação semelhante faz Daniel Ortega, na
Nicarágua, que foi de esquerda, assumiu o governo com discurso inflamado e se
mantém no poder prendendo opositores. É uma esquerda retórica. Só existe nos
discursos e nas declarações oficiais. Na prática, são simples ditaduras.
É a tragédia da esquerda na América Latina,
que vive ainda no tempo em que Che Guevara tentava fazer a revolução nas selvas
da Bolívia. Muitas águas passaram debaixo das pontes da história. O muro de
Berlim caiu, a União Soviética desapareceu, a China inventou o capitalismo
comunista, mas as esquerdas nacionais continuam a repetir velhos slogans. São
incapazes de olhar para o horizonte sem os antolhos da ideologia. É uma perda
de tempo e de oportunidades sem tamanho.
O presidente Lula sabe que seu governo não
dispõe de recursos financeiros necessários para promover o desenvolvimento. Mas
não recorre a privatizações de empresas, nem promove ações que permitam
estrangeiros fazer investimentos no Brasil. Ao contrário, prefere ampliar o
poder do Estado, bem ao estilo dos falecidos governos comunistas do leste
europeu. As oportunidades passam, e o país perde chances importantes.
A pobre Guiana, antiga Guiana inglesa, não se
prendeu a discussões estéreis. Começou a explorar petróleo na sua margem
equatorial. Agora, é o país que tem o maior crescimento de seu produto interno
bruto (PIB), cerca de 33,9% neste ano. Essa maravilha se localiza na fronteira
norte. Mas o governo discute se pode ou não explorar petróleo naquela região.
Esquece que o negócio resgataria a população de sua pobreza secular e do
esquecimento a que foi relegada pelo poder central desde que inventaram o
Brasil.
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