quarta-feira, 23 de outubro de 2024

O que a mídia pensa | Editoriais / Opiniões

Senadores precisam tirar exceções do PL dos Supersalários

O Globo

Texto que voltou da Câmara mantém privilégios que permitem à elite do funcionalismo ganhar acima do teto

Os supersalários do setor público sempre aparecem como alvo quando há necessidade de conter despesas do governo. Voltaram à tona agora que os ministérios da Fazenda e do Planejamento preparam um programa de controle de gastos públicos. Pela estimativa do governo, a aprovação do Projeto de Lei dos Supersalários traria economia anual de até R$ 5 bilhões, contribuindo para o cumprimento da meta fiscal. A dificuldade, como costuma acontecer, está nos detalhes. Se aprovado pelo Senado na forma atual, o PL corre o risco de agravar o problema que se propõe a resolver.

É mais que meritório o objetivo de reduzir os penduricalhos que permitem à elite do funcionalismo usufruir privilégios inadmissíveis. Mas a pressão das categorias influentes dos servidores tem conseguido desvirtuar a intenção do projeto. Aprovado pelo Senado, ele foi desfigurado na Câmara dos Deputados, que incluiu no texto 32 exceções permitindo furar o teto salarial — da conversão em dinheiro de férias não gozadas de juízes e procuradores aos adicionais noturnos de funcionários do Congresso; das verbas de representação dos diplomatas a isenções e compensações de militares. O alerta foi dado pelo economista Bruno Carazza, autor do livro “O país dos privilégios — os novos e velhos donos do poder”, em sua coluna no jornal Valor Econômico.

Em maio, uma nota técnica elaborada pelo economista Daniel Duque para o Centro de Liderança Pública (CLP) estimou que, em razão de inúmeros penduricalhos e verbas indenizatórias, uma elite de 17 mil servidores tem renda média acima do teto constitucional, hoje fixado em em R$ 44.008,52 mensais (salário dos ministros do Supremo Tribunal Federal). Desses, dizia a nota, 7 mil recebem todo mês mais que o teto, e quase 170 mil já o furaram em pelo menos um mês. A maioria, de acordo com a análise, está concentrada no Judiciário, no Ministério Público e no Legislativo. Vem daí a projeção do governo de economizar até R$ 5 bilhões com a aprovação do PL.

Carazza, mesmo reconhecendo o mérito da nota ao apresentar um cálculo aproximado do custo dos supersalários, considera as estimativas de redução de gastos do CLP “um retrato apenas parcial da realidade”. Duque fez suas contas com base na Relação Anual de Indicadores Sociais (Rais) e na Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios (Pnad), do IBGE. “Por serem levantamentos declaratórios ou amostrais, não retratam fielmente a realidade das folhas de pagamento de cada órgão público”, diz Carazza. Para isso, segundo ele, é preciso ter acesso às informações dos contracheques, disponíveis nos portais de transparência — mais acessíveis na esfera federal que na estadual ou na municipal.

Para seu livro, Carazza usou dados das folhas de pagamento de todos os tribunais do país, levantados pelo Conselho Nacional de Justiça (CNJ). Calculou que, no ano passado, 93% dos magistrados brasileiros receberam mais que os ministros do Supremo, uma despesa adicional que ultrapassou R$ 8 bilhões. Pelo menos 1.002 juízes ganharam, líquido, mais de R$ 1 milhão por ano (mais de R$ 83 mil por mês). Entre os procuradores, segundo seus cálculos, 91,5% ganharam acima do teto. Ao todo, ele avalia em mais de R$ 20 bilhões a despesa de todas as esferas de governo com estouros do teto.

O PL voltou para apreciação dos senadores. Eles devem, no mínimo, restabelecer a versão original da proposta.

Para FMI, é hora de ajuste fiscal e avanço das reformas

Valor Econômico

Esta é uma tarefa na qual o governo brasileiro já deveria estar empenhado

A economia global venceu o maior pico inflacionário em décadas e caminha para um pouso suave, avalia o Fundo Monetário Internacional no relatório “Panorama Econômico Mundial”. Apesar disso, há vários riscos no horizonte, e o crescimento mundial nos próximos cinco anos será mediano e abaixo da média dos 19 anos do século até a pandemia. No caso de países emergentes, como o Brasil, as expectativas de expansão são ainda mais fracas do que antes da irrupção da covid-19. O PIB mundial avançará 3,2% ou ao redor disso até 2029.

“Derrubar a inflação sem uma recessão global é uma grande conquista”, afirmou o economista-chefe do FMI, Pierre-Olivier Gourinchas. Mas o balanço de riscos globais continua pendendo para o lado negativo. Por um lado, a política monetária não foi afrouxada o suficiente em muitos países avançados e emergentes relevantes porque o núcleo da inflação (4,2% na média global) ainda é 50% superior ao do período pré-pandemia. A inflação de serviços permanece alta e mantém os bancos centrais na defensiva, com juros ainda contracionistas, aumentando o déficit público em um momento em que o endividamento é alto. No Brasil, os serviços conduzem um repique da inflação, induzindo um novo ciclo de alta de juros.

Um dos riscos que podem se materializar é o de que o aperto monetário já realizado tenha sido mais forte do que o necessário, e a flexibilização se afigurar mais lenta, dada a resistência à queda da inflação na reta final. A economia continuaria a ser freada pela política monetária, contrariando expectativas e motivando uma rodada de reavaliação dos preços dos ativos que poderá não ser ordenada.

Outro risco é o de uma contração maior que a prevista da economia chinesa, com a persistência da crise imobiliária e um aprofundamento da desconfiança do consumidor, que tem se refletido na redução do crescimento. O FMI prevê avanço de 4,8% do PIB neste ano e de 4,5% em 2025, diferença marginal em relação aos planos de Xi Jinping de manter um ritmo de 5% anual.

Choques climáticos e tensões geopolíticas podem fazer disparar novamente os preços das commodities, trazendo dificuldades aos bancos centrais, que se veriam às voltas com um crescimento econômico menor e maior pressão inflacionária. O cenário básico do FMI para petróleo e demais commodities é de queda de 3,8% em 2025, com as carnes com redução maior (5,2% neste ano, 4,5% no próximo).

Uma ameaça nesse sentido é a eleição de Donald Trump (não nomeado no relatório), que prometeu elevar em 10% as tarifas sobre todos os produtos importados e 60% sobre produtos vindos da China. Em cenário avaliado pelo FMI, essa medida seria seguida de tarifas retaliatórias de 10% aplicadas por China e Europa sobre mercadorias dos EUA. Essa guerra atingiria um quarto de todo o comércio de mercadorias e 6% do PIB mundial. Nessas circunstâncias, o PIB americano declinaria 0,4% em 2025 e 0,6% em 2026, e o PIB mundial, 0,3% nesse ano.

Os efeitos de uma fragmentação global, resultado da disputa entre EUA e China, serão amplos. Por enquanto, não afetaram significativamente o comércio mundial, mas sua direção: ele aumentou entre países que estão no bloco americano e nos que têm proximidade comercial com a China, e diminuiu entre os dois blocos. Mas se o cisma continuar a se desenvolver ele poderá reduzir a estabilidade das cadeias globais de suprimento, aumentar custos, perturbar os fluxos de capital internacionais, diminuir a transferência de conhecimento entre países emergentes e avançados e, o que não é menos relevante, trazer um maior custo econômico à transição verde.

O relatório, em seu cenário básico, estima que os juros na zona do euro vão parar de cair em junho de 2025, chegando então a 2,5%. A dívida dos países do bloco monetário já se estabilizará em 2024, em 88% do PIB. Os Estados Unidos reduzirão juros até 2,9% só no terceiro trimestre de 2026. O déficit americano (6,1% do PIB) não declinaria e o endividamento atingirá 134% do PIB em 2029.

O Fundo prevê que o Brasil crescerá 3% este ano e 2,2% em 2025, uma desaceleração que será provocada pela política monetária restritiva. As projeções de inflação da instituição são de 4,6% para 2024 e 3,6% em 2025, ou seja, a meta ainda não seria atingida. No entanto, esse não é um “privilégio” brasileiro. Em outro trecho do relatório, o FMI estima que em 2025 dois terços dos países avançados ou emergentes que utilizam o sistema de metas de inflação não atingirão seu centro ou ultrapassarão o teto. Quanto ao crescimento, o Brasil seguirá em 2025 ritmo inferior ao dos emergentes (4,2%) e de países da América Latina e Caribe (2,5%).

As recomendações do FMI se adequam ao caso brasileiro. “Agora é a hora da guinada fiscal”, disse Gourinchas. É preciso mudar o mix de política monetária apertada e política fiscal frouxa para seu contrário. Ao lado das reformas para elevar a produtividade, a consolidação fiscal é vital para reduzir juros e ter a inflação sob controle. “Mas tem faltado vontade ou habilidade para realizar ajustes fiscais disciplinados e críveis”, conclui. É uma tarefa na qual o governo brasileiro já deveria estar empenhado.

Governo Lula erra na gestão de vacinas

Folha de S. Paulo

Dinheiro público é desperdiçado com imunizantes contra Covid vencidos; urge mellhorar logística e intensificar campanhas

Mais uma vez o Ministério da Saúde se vê diante de problemas com seu programa de imunização, que denotam precariedade em distribuição e evidenciam desperdício de dinheiro público.

De 12,5 milhões de vacinas adaptadas à variante XBB do coronavírus adquiridas em maio deste ano por R$ 725 milhões, a pasta foi incapaz de entregar 4,2 milhões a estados e municípios.

Para piorar, 3 milhões estão vencidas e 1,2 milhão delas serão trocadas pela farmacêutica Moderna por doses com validade mais longa. Agora, o governo não possui imunizantes para entrega imediata. Ademais, das 8,26 milhões de doses repassadas, apenas 3,1 milhões foram aplicadas.

O ministério de Nísia Trindade reconhece que as unidades da Federação dispõem de poucas doses, notadamente do modelo infantil, e indica que as dificuldades se devem a fatores como validade, exigência de baixíssimas temperaturas de armazenamento e fake news contra vacinas.

Contudo os motivos elencados são justamente aqueles que devem ser diagnosticados e enfrentados pela gestão, com incremento em logística e em campanhas de conscientização —estas também deveriam ser intensificadas por estados e municípios.

O contrato com a Moderna foi emergencial. Em abril deste ano, um abaixo-assinado feito por integrantes da comunidade científica e profissionais da área da saúde já cobrava da pasta a entrega de vacinas para novas variantes do vírus e medidas para fortalecer o combate à doença. A vacina atualizada contra novas variantes foi aprovada pela Anvisa em dezembro de 2023.

Sinais de inépcia não são novidade. Em setembro de 2023, o governo Luiz Inácio Lula da Silva (PT) adquiriu 10 milhões de doses da Coronavac, mesmo que esse imunizante já fosse secundário no SUS, por não ser atualizado para novas cepas do vírus.

Além disso, isentou o Butantan da obrigação de substituir lotes com validade inferior ao prazo definido no contrato. Passados 12 meses, 8 milhões de doses estavam vencidas ou prestes a vencer —desperdício de R$ 260 milhões.

Já em relação ao imunizante Qdenga, contra a dengue, a Anvisa deu aval para venda em março de 2023, mas, devido à burocracia, a permissão para distribuição no SUS só veio em dezembro.

De janeiro a outubro de 2024, a Covid-19 matou 5.157 pessoas no país; a dengue, 5.661.

Outras enfermidades também são afetadas. Estudo da Confederação Nacional dos Municípios mostra que 6 em cada 10 cidades relatam falta de vacinas para o público infantil contra doenças como meningite, sarampo, catapora e rubéola, além da Covid.

Mesmo considerando possíveis entraves no fornecimento pelas farmacêuticas, está claro que o Ministério da Saúde precisa instituir mudanças para garantir distribuição eficiente e evitar o desperdício de dinheiro do contribuinte. Exige-se tão somente que a pasta cumpra sua função.

Reforma administrativa vai além de cortar supersalários

Folha de S. Paulo

Eliminar benesses é importante, mas cumpre enfrentar distorções como o nível exagerado da estabilidade do funcionalismo

Diante da necessidade de demonstrar alguma disposição para o controle de despesas, de modo a mitigar temores que levam à alta do dólar e dos juros, o governo Luiz Inácio Lula da Silva (PT) fez saber que estuda limitar os chamados supersalários do serviço público.

Compreende-se a escolha do alvo. Trata-se de medida com apoio garantido na opinião pública, sem o desgaste político que outros cortes de gastos acarretariam, sobretudo no eleitorado mais à esquerda. É bem mais fácil defender o fim de remunerações nababescas na elite do funcionalismo do que menos recursos para saúde e educação, por exemplo.

Seu impacto para o reequilíbrio das contas do Orçamento, porém, é duvidoso. Estima-se uma economia perto de R$ 5 bilhões anuais, na União e nos estados, com a eliminação de auxílios, abonos e outros penduricalhos que hoje permitem que funcionários privilegiados, principalmente no Judiciário, recebam do erário mais que o teto salarial dos servidores, de R$ 44.008,52 mensais.

O montante não chega a impressionar na comparação com o déficit de quase R$ 70 bilhões esperado só no balanço do Tesouro deste ano. Mais ainda, um projeto nesse sentido —como outros já tentados no Congresso— sofrerá oposição feroz de corporações com grande influência entre os parlamentares.

A boa notícia é que amadurece o debate em torno de uma reforma administrativa mais ampla, capaz de trazer não apenas maiores ganhos fiscais como melhoras de gestão. O próprio governo petista tem ensaiado discussões e propostas nessa seara, embora obviamente limitadas pelas afinidades sindicais do partido.

Como noticia a Folha, um grupo de entidades privadas prepara uma campanha em prol de providências fundamentais como a reorganização das carreiras com diminuição dos salários iniciais, hoje muito próximos aos do topo, e redução do alcance da estabilidade no emprego, que deveria ser limitada às funções de Estado.

O fim dos supersalários —que fazem do Judiciário brasileiro o mais caro de que se tem notícia no mundo— pode ser um ponto de partida para a reforma, mas não um objetivo único. Mesmo antes de rever a estabilidade, por exemplo, pode-se regulamentar a demissão por mau desempenho já autorizada na Constituição.

A tarefa é sem dúvida difícil politicamente, mas Executivo e Legislativo aprovaram nos últimos anos mudanças previdenciárias e tributárias também complexas. Em todos os casos, o motor é a urgente necessidade de buscar a funcionalidade do Estado.

Presente de grego

O Estado de S. Paulo

PL dos supersalários, ao contrário do que o nome sugere, valida penduricalhos que ignoram o teto do funcionalismo público e desmoraliza o pretenso discurso fiscal do governo

A equipe econômica pretende apresentar um ambicioso pacote de corte de gastos ao presidente Lula da Silva após o segundo turno das eleições municipais. Pouco se sabe sobre essas medidas, mas, se o governo tem a intenção de provar seu compromisso fiscal e de mostrar aos céticos que eles estão errados, terá de se esforçar muito mais.

Na agenda do Executivo, uma das principais apostas parece estar na aprovação do projeto de lei dos supersalários, que tramita há anos no Legislativo. Originalmente elaborada por uma comissão especial do Senado em 2016, a proposta tinha como objetivo moralizar o setor público, dar fim a penduricalhos e fazer valer o teto remuneratório previsto na Constituição, que tem como base a remuneração dos ministros do Supremo Tribunal Federal (STF), hoje em pouco mais de R$ 44 mil mensais.

Bem se sabe que a medida teria caráter mais simbólico do que prático, pois são poucos os funcionários públicos nesta privilegiada situação. Enquanto 11 milhões ganhavam até R$ 5 mil mensais no ano passado, segundo o Centro de Liderança Pública (CLP), apenas 25 mil recebiam mais que o teto. Mas é um tema politicamente fácil de defender ao reforçar o discurso do governo de que o ajuste não pode se dar apenas sobre os mais pobres e gerar economia aos cofres públicos.

O problema é que há razões para duvidar dessa pretensa economia. De fato, o texto do Senado pretendia garantir que ninguém no Executivo, no Legislativo e no Judiciário nas esferas federal, estadual e municipal ganhasse mais que o teto. Mas, na Câmara, a proposta foi desfigurada para que algumas das benesses da elite do funcionalismo público não sejam tratadas como remuneração, o que assegura a manutenção dos penduricalhos e permite que o teto, na prática, continue a ser ignorado.

Ao todo, 32 tipos de pagamento – não é piada – terão tratamento especial e serão considerados indenizações, direitos adquiridos ou ressarcimentos. Auxílio-alimentação, licença-prêmio, horas extras, auxílio-creche e auxílio-transporte, entre outros, serão preservados, alguns com “travas”.

Membros do Judiciário e do Ministério Público manterão as férias de 60 dias intocadas, bem como a possibilidade de converter um terço do descanso em dinheiro. O projeto também endossa a prática de militares que acumulam férias ao longo da carreira para receber uma bolada na passagem para a reserva.

O auxílio-moradia dos juízes, de R$ 4,3 mil, e de procuradores, de 25% do salário, também será mantido. Sozinho, tal benefício supera o rendimento médio real do trabalhador, de R$ 3,1 mil no segundo trimestre deste ano, segundo a Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios Contínua do IBGE.

Em coluna do jornal Valor, Bruno Carazza, professor-associado da Fundação Dom Cabral, sugere que o projeto pode até aumentar as despesas, em vez de reduzi-las. Afinal, ao mesmo tempo que regulamenta o teto regulatório, o texto valida todos os penduricalhos que a elite do funcionalismo público acumulou ao longo dos últimos anos.

Devido a essas regalias, segundo Carazza, 93% dos juízes ganham mais que um ministro do STF – e continuarão a receber, se o projeto for aprovado. Muitas dessas benesses se baseiam em decisões de conselhos que deveriam extingui-los, em vez de criá-los, mas que atuam como entidades sindicais.

Depois de aprovada pela Câmara em 2021, a proposta voltou ao Senado e, desde então, está parada na Comissão de Constituição e Justiça (CCJ). Na única ocasião em que o presidente da Casa, Rodrigo Pacheco (PSD-MG), cogitou desengavetá-la, foi para “compensar” o impacto financeiro da aprovação da Proposta de Emenda à Constituição (PEC) do quinquênio.

Nenhuma delas, por enquanto, avançou. Mas a PEC do quinquênio ao menos tem a honestidade de dizer a que veio: para restabelecer o extinto privilégio do adicional por tempo de serviço a magistrados e membros do Ministério Público. Já o projeto dos supersalários é um verdadeiro presente de grego que faz o oposto do que promete, o que nos faz pensar se os ministros Fernando Haddad e Simone Tebet conhecem mesmo a iniciativa que decidiram apoiar.

Nova ofensiva de Lula contra as agências

O Estado de S. Paulo

Governo petista usa o apagão em São Paulo como pretexto para tentar diminuir a autonomia das agências reguladoras, um desejo antigo de Lula

O governo Lula da Silva quer usar o caos do recente apagão em São Paulo como pretexto para tentar realizar o antigo sonho do petista de reduzir a autonomia das agências reguladoras, que têm como função disciplinar a prestação de serviços públicos cuja gestão foi privatizada. Se dependesse de Lula, como todos sabem, nem privatizações haveria; como é impossível revertê-las, o demiurgo busca interferir politicamente nas agências para que estas atuem conforme os interesses do governo.

Em guerra declarada com a Agência Nacional de Energia Elétrica (Aneel), o ministro das Minas e Energia, Alexandre Silveira, usou a crise no fornecimento em São Paulo para confirmar a ideia corrente no governo de alterar o sistema legal de mandatos não coincidentes entre diretores de agências e o presidente da República. A assincronia de mandatos é essencial à autonomia funcional, decisória e administrativa das agências para, como diz a lei, garantir a “ausência de tutela ou de subordinação hierárquica” ao governo de ocasião.

Em entrevista recente, buscando justificar o empenho na mudança da natureza das agências, Silveira declarou que os reguladores não estariam apenas usufruindo de autonomia, mas de “supremacia, soberania individualizada”. E defendeu a extinção dos mandatos, para que diretores possam ser nomeados e demitidos a qualquer tempo. Lula da Silva já pediu à Advocacia-Geral da União estudo sobre a possibilidade de mudança no modelo.

Por trás da campanha depreciativa está o traço autocrático de um governo que não admite instituições fiscalizadoras de Estado que atuem sem o jugo do Planalto. Sem tirar nem pôr, é a mesma reação à autonomia do Banco Central, até agora impassível diante dos repetidos apelos populistas de Lula para baixar a todo custo a taxa de juros. A Aneel é mais um exemplo da tentativa de impor subserviência a órgãos cujo desempenho é baseado na independência.

Outro caso a ilustrar a tendência é o da Agência Nacional do Petróleo, Gás Natural e Biocombustíveis (ANP). Para ocupar a direção-geral, com o término do atual mandato em dezembro, deve ser indicado o secretário de Petróleo e Gás do MME, Pietro Mendes, que preside o Conselho de Administração da Petrobras, nomeação que contrariou impedimentos internos da petroleira. O truque usado pelo governo Lula da Silva, como se sabe, foi se valer de uma liminar do então ministro do Supremo Tribunal Federal Ricardo Lewandowski – hoje ministro da Justiça de Lula – para desconsiderar o conflito de interesses e manter o secretário de Silveira na Petrobras.

Com Mendes à frente da ANP, o governo almeja, por certo, passar a contar com uma parceria sem o contraditório em políticas de seu interesse, como os critérios de exigência de conteúdo local, por exemplo. A intenção parece ser a de transformar os reguladores em apêndices do governo, desprezando seu verdadeiro papel. Criadas a partir de 1997, no governo FHC, as agências foram consequência da privatização de serviços públicos, com o objetivo de garantir a boa prestação desses serviços. Não é de hoje que essa atuação incomoda o lulopetismo.

A primeira tentativa de Lula de tirar-lhes a autonomia foi em 2003, quando constituiu um grupo de trabalho para discutir um novo formato de atuação. Como sói acontecer com “grupos de trabalho” no governo, não deu em nada. Em 2007, em meio a uma crise na aviação civil, houve nova investida para emplacar o projeto que transferia poder das agências aos ministérios. Do mesmo modo que agora, com a Aneel, na ocasião o governo endureceu as críticas à Agência Nacional de Aviação Civil (Anac) durante o “apagão aéreo” que se seguiu à queda de um avião da Gol após a colisão com um jato Legacy, que causou 154 mortes. Também daquela vez, a ofensiva não surtiu efeito.

O oportunismo em situações de crise para tentar mudar a atividade reguladora não é, portanto, novidade no lulopetismo. Se empenho semelhante fosse concentrado em indicações eminentemente técnicas – e não de apadrinhados políticos – para cargos ainda vagos nas agências, o Brasil sairia ganhando. Também ajudaria se recompusesse o pessoal das agências, já que estão desfalcadas de um terço de suas equipes e têm dificuldade extra de cumprir sua importante função.

Cuba nas trevas

O Estado de S. Paulo

Apagão na ilha é o último de uma série de infortúnios que se abatem sobre os cubanos

Imagens de cubanos às escuras, forçados a trocar suas casas pelas ruas no escorchante calor de Havana, correram o mundo após um apagão generalizado, o pior em dois anos, deixar milhões sem energia elétrica na ilha. O blecaute não surpreende, já que até o finado ditador Fidel Castro certa feita classificou a rede elétrica do país de “pré-histórica”. Cuba depende de petróleo importado, e caro, para abastecer sua obsoleta infraestrutura elétrica. Mas se o sistema elétrico da ilha é da Idade da Pedra, são ainda mais pré-históricas as lideranças que há décadas legam aos cubanos uma vida de privações, cuja fatura fica cada vez mais cara.

Mesmo para uma população há muito acostumada a infortúnios como racionamento de energia e de alimentos, o apagão generalizado dos últimos dias é um alerta de que o que era ruim pode piorar muito. Os problemas no precário setor elétrico agravaram-se com a redução de fornecimento de petróleo oriundo da Venezuela, que, imersa ela mesma em grave crise econômica, envia bem menos combustível para Cuba do que no passado. Outros “parceiros”, como México e Rússia, também têm destinado menos petróleo aos cubanos.

A ditadura da ilha, como de praxe, culpa o bloqueio imposto há anos pelos Estados Unidos pela falta de luz e por qualquer outro problema que se abata sobre os cubanos. Embora seja inegável que as sanções norte-americanas prejudicam a economia cubana, a crise é obviamente endógena, produzida com denodo, há décadas, por um governo que sabota todas as iniciativas tendentes a reduzir a penúria dos cubanos.

O governo americano, por exemplo, permitiu que pequenos empreendedores cubanos usassem contas bancárias nos EUA, numa iniciativa de apoio ao nascente setor privado da ilha, mas bastaram algumas semanas para que a ditadura proibisse comerciantes locais, que têm sérias dificuldades de conseguir moeda forte no mercado doméstico, de recorrer ao sistema bancário norte-americano. Em vez de apoiar os pequenos empreendedores que ajudam a trazer comida para Cuba, o governo parece querê-los fora de atividade, pouco importando se o povo cubano passa fome.

Para azar dos cubanos, os problemas do país, que eram bem mais visíveis na época da guerra fria ou da crise migratória dos anos 90, já não chamam tanto a atenção do mundo. O atual ditador, Miguel Díaz-Canel, não tem o apelo dos Castros, e a América Latina conta com uma nova geração de tiranos, como Nicolás Maduro, que, com seu petróleo, tem toda a atenção de China e Rússia. Cuba, tal qual sua rede elétrica e seus líderes, parece pertencer à pré-história. Além de nada oferecer à sua população, pouco importa ao mundo.

Diante da pior crise econômica em décadas, os cubanos continuam deixando o país aos milhares. Mais de 1 milhão de pessoas, ou 10% da população, abandonaram a ilha entre 2022 e 2023, de acordo com estatísticas oficiais. Ou seja, o êxodo pode ser ainda maior, e nada indica que será contido pela violência do regime. E, do jeito que as coisas estão, o último a sair nem precisará apagar a luz.

As cascas de banana do período eleitoral

Correio Braziliense

O debate político chega a ganhar ares de reality show. Os participantes do processo democrático incentivam as intrigas em nome do entretenimento, como se política fosse lazer

No próximo domingo, moradores de 51 cidades brasileiras voltam às urnas para escolher seus prefeitos no segundo turno. Há disputa ainda indefinida em 15 capitais do país — entre elas, metrópoles como Belo Horizonte, São Paulo, Porto Alegre e Belém. Enquanto isso, continua, nos Estados Unidos, a corrida eleitoral entre a democrata Kamala Harris e o republicano Donald Trump. Por lá, o pleito só acontece em 5 de novembro, ainda que a legislação norte-americana permita a antecipação dos votos de maneira presencial e pelos correios em alguns estados.  Tanto lá quanto cá, chama a atenção como algumas pautas que sequer deveriam estar em discussão ganham contornos decisivos para as campanhas políticas e por parte da opinião pública. 

Em São Paulo, para pegar o exemplo da maior cidade brasileira, Guilherme Boulos (PSol) e Ricardo Nunes (MDB) travaram, no último debate da TV Record, uma troca de acusações para vestir no adversário a roupa do mau-caratismo, da pessoa desonesta, deixando as propostas em segundo plano. Enquanto o emedebista acusou o psolista de calote em um acidente de carro, o deputado federal afirmou que o atual prefeito deu um tiro para o alto em episódio passado. Ambos negam as imputações. 

No Estados Unidos, táticas semelhantes das campanhas discutem até mesmo a idade dos candidatos — uma estratégia com todos os traços do etarismo. Diante dos questionamentos sobre a saúde do atual presidente Joe Biden, forçado a desistir do pleito, Trump e Kamala tentam emplacar no outro uma imagem antiquada.  

No fim da história, o debate político ganha ares de reality show. Os participantes do processo democrático incentivam as intrigas em nome do entretenimento, como se política fosse lazer. É nesse cenário que os candidatos parecem mais trabalhar suas imagens nas redes sociais do que na realidade, afastando-se dos locais em que os problemas reais da população acontecem. 

O alerta vale, inclusive, para candidaturas ditas progressistas. É comum ver planos de governo que prometem diminuir a vulnerabilidade social quando os candidatos, na realidade, pouco conhecem daquela realidade. Até a evitam durante os eventos de campanha, priorizando agendas politicamente corretas, mas que estão muito longe das vilas e favelas. Bonito no discurso, mas muito longe da prática. 

Entre os conservadores, a postura tiktoker se volta às frases de efeito. A tão criticada lacração se manifesta mais nesses perfis do que em todos os demais. A preocupação número um é com os adversários. Tenta-se performar para as câmeras situações para constranger os oponentes, novamente afastando-se completamente dos problemas sociais.  

As limitações da política contemporânea desafiam o eleitorado no mundo inteiro — o exemplo da corrida eleitoral dos EUA é emblemático. Ainda assim, é papel da população participar de maneira mais ativa do processo de escolha dos seus representantes. É preciso priorizar quem apresenta um plano de gestão coerente com a difícil realidade encarada pelos brasileiros no transporte público, nos centros de saúde, nas escolas e no meio ambiente, somente para citar quatro áreas vistas como prioritárias no momento.

A falta de representatividade afasta o eleitor das urnas, ante uma abstenção que se mantém alta nos últimos pleitos. No primeiro turno, o Tribunal Superior Eleitoral (TSE) registrou um índice de 21,71% de faltantes entre os aptos a votar. Ainda assim, é preciso assumir seu papel democrático até para poder ser agente cobrador de uma sociedade mais justa e heterogênea.

 


 

 

 

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