quarta-feira, 23 de outubro de 2024

Fernando Exman - O futuro das agências reguladoras em discussão

Valor Econômico

Debate não deve ser feito de forma açodada nem no calor de uma disputa política

O ex-presidente Jair Bolsonaro irritou-se com a pergunta do repórter sobre a situação da articulação política, no que deveria ser um plantão tranquilo em um sábado aleatório de junho de 2019. Primeiro, disse que para falar abertamente sobre o tema seria melhor que ninguém estivesse filmando a conversa. E depois esbravejou: “Querem me deixar como rainha da Inglaterra?” Para preocupação da área econômica, o motivo da reclamação era o projeto de atualização do marco das agências reguladoras.

O país ainda tentava se acostumar à rotina do novo mandatário, que nos fins de semana deixava o Palácio da Alvorada com destino desconhecido e disposto a falar sobre qualquer assunto com qualquer pessoa. Começava a era do “cercadinho”, ponto em frente à guarita da residência oficial da Presidência onde Bolsonaro conversava com apoiadores, e que logo se tornou um local hostil à imprensa profissional.

Sem agenda oficial naquele sábado, Bolsonaro começou o dia visitando um clube e depois foi a um mercado. Passou no serviço médico da Presidência para exames de rotina, pois dali a algumas horas viajaria ao Japão para participar da reunião de cúpula do G20. Antes, parou para falar com os jornalistas que o aguardavam e atacou a proposta que acabara de ser aprovada pelo Congresso e cujo prazo de sanção expiraria em poucos dias.

Na visão de Bolsonaro, deveria ser vetado o trecho da lei que instituía uma lista tríplice para a seleção dos candidatos que poderiam ser indicados pelo presidente da República para cargos de direção de agências reguladoras. Essa era uma “competência constitucionalmente conferida ao chefe do Poder Executivo” e apenas a ele, avaliava.

“Ele não entendeu nada”, lamentou depois um integrante de seu governo. Para auxiliares de Bolsonaro, a lista tríplice acabaria por diluir a pressão do Congresso.

Por ser responsável por sabatinar os nomes escolhidos, inevitavelmente o Senado sempre acaba sendo ouvido. Mas o então presidente acreditava que, na verdade, o projeto aprovado também dava munição aos deputados.

Outros pontos vetados por Bolsonaro fazem falta até hoje. Um deles previa o comparecimento anual obrigatório de diretores de agências ao Senado para a prestação de contas. Outro proibia a indicação de profissionais que tivessem vínculo com empresas fiscalizadas nos 12 meses anteriores à escolha de seus nomes.

Esse projeto precisou tramitar durante oito anos até ser aprovado. Foi concebido para padronizar aspectos administrativos das agências, como a exigência de criação de ouvidorias, a apresentação de planos de gestão e agendas regulatórias. Mas acabou com uma redação menos potente do que gostariam os técnicos do Executivo.

Agora, também devido a resistências vindas do Palácio do Planalto, pode ser novamente objeto de mudanças.

No intuito de atualizar o atual modelo regulatório, o governo Lula estuda a possibilidade de enviar ao Congresso sugestões de mudanças da Lei Geral das Agências, por exemplo, propondo a criação de uma instituição responsável pela supervisão e coordenação dos outros órgãos reguladores. O objetivo, asseguram aliados do governo no Legislativo, é ampliar a prestação de contas à sociedade e garantir mais mecanismos de prevenção de conflitos de interesse entre profissionais das agências e as empresas reguladas. Esses interlocutores prometem a ampliação da autonomia e a redução de espaço para contaminação política na atuação desses órgãos.

Mas um risco que o Planalto corre é ver sua proposta desfigurada. E nada impede que os parlamentares não vejam nela uma oportunidade de ampliar seus poderes sobre essas instituições de Estado.

É preciso lembrar que em 2023 houve uma tentativa no Legislativo de aproveitar a medida provisória que estabelecia a nova estrutura do governo eleito para a criação de conselhos temáticos vinculados aos ministérios e às agências. “Dessa forma, para regular, deslegalizar e editar atos normativos infralegais, ou seja, toda a atividade normativa terá que haver a interação entre representantes do ministério, das agências, dos setores regulados da atividade econômica, da academia e dos consumidores, garantindo o controle e a vigilância de um poder sobre o outro em relação ao cumprimento dos deveres constitucionais”, dizia a emenda, que acabou não avançando. Os setores regulados reagiram e ela foi rejeitada.

Em 2013, para dar uma sinalização positiva à iniciativa privada, a então presidente Dilma Rousseff também promoveu um recuo e determinou a retirada de tramitação de um projeto sobre as agências que havia sido enviado ao Congresso por Lula em 2004. Na visão de analistas e investidores, a proposta fragilizava os órgãos reguladores e aumentava o controle das agências pelos ministérios.

O novo plano do governo de alterar a atual política regulatória do país é capaz de gerar um ruído desnecessário no mercado, em um momento em que a equipe econômica tenta promover um pacto dos três Poderes para a recuperação do grau de investimento. Ele foi suscitado durante a disputa eleitoral e na esteira da crise de fornecimento de energia elétrica em São Paulo, colégio eleitoral disputado por um aliado e estratégico para o pleito de 2026.

Concessionárias e agências reguladoras devem atuar com cada vez mais responsabilidade, mas a discussão não deve ser feita de forma açodada nem no calor de uma disputa política.

 

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