quarta-feira, 23 de outubro de 2024

Mariliz Pereira Jorge - A esquerda terá de rebolar

Folha de S. Paulo

Enquanto isso, a direita deita, rola, agradece e ganha eleições

Houve alguma reação de pessoas de esquerda, revoltadas com a performance da mestranda Tertuliana Lustosa, durante sua participação num seminário da Universidade Federal do Maranhão (UFMA). Mas o barulho foi muito maior por causa de uma série de anúncios da marca Heinz, veiculados no metrô de Londres. Sim, a gritaria chegou até aqui.

Enquanto Tertuliana rebolava as nádegas com a calcinha aparente dentro de uma universidade, a pauta mais debatida nas bolhas de esquerda era o "racismo" presente na campanha de Halloween, com referência ao personagem Coringa. Num dos anúncios, um homem negro com a boca lambuzada de ketchup provocou debate sobre "blackface".

No outro, um casal de noivos é rodeado pelos pais, mas a noiva negra tem apenas a figura da mãe presente. A cena me remeteu à Meghan Markle e a família real. Mas, segundo as críticas, trata-se de "reforçar o estereótipo racial da ausência paterna". Se a ideia foi fazer referência ao príncipe Harry e sua mulher, trazer a presença do pai também não daria certo porque o progenitor de Meghan é branco. Mais confusão. Deixa para lá.

A questão é a seguinte: partidos e políticos de esquerda terão que rebolar muito mais do que Tertulianas para controlar o mercúrio retrógrado infinito que virou o identitarismo na órbita progressista. Nos últimos anos, essa vertente dos movimentos sociais ficou caricata ao adotar posturas extremas, muitas vezes com foco em questões individuais e/ou superficiais, em detrimento das pautas que servem genuinamente para promover justiça social.

Essa radicalização e hiperfocalização só têm desviado a atenção de problemas estruturais e coletivos, enquanto alimenta, inclusive, divisões internas e deslegitima o debate público com polarizações desnecessárias. Se hino em linguagem neutra já deu dor de cabeça, imagine o que a "pornografia com dinheiro público" renderá até 2026. Eu, que já frequentei lugares com mais ousadia, me senti uma tia reaça ao assistir e ouvir trecho do que a mestranda classifica como "pesquisa, educando com o cu".

A direita deita, rola, agradece e ganha eleições. Mas, silêncio, a esquerda está ocupada com a propaganda de ketchup.

 

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