quinta-feira, 24 de outubro de 2024

Roberto Luis Troster - Por que não incluir metas de spread bancário no debate?

Valor Econômico

O setor financeiro poderia ser um importante propulsor do bem-estar do país, mas por uma concepção equivocada de seu papel, pratica a autofagia

O spread bancário, ou simplesmente spread, é a diferença entre a taxa de captação e a taxa de juros do tomador final de crédito. Um spread baixo reflete a capacidade dos bancos de intermediar recursos a um custo baixo para a sociedade, de forma a remunerar bem poupadores e oferecer crédito a taxas razoáveis para tomadores. É viável apenas com condições legais, institucionais, macroeconômicas, bancárias e tributárias adequadas.

A evidência empírica mostra que, quanto menores os spreads, maior será a relação crédito/PIB do país, maior sua renda per capita e mais acelerado será seu crescimento. As nações mais ricas têm spreads menores, mais crédito e crescem mais rapidamente. A eficiência bancária é uma condição sem a qual não se pode crescer. Não há sequer um contraexemplo de algum país de renda alta que não tenha spreads baixos.

No Brasil, interessa aos bancos exercer sua vocação e financiar um novo ciclo de crescimento, ao invés de administrar crises. Objetivam um sistema bancário com volume maior de operações e menos inadimplência, operando em prazos mais longos e com menos volatilidade. O Banco Central também tem trabalhado nessa direção, pois baixar spreads interessa aos bancos e à nação.

O título e os três primeiros parágrafos deste artigo foram publicados sem mudar uma letra, neste jornal, o Valor, em 5 de setembro de 2002, há 22 anos. Na época, em plena campanha presidencial, se debatiam propostas de metas de desemprego, de superávit fiscal e outras, para ter um papel semelhante às metas de inflação, adotadas três anos antes. Meu objetivo foi propor mudanças para aumentar a contribuição do crédito ao desenvolvimento do Brasil.

O resto do artigo afirma que a evolução é resultado de melhorias em aspectos legais, na estabilização macroeconômica, em aperfeiçoamento de instrumentos bancários e em ganhos de eficiência em razão de investimentos em capital humano e em tecnologia. Poder-se-ia conseguir uma redução maior trabalhando nas pré-condições em quatro frentes: a) a legal-institucional; b) a macroeconômica; c) a da política bancária; e d) a tributária.

É triste notar que as recomendações ainda valem. Mais ainda, houve alguns retrocessos. O IOF aumentou, o que aumentou o custo do crédito, os depósitos compulsórios aumentaram, o que também aumenta o custo do crédito. De lá para cá, o quadro do crédito piorou.

Atualmente, há 6,9 milhões de empresas e 72,5 milhões de cidadãos negativados no Serasa. São recordes históricos no primeiro semestre. Como nem todo inadimplente está negativado, o problema é maior. As recuperações judiciais também bateram recordes históricos.

É uma dinâmica insustentável. No primeiro semestre deste ano, foram pagos R$ 532 bilhões em juros de operações de crédito a instituições do Sistema Financeiro Nacional. Como o PIB do primeiro semestre foi de R$ 5,6016 trilhões, os juros pagos correspondem a 9,5% do PIB.

É uma intermediação que também prejudica o sistema bancário. No primeiro semestre as provisões para créditos de difícil recuperação foram de R$ 116,7 bilhões, que correspondem a 21,9% das receitas de crédito e superior ao lucro líquido do sistema, que no mesmo período foi de R$ 113,9 bilhões. Emprestariam mais e lucrariam mais se emprestassem melhor.

A oferta de crédito no Brasil é disfuncional. Ilustrando, este ano, o saldo de crédito de capital de giro cresceu 1,8% e o do cheque especial para pessoa jurídica, que custa 16 vezes mais que o capital de giro, aumentou 8,8%. A taxa salta de 21,6% para 346,1%. Tem mais. No primeiro dia de atraso é cobrado um IOF de 0,3282%, um valor que anualizado corresponde a 225,3%. Portanto o custo de um dia de atraso é 571,4% ao ano. Problemas temporários de caixa viram problemas permanentes de solvência.

Esses números mostram que é um milagre que o Brasil consiga crescer com essa intermediação. É uma autofagia financeira. Literalmente, significa “comer a si mesmo”. O setor financeiro poderia ser um importante propulsor do bem-estar do país, mas por uma concepção equivocada de seu papel, pratica a autofagia. Destrói parte da base que lhe dá sustentação.

Insiste-se num paradigma obsoleto: compulsórios draconianos, tributação do crédito, a não regulação adequada da lei 14.131, moeda remunerada, indexação generalizada, ausência de regras de precificação, papel dos birôs de crédito distorcido e opacidade na comunicação, para citar alguns.

Considerando que na última reunião do Comitê de Política Monetária a taxa básica foi aumentada, é razoável antecipar que o quadro se agravará nos próximos meses. Leia-se menos investimentos, menos empregos e menos crescimento. O efeito de uma alta na taxa básica é justamente frear a atividade econômica.

Há grupos de trabalho debatendo o tema do custo do crédito. A solução é complexa, mas tenho uma proposta que pode fazer muita diferença: mais transparência. Informações fidedignas são importantes para qualquer diagnóstico e para boas decisões de crédito. E as informações sobre o crédito no Brasil são confusas.

Usa-se taxa mês e taxa ano, dias corridos e dias úteis, incluindo impostos e não, taxa efetiva e custo total. Tornam desnecessariamente complexo algo que poderia ser resolvido usando uma só medida para o custo do crédito. Só depende de um normativo.

A nota à imprensa do Banco Central também é falha em transparência, usa critérios que distorcem a realidade do crédito. No cálculo, não incluem o IOF, que é um custo a mais para o tomador, e incluem os pagamentos à vista no cartão de crédito como uma operação de crédito, que diminuem as médias das taxas, do spread e da inadimplência informadas na nota. Outra distorção é que calculam o spread usando o estoque de crédito em vez de usar o fluxo.

Urge mudar. O problema não é falta de recursos para emprestar dos bancos privados, é a ausência de uma política de crédito adequada. Sugiro começar com mais transparência. Ganhariam os cidadãos, as empresas, os bancos, o governo e o Brasil. Por que não tentar?

 

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