O Estado de S. Paulo
País precisa trazer os recursos das repactuações para o Orçamento federal, para que o poder público tenha liberdade de alocar as verbas considerando o interesse público
A matriz de transporte no Brasil, por ser centrada no modal rodoviário, enfrenta limitações logísticas e custos elevados que impactam negativamente a produtividade da economia brasileira, a segurança das pessoas e a qualidade do meio ambiente. Sabe-se que o modal ferroviário, atualmente subutilizado no País, oferece uma alternativa mais eficiente e sustentável para o transporte de cargas e pessoas, especialmente em longas distâncias. Entretanto, a expansão das estradas de ferro no Brasil só ocorrerá de forma sustentável se houver previsibilidade orçamentária para viabilizar aporte de recursos públicos em parcerias com o setor privado.
Deve-se ter claro que as parcerias
público-privadas são cruciais para viabilizar empreendimentos ferroviários no
Brasil. Por um lado, as concessões ferroviárias apresentam custos fixos
significativamente elevados, por compreenderem não somente investimentos
relevantes de construção e manutenção da infraestrutura, mas também a operação
do próprio serviço de transporte, que inclui compra de material rodante e
instalação de equipamentos de comunicação e sinalização, caros e complexos. Por
outro lado, é um desafio estimar a demanda e as receitas que viabilizam a
operação ferroviária, na medida em que as relações mercadológicas entre usuário
e operadores do transporte dependem de diversos fatores, como regularidade,
escala e velocidade comercial competitiva.
De mais a mais, os projetos ferroviários
greenfield – aqueles que consistem na construção de novos trechos do zero –
apresentam riscos ainda mais elevados, especialmente ambientais e de
engenharia. Numa perspectiva microeconômica, a receita tarifária não é
suficiente para cobrir os custos médios da construção e da operação. Na
perspectiva econômico-financeira, a taxa interna de retorno dos empreendimentos
tende a ser inferior à taxa mínima de atratividade do projeto, o que compromete
a financiabilidade do empreendimento.
De fato, a experiência mostra que o setor
público precisa direcionar recursos para desenvolver o setor de ferrovias. Os
projetos ferroviários no Estado de São Paulo só se desenvolvem com aportes e
contraprestações do setor público, garantidos pela Companhia
Paulista de Parcerias. O orçamento
norte-americano aloca US$ 66 bilhões em ferrovias, com programas específicos
para fomentar shortlines via aporte e financiamento públicos de longo prazo. Os
países da Europa mantêm a infraestrutura ferroviária com dezenas de bilhões de
euros, enquanto países asiáticos injetam bilhões de dólares no setor
ferroviário.
É preciso haver no Brasil um manifesto
político em favor das ferrovias, que leve em consideração a importância do
orçamento público no planejamento de investimentos do setor ferroviário. Nesse
sentido, a ação governamental precisa ser planejada, transparente e responsável
do ponto de vista fiscal, especialmente no cenário atual, em que o Tesouro
Nacional não apresenta folga para expandir gastos obrigatórios sem fonte nova
de recursos.
Nesse contexto, a estratégia do Ministério
dos Transportes de repactuar contratos renovados de forma antieconômica é
acertada. Ventila-se na mídia que essas repactuações podem gerar R$ 20 bilhões
de novos recursos que seriam alocados em fundos específicos para aportes em
novos projetos ferroviários. Em outras palavras, novas receitas orçamentárias
vinculadas ao patrimônio público ferroviário seriam fonte de recursos de um
plano nacional ferroviário baseado em parcerias público-privadas.
É importante lembrar os desafios que cercam a
fertilidade das parcerias públicoprivadas no âmbito federal. O arcabouço de
regras fiscais que controlam o orçamento fiscal da União – teto de gastos e
regras de contingenciamento, que não levam em consideração a qualidade do gasto
– compromete a credibilidade das parcerias no setor de infraestrutura,
justamente porque não preserva o principal nesse tipo de relação
público-privada: a garantia de que os aportes e as contraprestações do governo
vão ocorrer no médio e no longo prazos.
Neste ambiente institucional, é preciso
ressaltar que as alternativas que buscam driblar o orçamento público –
investimentos cruzados, por exemplo – são improvisos que não sustentariam um
plano real de expansão do setor de ferrovias. O País precisa trazer os recursos
das repactuações para o Orçamento federal, de modo que o poder público tenha
liberdade para alocar as verbas considerando o interesse público.
A ampliação da malha ferroviária depende diretamente do comprometimento do governo federal com o orçamento público. Sem essa previsibilidade financeira, o setor de transporte continuará dependente de um modelo rodoviário ineficiente. A aposta nas ferrovias, com aportes governamentais em parcerias com o setor privado, é essencial para modernizar a logística nacional e garantir um futuro mais sustentável e competitivo para o País.
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