Valor Econômico
Apesar de as despesas estarem caminhando dentro do esperado, o cumprimento das metas de déficit primário contempladas no novo arcabouço fiscal dependerá do comportamento das receitas
Em 4 de novembro do ano passado, Donald Trump saiu-se vitorioso no pleito presidencial estadunidense. Adicionalmente, o Partido Republicano passou a controlar as duas casas legislativas. O presidente recém-eleito deu declarações que indicavam que a guerra comercial em seu segundo mandato seria intensa, com imposição de tarifas altas em muitos países (incluindo o Brasil) e relativas a uma cesta ampla de produtos. Diante deste cenário, em 27/11, o governo brasileiro apresentou o pacote fiscal que daria, hipoteticamente, mais estabilidade à economia brasileira. No entanto, o pacote originalmente anunciado também trazia uma benesse bastante onerosa aos cofres públicos nacionais: a isenção do imposto de renda para aqueles que têm renda mensal de até R$ 5 mil. Embora não houvesse respaldo constitucional para aprovar tal benefício, o ambiente já estava tão turbulento que os agentes econômicos viram na proposta um vetor de mais incerteza.
Frente a tantos ruídos, o dólar, que operava
na faixa de R$ 5,8, começou sua escalada até atingir o pico de R$ 6,3 em 18/12,
ou seja, um salto de cerca de 8%. Na sexta-feira passada, após dois meses da
divulgação do pacote, as ameaças de Trump não haviam alcançado o Brasil da
forma imaginada, e a isenção fiscal aventada caiu por terra. Coincidência ou
não, o câmbio voltou ao patamar pré-anúncio do pacote fiscal. Desde ontem,
contudo, o mercado cambial voltou a dar sinais de tensão com as últimas ações comerciais
do governo Trump.
O cenário acima sugere o quão suscetível a
economia brasileira está aos ventos internacionais, bem como à condução da
política fiscal interna. Em cima disso, esta coluna analisa o pacote fiscal que
está hoje em implementação e sugere o que deve nortear a condução da política
fiscal daqui para a frente.
Para começar, é importante deixar claro que o
pacote fiscal aprovado pelo Congresso Nacional (EC 135/2024) parte da premissa
de que o cumprimento das metas estabelecidas pelo Novo Arcabouço Fiscal (PLP
93/2023) é o alvo. Dessa forma, o pacote fiscal não foi concebido para promover
uma guinada na política fiscal do país, e sim para trazer ajustes entendidos
como necessários para que o novo arcabouço fiscal não saia da mira. Com base
nisso, as medidas aprovadas visam tanto aumentar a probabilidade de que os déficits
primários prometidos sejam alcançados, como também evitar que os gastos
obrigatórios comprimam em demasia os discricionários.
Diante do propósito de continuar a travessia
com o novo arcabouço fiscal, algumas das principais medidas do pacote fiscal
aqui classificadas como controle dos gastos ou como melhoria da gestão
orçamentária merecem ser mencionadas.
Em relação ao controle dos gastos, começo
citando a reformulação da regra de reajuste do salário mínimo. Através dela, o
salário mínimo passou a sofrer também os limites de correção definidos no novo
arcabouço fiscal para as despesas públicas. Nesse novo contexto,
especificamente no que toca a 2025, a correção real do salário mínimo, que
seria de 3,2% pela regra antiga, passou a ter elevação real de apenas 2,5%.
Outro dos critérios para conter despesas que
vale a pena ser comentado é o da redução paulatina do total de trabalhadores
elegíveis ao abono salarial. O público beneficiário foi redefinido e, com isso,
reduzido. Mediante a nova regra, haverá uma redução gradual do salário
percebido (de dois salários mínimos para 1,5 salário mínimo) para fazer jus ao
benefício.
Há ainda normas para impor maior controle na
concessão de benefícios sociais, como o fortalecimento de cadastros,
procedimentos para revisões e parâmetros para aperfeiçoar a porta de saída e
diminuir a judicialização.
Quanto à melhoria da gestão orçamentária, por
seu turno, algumas medidas importantes foram sancionadas. Para não ficar
exaustivo, o foco é no Fundeb e na Desvinculação de Recursos da União (DRU).
No caso do Fundeb, foi autorizado o uso de
parte dos seus recursos para financiar matrículas em tempo integral. Em função
do programa de ensino em tempo integral ser financiado na sua totalidade pelo
governo federal, essa medida permitirá repassar uma parcela da conta para
Estados e municípios. Com isso, diminui-se a margem de crescimento da despesa
de Estados com o repasse do Fundeb. Por conta da abertura desse espaço fiscal,
o governo federal poderá acomodar, por exemplo, o programa Pé-de-Meia no orçamento
(hoje está fora, o que é muito criticado por analistas fiscais e pelo TCU).
Outra medida relevante é a DRU em 30% até
2032, com ampliação para abranger receitas patrimoniais. Como aponta meu colega
Manoel Pires, além de desempenhar os papéis corriqueiros de flexibilizar a
gestão orçamentária e de facilitar o custeio das despesas, a DRU que passa a
viger trará ainda economia expressiva de gastos.
Isso posto, nas últimas contas do governo, o
impacto do pacote aprovado pelo Legislativo, incluindo medidas de controle
fiscal e de gestão orçamentária, é de R$ 69,8 bilhões ao longo de dois anos,
2025 e 2026, sendo R$ 44 bilhões em cortes de gastos e R$ 28,4 bilhões em
melhoria na gestão orçamentária. Já no cálculo de Pires, o impacto do pacote
total é menor, R$ 58,9 bilhões - R$ 32,5 bilhões de redução de despesa e R$
26,4 bilhões na gestão orçamentária.
Como se sabe, a expectativa era de um pacote
que promovesse uma redução nas despesas da ordem de R$ 70 bilhões. Assim, o
pacote fiscal realinha a política fiscal para que o novo arcabouço fiscal
continue no foco.
Por fim, destaco uma questão que terá
protagonismo no desenrolar de 2025 no campo fiscal: será necessário um novo
conjunto de medidas fiscais para que o novo arcabouço fiscal permaneça firme?
Ainda não é claro. Apesar de as despesas
estarem caminhando dentro do esperado, o cumprimento das metas de déficit
primário contempladas no novo arcabouço fiscal dependerá do comportamento das
receitas públicas. Como se sabe, qualquer frustração significativa da
arrecadação pode comprometer as metas fiscais. Por isso, é fundamental que haja
monitoramento frequente das perspectivas de evolução da entrada de recursos nos
cofres públicos. Dado o tamanho da dívida pública, não dá para errar o passo.
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