terça-feira, 4 de fevereiro de 2025

É hora de atenção máxima à arrecadação pública - Luiz Schymura

Valor Econômico

Apesar de as despesas estarem caminhando dentro do esperado, o cumprimento das metas de déficit primário contempladas no novo arcabouço fiscal dependerá do comportamento das receitas

Em 4 de novembro do ano passado, Donald Trump saiu-se vitorioso no pleito presidencial estadunidense. Adicionalmente, o Partido Republicano passou a controlar as duas casas legislativas. O presidente recém-eleito deu declarações que indicavam que a guerra comercial em seu segundo mandato seria intensa, com imposição de tarifas altas em muitos países (incluindo o Brasil) e relativas a uma cesta ampla de produtos. Diante deste cenário, em 27/11, o governo brasileiro apresentou o pacote fiscal que daria, hipoteticamente, mais estabilidade à economia brasileira. No entanto, o pacote originalmente anunciado também trazia uma benesse bastante onerosa aos cofres públicos nacionais: a isenção do imposto de renda para aqueles que têm renda mensal de até R$ 5 mil. Embora não houvesse respaldo constitucional para aprovar tal benefício, o ambiente já estava tão turbulento que os agentes econômicos viram na proposta um vetor de mais incerteza.

Frente a tantos ruídos, o dólar, que operava na faixa de R$ 5,8, começou sua escalada até atingir o pico de R$ 6,3 em 18/12, ou seja, um salto de cerca de 8%. Na sexta-feira passada, após dois meses da divulgação do pacote, as ameaças de Trump não haviam alcançado o Brasil da forma imaginada, e a isenção fiscal aventada caiu por terra. Coincidência ou não, o câmbio voltou ao patamar pré-anúncio do pacote fiscal. Desde ontem, contudo, o mercado cambial voltou a dar sinais de tensão com as últimas ações comerciais do governo Trump.

O cenário acima sugere o quão suscetível a economia brasileira está aos ventos internacionais, bem como à condução da política fiscal interna. Em cima disso, esta coluna analisa o pacote fiscal que está hoje em implementação e sugere o que deve nortear a condução da política fiscal daqui para a frente.

Para começar, é importante deixar claro que o pacote fiscal aprovado pelo Congresso Nacional (EC 135/2024) parte da premissa de que o cumprimento das metas estabelecidas pelo Novo Arcabouço Fiscal (PLP 93/2023) é o alvo. Dessa forma, o pacote fiscal não foi concebido para promover uma guinada na política fiscal do país, e sim para trazer ajustes entendidos como necessários para que o novo arcabouço fiscal não saia da mira. Com base nisso, as medidas aprovadas visam tanto aumentar a probabilidade de que os déficits primários prometidos sejam alcançados, como também evitar que os gastos obrigatórios comprimam em demasia os discricionários.

Diante do propósito de continuar a travessia com o novo arcabouço fiscal, algumas das principais medidas do pacote fiscal aqui classificadas como controle dos gastos ou como melhoria da gestão orçamentária merecem ser mencionadas.

Em relação ao controle dos gastos, começo citando a reformulação da regra de reajuste do salário mínimo. Através dela, o salário mínimo passou a sofrer também os limites de correção definidos no novo arcabouço fiscal para as despesas públicas. Nesse novo contexto, especificamente no que toca a 2025, a correção real do salário mínimo, que seria de 3,2% pela regra antiga, passou a ter elevação real de apenas 2,5%.

Outro dos critérios para conter despesas que vale a pena ser comentado é o da redução paulatina do total de trabalhadores elegíveis ao abono salarial. O público beneficiário foi redefinido e, com isso, reduzido. Mediante a nova regra, haverá uma redução gradual do salário percebido (de dois salários mínimos para 1,5 salário mínimo) para fazer jus ao benefício.

Há ainda normas para impor maior controle na concessão de benefícios sociais, como o fortalecimento de cadastros, procedimentos para revisões e parâmetros para aperfeiçoar a porta de saída e diminuir a judicialização.

Quanto à melhoria da gestão orçamentária, por seu turno, algumas medidas importantes foram sancionadas. Para não ficar exaustivo, o foco é no Fundeb e na Desvinculação de Recursos da União (DRU).

No caso do Fundeb, foi autorizado o uso de parte dos seus recursos para financiar matrículas em tempo integral. Em função do programa de ensino em tempo integral ser financiado na sua totalidade pelo governo federal, essa medida permitirá repassar uma parcela da conta para Estados e municípios. Com isso, diminui-se a margem de crescimento da despesa de Estados com o repasse do Fundeb. Por conta da abertura desse espaço fiscal, o governo federal poderá acomodar, por exemplo, o programa Pé-de-Meia no orçamento (hoje está fora, o que é muito criticado por analistas fiscais e pelo TCU).

Outra medida relevante é a DRU em 30% até 2032, com ampliação para abranger receitas patrimoniais. Como aponta meu colega Manoel Pires, além de desempenhar os papéis corriqueiros de flexibilizar a gestão orçamentária e de facilitar o custeio das despesas, a DRU que passa a viger trará ainda economia expressiva de gastos.

Isso posto, nas últimas contas do governo, o impacto do pacote aprovado pelo Legislativo, incluindo medidas de controle fiscal e de gestão orçamentária, é de R$ 69,8 bilhões ao longo de dois anos, 2025 e 2026, sendo R$ 44 bilhões em cortes de gastos e R$ 28,4 bilhões em melhoria na gestão orçamentária. Já no cálculo de Pires, o impacto do pacote total é menor, R$ 58,9 bilhões - R$ 32,5 bilhões de redução de despesa e R$ 26,4 bilhões na gestão orçamentária.

Como se sabe, a expectativa era de um pacote que promovesse uma redução nas despesas da ordem de R$ 70 bilhões. Assim, o pacote fiscal realinha a política fiscal para que o novo arcabouço fiscal continue no foco.

Por fim, destaco uma questão que terá protagonismo no desenrolar de 2025 no campo fiscal: será necessário um novo conjunto de medidas fiscais para que o novo arcabouço fiscal permaneça firme?

Ainda não é claro. Apesar de as despesas estarem caminhando dentro do esperado, o cumprimento das metas de déficit primário contempladas no novo arcabouço fiscal dependerá do comportamento das receitas públicas. Como se sabe, qualquer frustração significativa da arrecadação pode comprometer as metas fiscais. Por isso, é fundamental que haja monitoramento frequente das perspectivas de evolução da entrada de recursos nos cofres públicos. Dado o tamanho da dívida pública, não dá para errar o passo.

 

Nenhum comentário: