terça-feira, 4 de fevereiro de 2025

Os motivos do recuo de Donald Trump - Míriam Leitão

O Globo

Trump recuou em relação ao México e ao Canadá. Falta a China. Se cumprir as ameaças, os EUA serão afetados

A suspensão por um mês das tarifas de 25% impostas por Donald Trump ao México e ao Canadá foi um momento de lucidez no comportamento belicoso e caótico do novo presidente americano. Ele fez a mesma ameaça contra a China. Esse aumento unilateral de tarifas, caso aconteça, em algum momento, afetará principalmente a economia americana. A tarifa incide sobre a exportação para os Estados Unidos, mas quem a recolhe é o importador, que repassará o custo aos preços, elevando a inflação. A queda do crescimento também será primeiramente sentida na economia dos EUA. Uma tarifa de 10% não reduzirá a competitividade da China.

As principais bolsas amanheceram ontem em queda no mundo todo diante do anúncio no fim de semana de que Donald Trump elevaria hoje as tarifas contra México, Canadá e China. O susto começou a passar quando a presidente do México, Claudia Sheinbaum, anunciou que depois de uma “boa conversa” com Trump houve o acordo para suspender por um mês a vigência do tarifaço de 25% contra o México. No fim da tarde, o primeiro-ministro do Canadá, Justin Trudeau, também disse que teve “boa conversa” e que a medida foi suspensa por 30 dias. Mas o que ocorreria se a ameaça fosse cumprida? O embaixador José Alfredo Graça Lima, do Cebri, com 40 anos de experiência em política comercial, explica.

— A elevação unilateral de tarifas é violação flagrante dos artigos 1 e 2 do GATT ( Acordo Geral de Tarifas e Comércio). O GATT continua sendo a constituição da Organização Mundial do Comércio. Além disso, os contratos entre importadores e exportadores estão em vigor. Se valesse para todo o comércio agora, seria violação desses contratos. E quem deposita a taxa é o importador e não o exportador, ou seja, as empresas americanas. É violatório em todos os sentidos, não só em relação à OMC, mas com relação aos próprios contratos.

A presidente mexicana foi hábil, dando ao presidente Trump um argumento para os seus eleitores com o aumento dos efetivos da Guarda Nacional na fronteira. A economia mexicana é muito dependente dos Estados Unidos. No Canadá, as ameaças americanas estão alimentando uma onda de nacionalismo econômico. Nesse momento há uma grande campanha, não apenas governamental, de substituição de produtos americanos por canadenses e de mudança de destino das próximas férias para ficar no país, segundo uma reportagem publicada ontem no Financial Times. Sobre a China, o projetado aumento de 10% não faz cócegas na competitividade do produto chinês.

— A tarifa de 10% para a China não tem o menor efeito. A China tem uma folga para exportar que deve ser de 30%.

O comércio americano é estruturalmente deficitário, o que sempre foi uma das alavancas da economia americana, como explica o embaixador Graça Lima.

— O déficit comercial americano é plenamente compensado pelos investimentos, por outros itens que incorrem no balanço de pagamentos e que fazem os Estados Unidos mais ricos. Os Estados Unidos continuam sendo a maior economia do mundo em grande parte graças a esse déficit comercial. O que Trump está ameaçando fazer tem apelo eleitoral, mas a economia fica obviamente prejudicada.

Há um terrível precedente histórico. No crash da Bolsa de Nova York, os Estados Unidos elevaram as tarifas comerciais, e isso aprofundou a depressão e expandiu as fronteiras da crise. Portanto, um caminho perigoso para todos.

O Brasil tem déficit com os EUA, mas em um cenário de guerra comercial não há local seguro nem situação confortável para país algum. Ainda mais porque o Brasil tem um nível muito alto de tarifas no comércio internacional.

Graça Lima, com quem falei antes da decisão anunciada pela presidente do México, disse que não acredita no cenário de guerra comercial e já apostava que haveria negociação entre os países. De qualquer maneira, Trump tem colocado em prática as propostas mais extremadas e seu poder de desorganizar a economia mundial e americana é enorme.

O dia no Brasil começou com o dólar subindo, por causa de todo o ruído, mas depois da decisão sobre o México, fechou em queda pelo décimo primeiro dia consecutivo. Isso é fundamental para o país. Em janeiro, o real foi a moeda que mais recuperou valor em relação ao dólar, 5,6%, o que derrubou os preços por atacado. O IGP-M de produtos agropecuários teve uma queda forte em janeiro. Isso pode reduzir a inflação ao consumidor.

 

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