terça-feira, 4 de fevereiro de 2025

A tempestade perfeita da Europa - Rana Foroohar

Valor Econômico

O continente precisa de sua própria estratégia industrial para lidar com os desafios da China e dos EUA

As discussões sobre competitividade estão no centro do debate na Europa neste momento. A nova Bússola para a Competitividade da Comissão Europeia, resposta ao relatório Draghi, defende que a UE desenvolva sua própria infraestrutura de inteligência artificial (IA), intensifique a política industrial e termine o trabalho de integração do mercado único. Objetivos válidos, sem dúvida, mas com uma americana chegando ao aeroporto de Bruxelas na semana passada, tudo o que consegui pensar foi: “Por que a fila do controle de passaportes demora três horas?”

Isso não é apenas uma reflexão isolada de uma forasteira (pelo menos não só isso). Vivi e trabalhei na Europa por dez anos, justamente quando a moeda única foi introduzida. Foi um período de otimismo. Mas desde então a Europa tem ficado atrás dos EUA em praticamente todos os indicadores econômicos, do crescimento à renda per capita, o tamanho dos mercados de capitais e o número de empresas de tecnologia de alto valor.

As notícias não são todas ruins. A inflação está caindo, é verdade, e na Alemanha e no Reino Unido, os mercados de ações se beneficiaram um pouco com a eleição de Donald Trump, à medida que os investidores buscam maneiras de diversificar suas aplicações. Mas quando o continente fica tão dolorosamente preso entre as ameaças tarifárias dos EUA e a avalanche de veículos elétricos da China, vale a pena olhar atentamente para o que a Europa pode fazer para mudar fundamentalmente sua trajetória econômica - se é que poderá fazer.

Posso dizer que Wall Street está desesperada para encontrar um motivo para investir na Europa. Os mercados dos EUA se tornaram muito concentrados e vulneráveis a choques como o que vimos na semana passada, quando as ações de tecnologia caíram. Os EUA também estão atrasados em uma recessão, que o presidente Trump poderia facilmente desencadear com suas ações erráticas. Mas os investidores querem crescimento. E os números do PIB da zona do euro divulgados na semana passada mostraram que o crescimento regional estagnou, liderado por contrações na Alemanha e França.

Os investidores não são os únicos que querem diversificar. A Europa, por sua vez, sabe que precisa de mais independência das gigantes tecnológicas dos EUA - e por razões tanto econômicas como políticas. Em uma conferência sobre competitividade de que participei na semana passada em Bruxelas, o economista Benoît Curé, chefe da autoridade de competição da França, refletiu que o enfraquecimento da CMA do Reino Unido, agora comandada por um ex-executivo da Amazon, é “um sinal de alerta” sobre como a influência política pode solapar a soberania nacional.

Depois da crise de 2008, a Europa cometeu um erro crítico ao se afastar dos esforços para criar mais demanda interna optando em vez disso por reforçar as exportações. Como a China e os EUA estão reforçando seus setores manufatureiros, a Europa agora está em uma situação difícil

Trump deixou claro que vê os esforços europeus para regulamentar as grandes empresas de tecnologia dos EUA como um imposto injusto sobre a inovação americana. A resposta óbvia a tal intimidação é a Europa dar um salto em seu próprio setor de tecnologia. O relatório da Bússola propõe às “gigafábricas de IA” aumentar a capacidade computacional, além de empreender novos esforços para fortalecer a biotecnologia, a robótica e as tecnologias quântica e espacial. Parlamentares e CEOs presentes na conferência disseram que a UE deveria harmonizar a regulamentação e construir sua própria infraestrutura digital, para não se tornar uma “colônia” tecnológica.

Novamente, esses são objetivos excelentes. Mas eles também me lembram da conversa que a Europa vem tendo há duas décadas sobre a integração dos mercados de capitais, aprofundamento dos laços transfronteiriços nos setores de serviços e criação de uma verdadeira união fiscal. Até aqui, 2005 demais.

Mas não há mais tempo. Depois da crise financeira, a Europa cometeu um erro crítico ao se afastar de seus esforços para criar mais demanda interna e inter-regional, optando em vez disso por reforçar as exportações. Como a China e os EUA estão reforçando seus próprios setores manufatureiros, a Europa agora se encontra em uma situação difícil. Até mesmo os setores de exportação mais competitivos começam a enfrentar o próprio “choque da China”.

A produção da Alemanha está em declínio há cinco anos, conforme observado em um novo relatório de Sander Tordoir, o economista-chefe do Centre for European Reform, e o economista americano Brad Setser. As práticas industriais desleais da China (incluindo o acesso a empréstimos a taxas inferiores às do mercado, matérias primas e mão de obra artificialmente baratos) estão criando um choque de crescimento de mão de obra semelhante ao que Detroit sofreu décadas atrás. A Europa agora é um local privilegiado para o despejo de produtos, e como o setor industrial na Alemanha representa 20% da economia e 5,5 milhões de empregos, isso é insustentável tanto do ponto de vista econômico quanto político.

O que fazer? O continente precisa de mais integração de mercado e harmonização regulatória, mas também de uma cartilha de comércio e crescimento fundamentalmente nova. Ele precisa investir em sua própria infraestrutura de IA, mas também trabalhar com os EUA e outros países afetados pelas exportações baratas chinesas, como o Brasil e a Turquia. Há algumas coisas, como o problema do “dumping” chinês, sobre as quais todos deveriam chegar a um consenso.

Há frutos fáceis de colher em outros lugares. Por exemplo, os europeus deveriam parar de usar seu dinheiro de subsídios verdes para coisas como bombas de calor ou veículos elétricos feitos na China. A União Europeia precisa de algumas disposições do tipo “compre produtos europeus”. Elas poderiam ser organizadas centralmente, o que poderia ser o início de uma abordagem compartilhada para a estratégia industrial.

A Alemanha seria a mais beneficiada. Mas em troca desses subsídios, teria que repensar sua própria estratégia para o crescimento e o comércio. Como aconselham Setser e Tordoir, ela poderia apoiar a fiscalização do FMI sobre países com superávits comerciais persistentes e excessivamente grandes.

Tudo isso representa uma grande mudança no status quo da Europa. Mas ela não tem mais escolha. A maior competitividade agora faz parte da sobrevivência. (Tradução de Mário Zamarian)

*Rana Foroohar é editora do Financial Times em Nova York.

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