Tarifas de Trump terão efeito nefasto em todo o mundo
O Globo
Não se sabe até que ponto ele levará a cabo
suas ameaças, mas uma guerra comercial terá custo alto para todos
No que diz respeito às tarifas, ninguém pode
acusar Donald
Trump de estelionato eleitoral. Ele foi explícito na campanha à
Presidência ao dizer que taxaria produtos importados de Canadá, México e China.
Ao pôr a promessa em prática, explora politicamente o ressentimento de quem se
sente alijado dos benefícios da integração comercial. Para os Estados Unidos e
para o mundo, porém, o efeito será péssimo. Com diagnóstico contrário à ciência
econômica, Trump faz pouco-caso das consequências potencialmente devastadoras.
A reação ao tarifaço levanta o risco de uma guerra comercial sem precedentes em
quase cem anos.
Depois da ameaça inicial, Trump congelou por um mês as tarifas impostas sobre México e Canadá. Nesse prazo, os países buscarão consenso sobre medidas de segurança na fronteira. Em discurso emocionante, o primeiro-ministro canadense, Justin Trudeau, fizera questão de lembrar o longo histórico de parceria com os americanos: “Das praias da Normandia às montanhas da Península Coreana, dos campos de Flandres às ruas de Kandahar, nós, canadenses, lutamos e morremos ao seu lado”. E lembrou que o Canadá é rico em minerais estratégicos para a economia digital. Não se sabe até que ponto Trump levará a cabo suas ameaças, mas perder o apoio canadense, implodir a área de livre-comércio na América do Norte ou deflagrar uma guerra comercial de proporções globais terá custo altíssimo para todos — a começar dos americanos.
Quem apoia as tarifas argumenta que os
Estados Unidos perderam mais de 5 milhões de empregos industriais desde o fim
dos anos 90. Sustenta que, nas últimas quatro décadas, o país importou mais que
exportou. Alega que quem tem superávit comercial — sobretudo a China — exporta
desemprego para os americanos, portanto a solução é elevar as tarifas. De
acordo com estudo da Tax Foundation, elas renderiam ao redor de US$ 100 bilhões
por ano e, segundo a Casa Branca, incentivariam a criação de empregos locais.
O certo é que o tarifaço pressionará os
preços dos importados para cima. Mantido o mesmo padrão de consumo, uma típica
família americana gastará entre US$1.700 e US$ 2.600 a mais por ano. Isso sem
contar o efeito inflacionário da deportação de imigrantes, que tornará mais
cara a mão de obra. Embora exista nostalgia dos empregos industriais do
passado, é incerto se as tarifas incentivarão a reindustrialização na medida
sonhada e, principalmente, se os americanos aceitarão vagas abertas. O trabalho
em atividades de produção, transporte e movimentação de materiais atrai hoje
mais imigrantes (legais e ilegais).
A decisão de Trump ignora a ciência
econômica. No início do século XIX, o economista inglês David Ricardo provou
que a especialização de cada país nas atividades em que tem vantagens
comparativas, com trocas livres nos mercados, é benéfica para todos. O comércio
internacional não é um jogo de soma zero, em que ganhos de uns equivalem a
perdas para os demais. Déficits ou superávits comerciais não refletem sucesso
ou fracasso, mas escolhas de consumo dos cidadãos de cada país. Eventuais
distorções provocadas pelo comércio devem ser corrigidas por políticas que nada
têm a ver com tarifas. O remédio populista adotado por Trump já foi usado no
passado. A história mostra que causa mais sofrimento.
Morte de policial chama atenção para risco
das operações nas favelas
O Globo
Ao discutir tema, Supremo precisa estar
atento a quem está na linha de frente do combate ao crime
Não pode se tornar apenas mais uma
estatística a morte do tenente da PM Marcos José Oliveira de Amorim, de 33
anos, em operação policial na Zona Norte do Rio na última sexta-feira. Ele foi
o quinto PM morto na Região Metropolitana do Rio só neste ano, o segundo em
combate a criminosos. No ano passado, ao menos dez policiais morreram em
operações. Os números expõem a rotina de risco a que são submetidos
diariamente.
A polícia fluminense costuma ser criticada —
e não sem razão — pelos altos índices de mortes nas operações que realiza. Mas
a letalidade policial tem caído no Rio — em 2024, 20% em relação a 2023,
atingindo o menor número desde 2015. As restrições a operações nas favelas
impostas pelo Supremo Tribunal Federal (STF) contribuíram para isso. Ao mesmo
tempo, poucos lembram que policiais também são vítimas da guerra contra o crime
que fustiga a população. É fundamental que os ministros do STF levem tais riscos
em conta no julgamento da ADPF das Favelas, previsto para amanhã.
O risco que os policiais correm é agravado
por operações nem sempre bem planejadas ou executadas — quando não vazadas para
os bandidos. Elas expõem a vida não só dos policiais na linha de frente, mas
também a de inocentes nas comunidades dominadas por facções criminosas. “Nossa
polícia ainda vai às favelas para matar e morrer. Deixa inocentes pelo caminho
em troca de apreensão de uma ou outra arma. Isso não faz diferença para a
economia das organizações criminosas”, escreveu em artigo no GLOBO o empresário
Eduardo Eugenio Gouvêa Vieira, presidente do Conselho Superior da Federação das
Indústrias do Estado do Rio de Janeiro (Firjan).
O despreparo e a falta de planejamento
ficaram evidentes em operação de outubro passado no Complexo de Israel, na Zona
Norte do Rio. Mais bem preparados que as forças de segurança, traficantes
levaram a polícia a recuar depois de instalarem o caos na cidade. Três cidadãos
morreram e três ficaram feridos em meio à chuva de balas. A própria PM
reconheceu não dispor de informações sobre a situação que encontraria no local.
O combate ao crime organizado exige operações
em territórios sequestrados por milícias e facções criminosas. Mas elas
precisam ser resultado de investigações com uso de inteligência e tecnologia,
mirando as fontes de recursos do crime organizado, de modo a asfixiá-lo
financeiramente. A guerra diária que vitima policiais e cidadãos não tem
surtido efeito na criminalidade.
A PM afirma ter comprado 1.342 capacetes e 20 mil coletes para proteger os policiais, além de ter encomendado novas viaturas semiblindadas. São medidas necessárias, mas insuficientes para evitar mortes de policiais em comunidades fortemente armadas. O combate às organizações criminosas demanda novas estratégias e não pode ficar restrito às sobrecarregadas polícias estaduais. Traficantes e milicianos não serão vencidos se não houver um trabalho conjunto consistente do governo federal com os estados, usando todas as forças disponíveis.
Trump dá início à guerra comercial com
negociações
Valor Econômico
Livre de amarras e rodeado de adoradores, Trump no poder tende a semear o caos - e já começou sua obra
Para quem prometeu uma “revolução do bom
senso”, os primeiros passos do governo de Donald Trump estão distantes da
trilha da razão. O presidente dos Estados Unidos escolheu como primeiro alvo
seus principais parceiros comerciais, com os quais tem um acordo comercial em
vigor: fixou tarifas de importação de 25% para Canadá e México, e de 10% sobre
a China, mantidas as tarifas já majoradas antes. Os motivos são mais políticos
que econômicos - imigrantes e drogas demais - e em parte infundados. A entrada
irregular de pessoas e fentanil pelo Canadá não é relevante. Trump disse que
“em definitivo” vai taxar a União Europeia e em seguida adiou as tarifas que
seriam aplicadas ao México a partir de hoje. Após negociação com o
primeiro-ministro Justin Trudeau, deu o mesmo prazo ao Canadá. Bolsas, títulos
e moedas tiveram altos e baixos com as mudanças de humor do presidente.
Não importam os motivos, é bom para a
economia global que a guerra comercial generalizada que está no centro do
programa de Trump seja adiada. No caso do México e Canadá, ele postergou por 30
dias as medidas depois de a presidente do México, Claudia Scheinbaum, e Trudeau
prometerem enviar 10 mil soldados para as fronteiras com os EUA para conter o
fluxo de fentanil. Isso não resolverá o problema da imigração ilegal e da ação
dos cartéis das drogas em território americano, mas dá a Trump a satisfação midiática
de que suas ameaças produzem resultado.
Os sinais enviados pelos primeiros shows de
Trump, no entanto, são péssimos, mesmo previsíveis. Os EUA vão tornar mais
caras 45% das importações de alimentos, provenientes do México e do Canadá, e
cerca de 43% de todos os bens que o país compra, somando-se as mercadorias dos
vizinhos e as da China. O acordo comercial, primeiro Nafta e depois USMCA, como
era seu objetivo, promoveu uma especialização produtiva que trouxe alguns
benefícios aos três países. As declarações de Trump de que os superávits comerciais
de Canadá e México são “subsídios” que Washington lhes dá ultrapassam as
fronteiras da ignorância. Suas provocações sucessivas de que o Canadá será o
51º Estado americano são repulsivas e estabelecem mais um marco deplorável na
forma como Trump enxerga o mundo e o poder.
As ideias do presidente não têm pé nem
cabeça. Taxação generalizada de produtos supõe que os EUA possam produzir ou
serem autossuficientes em tudo, o que é tão absurdo quanto julgar que altas
tarifas de importação tornarão o país “rico” ou que achar que déficits
comerciais são formas de outros países extorquirem os americanos.
Avaliadas as consequências, especialistas
veem o risco de a guerra comercial de Trump levar o México à recessão e
possivelmente o Canadá - ambos têm exportações para os EUA equivalentes a 25%
ou mais do PIB. Mas uma grande vítima dos delírios de Trump serão os EUA.
Analistas estimam que o crescimento do PIB americano possa perder entre 0,5
ponto e 1 ponto em 2025 se ele cumprir já suas promessas, e a inflação, com a
elevação dos preços dos produtos importados provocada pelas tarifas, subirá de
0,5 ponto a 0,75 ponto de onde está, em 2,5%. Com isso, o Fed interromperá os
cortes de juros. Preços mais altos, desaceleração da economia e política
monetária contracionista retrairão o emprego e a renda do consumidor, que tem
sustentado a força da economia até agora.
O estilo “transacional” de Trump é o de
negociar em posição de força com ameaças, falsidades e grosserias para obter o
que quer, o que nem sempre é sequer claro. A truculência de Trump afasta
aliados, ajuda a fortalecer China e Rússia, e une a maior parte dos países na
desconfiança sobre a confiabilidade dos acordos feitos com ele. Sua política
destrói a ordem internacional erigida pelos EUA, mas nada coloca em seu lugar.
As tarifas são ameaça à economia mundial, mas
não o único malefício causado por Trump. Ele está erodindo rapidamente o
sistema de pesos e contrapesos que garantiu a democracia americana por décadas,
seja demitindo todos os advogados que trabalharam com Jack Smith no processo
contra Trump da invasão do Capitólio em 6 de janeiro de 2021, seja com seu
governo emitindo comunicados em que incentiva funcionários públicos a deixarem
seus empregos para trabalhar na iniciativa privada, sob o argumento de que lá serão
mais produtivos.
O homem mais rico do mundo, Elon Musk, que
tem contratos milionários com o Estado, ganhou acesso ao sistema de pagamentos
do Tesouro, algo típico de república de bananas, e intimida abertamente quem se
põe no seu caminho, inclusive deputados e senadores republicanos.
A carga destrutiva das políticas de Trump
será incapaz de pôr a “América em primeiro lugar”, posição que está prestes a
partilhar a contragosto em um mundo que tende à multipolaridade, e no qual a
supremacia americana se torna cada vez mais coisa do passado. Mas livre de
amarras e rodeado de adoradores, Trump no poder tende a semear o caos - e já
começou sua obra.
Fraqueza de Haddad se deve à
política econômica de Lula
Folha de S. Paulo
Presidente é o real titular
da Fazenda; a despeito de declarações sensatas, ministro não pode se contrapor
à gastança
Podem-se apenas formular
hipóteses sobre os motivos que levaram o presidente do PSD, Gilberto
Kassab, a fazer crítica pública ao ministro Fernando
Haddad, chamado
de fraco por não ter o comando da política econômica. Tal exercício
especulativo será dificultado pela maleabilidade do líder partidário, dado a
jogar ao centro, à esquerda e à direita.
Na essência, porém, a
declaração suscita questões pertinentes quanto ao papel de titulares da Fazenda
em geral —não raro os ministros de Estado de maior visibilidade no noticiário
nacional— e do atual em particular.
Dos ocupantes do cargo
espera-se, idealmente, que sejam capazes de expor com autoridade as diretrizes
e os próximos passos da gestão da economia; de
transmitir segurança quanto ao cumprimento de compromissos; de falar com o
respaldo do presidente da República sobre sua área.
Haddad realmente não faz das
melhores figuras nesses quesitos —e isso independe de não ser um especialista,
pois entre os ministros mais fortes das últimas décadas estão o sociólogo Fernando
Henrique Cardoso (PSDB), que foi uma
espécie de premiê do Plano Real, e o médico Antonio
Palocci (ex-PT),
que contrariava com desenvoltura as teses do partido que ajudou a fundar.
Haddad, embora tenha
conquistado respeito fora do governo por afirmações responsáveis, com
frequência é obrigado a ressalvar que ainda aguarda o sinal verde de Luiz
Inácio Lula da
Silva (PT) para levar a cabo esta ou aquela medida. Não poucas vezes, aliás, o
chefe desautorizou abertamente os planos do auxiliar.
Existem peculiaridades no
caso de Haddad. Trata-se de um quadro importante do partido, que chegou ao
ponto de substituir Lula na disputa presidencial de 2018. Ao mesmo tempo,
precisa conviver com as contestações de correligionários que incluem ninguém menos
que a presidente do PT, Gleisi Hoffmann, ora cotada para uma vaga na Esplanada.
Durante entrevista coletiva,
o mandatário respondeu
às farpas de Kassab com longos elogios ao ministro, que pareceram mais
protocolares. Na mesma ocasião, disse que, se depender só dele, não haverá
novas medidas para conter o déficit do Orçamento. O trecho no condicional não
deixa de abrir alguma possibilidade de influência da Fazenda.
Desde o início deste
governo, os comportamentos de Haddad e Lula se repetem. O primeiro, ainda que
diplomaticamente, mostra
ter consciência da péssima situação das contas públicas e acena com
ajustes mais ambiciosos, enquanto o segundo desdenha sem meias palavras da
austeridade fiscal e, quando muito, permite algum remendo aqui e ali.
Esse vaivém talvez tenha lá
seu sentido para as maquinações palacianas e eleitorais do presidente. Para a
política econômica, como se mostra óbvio a esta altura, o resultado é perda
contínua de credibilidade que leva de roldão o ministro, a solvência do governo
e a estabilidade do país.
Trump usa até tragédia aérea
para guerra cultural
Folha de S. Paulo
Ao manipular acidente para
atacar, sem prova, política de diversidade, presidente mina instituições e
acirra polarização
O mundo ainda assistia em
choque às imagens do helicóptero do Exército americano que colidiu
com um avião prestes a pousar em Washington quando Donald Trump resolveu
comentar o caso.
O presidente republicano
deixou de lado os pudores que devem acompanhar qualquer avaliação de acidente
aéreo e apontou
o dedo para um culpado da tragédia que vitimou 67 pessoas na quarta
(29): a cultura "woke".
O termo,
"desperto" em português, se refere a políticas identitárias no país.
Para Trump, o fato de a agência que regula o setor nos EUA (FAA) promover
contratações de deficientes foi o fator central do episódio.
Sem nenhuma evidência para
sustentar tal acusação, o mandatário americano desconsidera os fatos em nome de
sua guerra cultural contra o chamado progressismo. A FAA tem 45 mil
funcionários, 14 mil deles controladores que passam por no mínimo dois anos de intenso
treinamento, e um número ínfimo faz parte do programa inclusivo.
Trump é reincidente. Em
2015, quando era pré-candidato a presidente, imitou um repórter que tinha uma
doença congênita. Na campanha de 2024, chamou a rival Kamala Harris de
"retardada".
Não que as políticas
identitárias nos EUA e no mundo, que não raro descambam para patrulhas
ideológicas agressivas e políticas públicas equivocadas, devam ficar à margem
de críticas.
Mas não é de análise sensata
e debate fundamentado que se trata a situação atual. As ligeirezas
preconceituosas de Trump são parte de um método político.
Ato contínuo ao ataque à
FAA, ele ainda aventurou-se a dizer que a inflação elevada no país também
estava relacionada à prioridade dada pelo Federal Reserve (Fed, o banco central
americano) à agenda "woke".
Na mitologia trumpista, o
esquerdismo está imbricado na estrutura governamental —o dito Estado Profundo—
e precisa ser extirpado. Com esse objetivo, designou o bilionário
excêntrico Elon
Musk para destrinchar o funcionalismo americano.
O foco anti-imigração nesta
largada de governo e a aposta
protecionista e xenofóbica em guerras comerciais tarifárias corroboram
suspeitas de que haveria um projeto maior em curso.
Quando isso afeta instituições respeitadas, como a FAA e o Fed, além do já relatado efeito espraiado sobre o setor privado e suas inúmeras ações de diversidade, o que poderia ser um debate legítimo transforma-se em campanha disruptiva que polariza ainda mais o cenário político dos EUA e demanda vigilância permanente.
A sagração do orçamento secreto
O Estado de S. Paulo
Mais que os triunfos pessoais de Hugo Motta e
Davi Alcolumbre, eleição para presidências da Câmara e do Senado representou a
perpetuação de um modelo de poder fora de controle
O deputado Hugo Motta (Republicanos-PB) e o
senador Davi Alcolumbre (União-AP) já entraram no Congresso, no sábado passado,
sendo cumprimentados como os novos presidentes da Câmara e do Senado,
respectivamente. Competindo contra adversários fictícios, na prática, há meses
a vitória de ambos na eleição para o comando das duas Casas Legislativas pelos
próximos dois anos eram favas contadas, sendo incertos apenas os placares de
votação. Motta foi eleito com 444 votos (86% do plenário da Câmara), enquanto Alcolumbre
recebeu 73 votos (90% do plenário do Senado).
Em que pese a expressividade desses números,
a eleição não representou os triunfos pessoais de Motta e Alcolumbre. O que se
viu foi a sagração do orçamento secreto. Tanto o deputado como o senador só
foram eleitos praticamente por aclamação – unindo do PT de Lula da Silva ao PL
de Jair Bolsonaro – porque por trás de seus nomes há grupos políticos muito bem
articulados, independentemente de suas eventuais divergências ideológicas,
interessados na perpetuação de um modelo de exercício do poder fora de qualquer
tipo de controle.
Frise-se: o grande vitorioso na eleição para
as Mesas da Câmara e do Senado foi o orçamento secreto. O tom corporativista
dos discursos de Motta e Alcolumbre, em certos momentos afrontosos aos demais
Poderes, sobretudo ao Supremo Tribunal Federal (STF), não deixou margem para
dúvidas de que o Congresso, lamentavelmente, já não é mais a ermida da
representação política da sociedade e da Federação, rebaixado que foi à
condição de sindicato de uma expressiva parcela de parlamentares sôfregos por
cada vez mais recursos públicos.
Restou evidente na aclamação de Hugo Motta e
Davi Alcolumbre – que, malgrado ser Davi, é uma espécie de “Golias” do
orçamento secreto no Senado – que a preocupação maior dos deputados e senadores
não é outra senão a apropriação de um volume cada vez maior de recursos por
meio de emendas ao Orçamento da União indicadas, distribuídas e executadas de
forma opaca, em respeito a sabe-se lá quais critérios. Nesse sentido, não
deveria causar espanto a ninguém a união fraternal entre lulistas e
bolsonaristas em torno das candidaturas de Motta e Alcolumbre, pois o que
passou a interessar aos parlamentares é a composição das comissões da Câmara e
do Senado, fóruns por onde ora circula a dinheirama na versão “revista e
ampliada” do orçamento secreto.
Mudanças em relação às gestões de Arthur Lira
(PP-AL), na Câmara, e de Rodrigo Pacheco (PSD-MG), no Senado, se houver,
estarão circunscritas ao estilo de negociação dos novos presidentes das duas
Casas Legislativas com o STF e o governo. Ao que tudo indica, Motta e
Alcolumbre vieram com a missão de compor com o Supremo não apenas a liberação
do pagamento de emendas represadas por ordem do ministro Flávio Dino, como a
própria manutenção do esquema, talvez em novo formato. Algum acerto haverá,
pois não há o mais tênue sinal de que o Congresso abdicará do poder que
acumulou sobre o Orçamento na última década – apenas para 2025, está-se falando
de R$ 50 bilhões destinados às emendas. Ao mesmo tempo, a Corte decerto está em
busca de uma saída honrosa para esse falso impasse, por inconstitucional desde
a origem, de maneira a não sair desmoralizada diante de um flagrante ataque aos
princípios mais comezinhos da Lei Maior.
Não menos importante, é digna de registro a
indigência do governo de Lula da Silva no desenrolar dessa eleição. O
presidente da República foi levado a reboque dos acontecimentos, tendo de se
sujeitar aos nomes impostos pelos partidos para o comando da Câmara e do Senado
porque não tinha alternativa, restando-lhe contar com o eventual apoio político
do STF para tentar reaver algum tanto do poder que perdeu para o Congresso.
Ao fim e ao cabo, venceram Motta, Alcolumbre
e os grupos políticos que ambos representam, mas não em prol de uma agenda
virtuosa para o País – algo que, a bem da verdade, também está em falta no
Palácio do Planalto –, e sim de um poder insubmisso à Constituição.
O ativismo do STF em números
O Estado de S. Paulo
Desde 2019, a Corte declarou 78 omissões
inconstitucionais dos demais Poderes, contra apenas 62 entre 1990 e 2018. Isso
dá a dimensão da disposição do STF de se intrometer na seara política
O ativismo do Supremo Tribunal Federal (STF),
entendido por parte expressiva da sociedade como um dos principais vetores de
degradação institucional do País, foi medido em números. O Estadão apurou
que, de 2019 até agora, o STF já declarou 78 omissões inconstitucionais, vale
dizer, lacunas de providência de outros Poderes, notadamente do Legislativo,
para a concretização dos preceitos inscritos na Constituição. Isso representa
uma média de 13 declarações de omissão por ano, praticamente uma por mês no
período avaliado. Para dar uma ideia de quão aberrante é esse número, o Supremo
declarou apenas 62 omissões inconstitucionais entre 1990 e 2018, o que equivale
a cerca de duas por ano, em média, no decorrer de quase três décadas.
À luz dos fatos, é incontornável observar um
liame entre o crescimento vertiginoso do número de declarações de omissão
inconstitucional nos últimos seis anos e a disposição da atual composição do
STF de se envolver em questões que, noutros tempos e sob o crivo de outros
ministros, decerto teriam sido deixadas a cargo da política. O registro desse
nexo causal, porém, não deve surpreender ninguém. Afinal, nem a própria Corte
esconde seu engajamento em uma autoatribuída missão de definir os rumos da vida
nacional em uma miríade de exorbitâncias. Ao contrário. Por vezes, o orgulho de
um suposto papel de “empurrar a história”, como disse certa vez o ministro
presidente da Corte, Luís Roberto Barroso, chega às raias da soberba.
Evidentemente, em certos casos o Supremo não
só pode, como deve agir diante de uma omissão inconstitucional. Ou o Poder
Legislativo, por óbvio, não teria previsto esse instrumento de controle de
constitucionalidade. A razão para isso é simples. Todo o ordenamento jurídico
se submete à supremacia da Lei Maior, donde se conclui que os Poderes da
República não podem ir além e tampouco ficar aquém de suas atribuições e
prerrogativas. São elas, afinal, que materializam o texto constitucional na
vida cotidiana do País, resguardando direitos e fazendo cumprir deveres. O
busílis está na medida. Tal como um remédio, a diferença entre a saúde
democrática e a doença institucional está na dose do avanço do Supremo sobre
questões que, originalmente, não lhe são afeitas.
A Corte já teve esse equilíbrio. Logo, pode
voltar a tê-lo. Prova disso é o número relativamente baixo de declarações de
omissão inconstitucional até o fim de 2018. Houve casos em que o STF não apenas
declarou a lacuna do Legislativo, como também atuou como legislador positivo,
mas com prudência. Um bom exemplo foi o julgamento de três mandados de
injunção, em 2007, que regulamentou o direito de greve do funcionalismo público
– previsto na Constituição, mas carente de regulamentação (a propósito, tramita
na Câmara o Projeto de Lei Complementar 45/2022). Àquela época, o STF não se
eximiu de assegurar o direito de greve dos servidores e fixou regras para seu
exercício, mas deixou claro que sua decisão prevaleceria até que deputados e
senadores decidam sobre o tema.
Esse cuidado republicano parece ter ficado no
passado. Especialistas ouvidos pelo Estadão destacaram que o STF
adotou uma atitude mais “expansiva”, não se limitando a declarar uma omissão
inconstitucional, mas passando a legislar no lugar dos próprios legisladores
sobre variada gama de questões, da criminalização da homofobia à demarcação de
terras indígenas, passando pela quantidade de maconha que um cidadão pode
portar. “Os ministros têm ampliado cada vez mais a interpretação de seus
próprios poderes constitucionais”, disse o jurista Diego Werneck, pesquisador
do Insper.
Para citar um exemplo recente de abuso na
interpretação de uma suposta omissão do Congresso, veja-se o ímpeto do STF para
reescrever o Marco Civil da Internet, à guisa de regulamentar as redes sociais.
Ora, se o Congresso ainda não o fez, é porque entendeu não ter chegado a um
consenso sobre a matéria, uma decisão política legítima contra a qual a Corte
não tem nada a fazer.
O que Lula quer da Vale
O Estado de S. Paulo
Elogios de Lula à Vale encobrem intenção de
transformá-la em financiadora de seus projetos
Ao assumir publicamente a trégua recentemente
selada com a Vale, o presidente Lula da Silva deixou explícito o preço do
armistício: a participação direta da empresa em programas governamentais.
Chegou a citar iniciativas ligadas à transição energética e à exploração de
minerais críticos, ambas com projetos em curso. Para Lula, a Vale deixou de ser
“governada” de forma “muito irresponsável” e agora “se dispõe a ter um novo
comportamento”.
Lula nunca engoliu a privatização da Vale, há
quase 30 anos. Recentemente, disse que a empresa era “motivo de orgulho” quando
era estatal e que agora, por ser privada e com controle pulverizado, “não tem
um dono” com quem o governo possa falar – e sobre quem possa exercer pressão
para atender aos projetos de Lula, claro. O petista já declarou que “as
empresas brasileiras precisam estar de acordo com aquilo que é o pensamento de
desenvolvimento do governo brasileiro”. Incansável, Lula tentou emplacar um sabujo
seu na direção da Vale – até o ex-ministro Guido Mantega foi aventado –, sem
sucesso.
A nova direção da Vale, porém, já deu sinais
de que a pressão de Lula funcionou de alguma forma, pois houve uma clara
tentativa de aproximação com o governo.
Lula quer ter voz ativa na Vale. Não parece
nem um pouco incomodado com o prejuízo ao ambiente de negócios que sua
obstinação cria, desde que mantenha aberto um canal de financiamento a projetos
governamentais, que certamente não ficarão restritos aos segmentos que citou,
escolhidos a dedo por fazerem parte do escopo da Vale.
O anúncio de que vai convocar uma reunião com
representantes do governo e da empresa para discutir “como é que a gente vai
vencer os obstáculos de mineração que a Vale está enfrentando”, mais do que
selar a paz, eliminou qualquer dúvida que pudesse haver sobre relações de
troca.
Desde que Gustavo Pimenta, ex-vice-presidente
Financeiro e de Relações com Investidores, assumiu a presidência da empresa,
foram firmados acordos para dois “obstáculos” importantes que estavam
emperrados: o pagamento de recursos adicionais ao governo para manter a
concessão das ferrovias Vitória-Minas e Carajás, seus dois grandes canais de
escoamento de minério, e o acordo definitivo de reparação pelo rompimento da
barragem de Mariana, em 2015.
Pimenta esteve em Brasília na última semana
em uma conversa que Lula definiu como “extraordinária”. “Eu fiquei muito
contente com a impressão que me passou o presidente da Vale, e nós queremos
discutir várias coisas para fazer com que a Vale volte a produzir mais minérios
e volte a ser a primeira ou a segunda no mercado internacional”, afirmou.
Esperto, Lula quer emplacar a versão de que se trata de um ganha-ganha entre o governo e a Vale, sem mencionar temas sensíveis como o apoio compulsório à indústria naval e investimentos em siderurgia, que foram pontos de atrito com a mineradora há duas décadas. A intenção mal disfarçada é fazer da Vale uma financiadora de seu projeto desenvolvimentista, como se estatal ainda fosse.
Criatividade para dar a volta por cima na
economia
Correio Braziliense
Para especialistas, a economia criativa tem
potencialidade para prosperar e reduzir significativamente o desemprego,
absorvendo brasileiros que, mesmo com pouco letramento, tem capacidade de
produzir arte de qualidade
Os brasileiros chamam a atenção pela
criatividade, povo conhecido por ser capaz de contornar as adversidades
conjunturais do momento e dar a volta por cima. Essa habilidade tem movimentado
a economia criativa, um segmento heterogêneo — que abrange artesanato, moda,
artes, cultura, mídia, entretenimento, gastronomia, inovação tecnológica,
informática, arquitetura e urbanismo — e com potencial para movimentar a
economia nacional. Estimativa mais recente indica que 8,2 milhões de pessoas
atuam no setor — conforme o Boletim de Emprego do Departamento Intersindical de
Estatística e Estudos Socioeconômicos (Dieese), divulgado no segundo trimestre
de 2024 —, responsável por 3,11% do Produto Interno Bruto (PIB) brasileiro,
segundo o Observatório Nacional da Indústria (ONI).
O Distrito Federal é um dos destaques
nacionais. É a segunda unidade federativa em percentual de trabalhadores da
economia criativa. Segundo o Dieese, 9,7% dos trabalhadores da capital (130 mil
formais) atuam no setor e produzem cerca de R$ 10 bilhões por ano, contribuindo
com 3,5% para o PIB local. Não à toa, o DF dispõe de políticas pública para a
economia criativa, como incentivos fiscais, programas e apoio ao
empreendedorismo — a exemplo o Fundo de Apoio à Cultura (FAC) e a Lei de
Incentivo à Cultura (LIC), no âmbito da Secretaria de Cultura e Economia
Criativa (Secec) —, além de contar com um elevado número de instituições
culturais, festivais, universidades e polos tecnológicos.
São Paulo lidera o ranking, com 9,8% dos
trabalhadores em ocupações criativas em relação aos ocupados. Em terceiro,
estão Rio de Janeiro e Ceará, com 9,3%; seguidos de Rio Grande do Sul (8,5%);
Santa Catarina (8,4%) e Paraíba (8,1%). Minas Gerais está na 17ª posição,
empatado com o Espírito Santo (7%).
Apesar de promissora, a economia criativa é
desafiante tanto na capital federal quanto em outras unidades da Federação. Ao
Correio o economista Riezo Silva lista uma série de desafios a serem vencidos,
como "maior acesso ao crédito, formação especializada e melhoria da
infraestrutura de espaços culturais e tecnológicos". Pouco menos da
metade, 42,2%, dos trabalhadores do setor encontrava-se na informalidade no
levantamento de 2024 — condição acima da média nacional considerando
todos os segmentos da economia, de 38,6%.
Para especialistas, esse segmento tem
potencialidade para prosperar e reduzir significativamente o desemprego,
absorvendo brasileiros que, mesmo com pouco letramento, têm capacidade de
produzir arte de qualidade. Isso vale também aos jovens, principalmente das
camadas mais empobrecidas das periferias urbanas, carentes de conhecimento,
profissionalização e renda. Há, ainda, a possibilidade de a economia
criativa romper a discrepância entre gêneros no país. Dados do governo revelam
que, das 98 milhões de pessoas economicamente ativas, 52% são mulheres. Porém,
só 46% delas têm espaço no mercado de trabalho formal, enquanto 66% dos homens
estão empregados.
São muitas as mães solo, as mulheres de meia-idade e as idosas que sobrevivem por meio do artesanato e das guloseimas nas ruas das cidades, mas com todas as dificuldades da informalidade. Políticas públicas direcionadas a esse público, linhas de financiamento acessíveis e projetos que estimulem a produção e o comércio colaborativos de produtos e serviços da economia criativa são alguns dos caminhos que podem ajudá-las a trabalhar, com segurança, por condições dignas de vida.
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