terça-feira, 4 de fevereiro de 2025

O biênio que ameaça implodir o conflito - Maria Cristina Fernandes

Valor Econômico

O motor do conflito é 2026. Executivo e Congresso querem manter o poder. Para isso, o governo precisa recuperar o Orçamento do qual os parlamentares não querem abrir mão

Parlamentares mais jovens na presidência de suas Casas Legislativas desde a redemocratização, o deputado Hugo Motta (Republicanos-PB), 35 anos, e o senador Davi Alcolumbre (União-AP), 47 hoje e 41 na primeira eleição, assumirão os mandatos mais conservadores de suas Casas. Visto que o Legislativo nunca usufruiu de tanto poder, terão a missão de conservá-lo.

Como mostraram Helio Tollini e Marcos Mendes, o Congresso executa 24% de toda a despesa discricionária do Orçamento (eram 2% dez anos atrás), feito sem paralelo no país e no mundo desenvolvido. Foi este estudo que levou o ministro Flávio Dino a calcular que o desarranjo institucional decorrente da hipertrofia das emendas custou aos cofres públicos R$ 186 bilhões nos últimos cinco anos.

A votação extraordinária - Alcolumbre obteve 73% a mais que na sua primeira eleição e Motta atingiu o patamar de 86% dos votos - é uma reiteração da força da qual estão investidos. A manutenção deste poder colide com o Executivo, ao contrário do que sugere o clima de congraçamento da primeira reunião dos dois parlamentares com o presidente na manhã desta segunda.

Por questionável, a legitimidade deste poder exige esmero na apresentação. Foi isso que ambos fizeram nos discursos do sábado. Com eleições asseguradas, desfilaram na avenida com fantasias distintas.

Alcolumbre repaginou o princípio constitucional que confere ao Senado a representação dos Estados. A estrela da federação, mencionada quatro vezes no seu discurso, é o município: “Minha luta será sempre para que os municípios ocupem o centro do arranjo federativo. Fortalecer o município é dar a cada cidadão o direito à cidade que é onde se constrói a verdadeira cidadania”.

Esta repaginada atende à configuração da hipertrofia do Legislativo em aliança com os municípios. Relatório encomendado por Dino à Controladoria-Geral da União mostrou que das dez cidades proporcionalmente mais beneficiadas com emendas, metade está no Amapá de Alcolumbre.

Neste relatório estão descritos os adereços da nova fantasia federativa: os municípios campeões em emendas acolhem prioritariamente aquelas de comissão e relator, que são também as mais opacas, e mais da metade das obras estão paralisadas ou nem se iniciaram.

Na Câmara, foi a vez de Motta se fantasiar de Ulysses Guimarães, que citou 15 vezes. No discurso em que se apresentou como candidato disse que o legado de Arthur Lira (PP-AL), seu antecessor, só era comparável ao de Ulysses. No agradecimento pela vitória mencionou 14 vezes o discurso com o qual Ulysses marcou a promulgação da Constituição de 1988, data em que ainda não havia nascido.

A onipresença de Ulysses deu-se num discurso que tomou de empréstimo a ideia de que o governo é formado pelo Executivo e pelo Legislativo. A fantasia valeu-se de adereços deslocados no tempo e no espaço. O discurso de Ulysses celebrou o marco legal da redemocratização depois de uma ditadura comandada pelo Executivo. Além disso, o pai da Constituição era um parlamentarista convicto, defensor de uma mudança de regime, não de uma ordem em que o Congresso usufrua dos direitos sem cumprir os deveres de quem governa. Portanto, nada mais fantasioso do que pretender transformar as atuais prerrogativas parlamentares no regime idealizado por Ulysses.

A reunião no Palácio do Planalto ainda não havia acabado quando Dino deu publicidade ao seu novo despacho sobre as emendas parlamentares. Trata-se, em resumo, da reiteração de exigências concernentes à transparência e rastreabilidade da execução orçamentária que manteve esticado o cabo de guerra entre o Congresso e o Supremo ao longo de 2024. A decisão manteve ainda a mobilização do Tribunal de Contas da União e da CGU para o acompanhamento das providências já apresentadas pelos parlamentares.

Como o despacho de Dino de 23 de dezembro previa a retomada de audiências conjuntas com o Congresso depois das eleições das mesas diretoras e da escolha dos líderes e presidentes de comissões, havia a expectativa de que o ministro marcasse a primeira reunião. Antes que este encontro ocorra, porém, Dino achou por bem reiterar as exigências descumpridas.

A força exibida pelo Congresso e a necessidade do Executivo de dar celeridade à cesta básica da pauta parlamentar - Orçamento e regulamentação da reforma tributária - pressionarão o STF. Só a inconstitucionalidade do orçamento impositivo reporia o equilíbrio dos Poderes. O tema, porém, requer representação de mais densidade social do que aquela emprestada pelo Psol à ação que tramita na Corte.

Some-se ao conflito contratado um Executivo já voltado para 2026, como mostrou o boné de Alexandre Padilha no sábado. “O Brasil é dos brasileiros” é uma provocação ao endeusamento de Donald Trump pelos bolsonaristas num momento em que a guerra tarifária e deportações humilhantes ameaçam o interesse nacional. A obsessão do Congresso por 2026 tem outro viés. Está focado em fazer caixa para a recondução dos mandatos parlamentares. O governo tem instrumentos para cooptá-los, como a exploração da Margem Equatorial nos Estados por ela banhados, mas, para o conjunto do Congresso, vai ser difícil viabilizar a recondução se tiver que prestar contas das emendas.

 

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