Valor Econômico
O motor do conflito é 2026. Executivo e
Congresso querem manter o poder. Para isso, o governo precisa recuperar o
Orçamento do qual os parlamentares não querem abrir mão
Parlamentares mais jovens na presidência de
suas Casas Legislativas desde a redemocratização, o deputado Hugo Motta
(Republicanos-PB), 35 anos, e o senador Davi Alcolumbre (União-AP), 47 hoje e
41 na primeira eleição, assumirão os mandatos mais conservadores de suas Casas.
Visto que o Legislativo nunca usufruiu de tanto poder, terão a missão de
conservá-lo.
Como mostraram Helio Tollini e Marcos Mendes,
o Congresso executa 24% de toda a despesa discricionária do Orçamento (eram 2%
dez anos atrás), feito sem paralelo no país e no mundo desenvolvido. Foi este
estudo que levou o ministro Flávio Dino a calcular que o desarranjo
institucional decorrente da hipertrofia das emendas custou aos cofres públicos
R$ 186 bilhões nos últimos cinco anos.
A votação extraordinária - Alcolumbre obteve 73% a mais que na sua primeira eleição e Motta atingiu o patamar de 86% dos votos - é uma reiteração da força da qual estão investidos. A manutenção deste poder colide com o Executivo, ao contrário do que sugere o clima de congraçamento da primeira reunião dos dois parlamentares com o presidente na manhã desta segunda.
Por questionável, a legitimidade deste poder
exige esmero na apresentação. Foi isso que ambos fizeram nos discursos do
sábado. Com eleições asseguradas, desfilaram na avenida com fantasias
distintas.
Alcolumbre repaginou o princípio
constitucional que confere ao Senado a representação dos Estados. A estrela da
federação, mencionada quatro vezes no seu discurso, é o município: “Minha luta
será sempre para que os municípios ocupem o centro do arranjo federativo.
Fortalecer o município é dar a cada cidadão o direito à cidade que é onde se
constrói a verdadeira cidadania”.
Esta repaginada atende à configuração da
hipertrofia do Legislativo em aliança com os municípios. Relatório encomendado
por Dino à Controladoria-Geral da União mostrou que das dez cidades
proporcionalmente mais beneficiadas com emendas, metade está no Amapá de
Alcolumbre.
Neste relatório estão descritos os adereços
da nova fantasia federativa: os municípios campeões em emendas acolhem
prioritariamente aquelas de comissão e relator, que são também as mais opacas,
e mais da metade das obras estão paralisadas ou nem se iniciaram.
Na Câmara, foi a vez de Motta se fantasiar de
Ulysses Guimarães, que citou 15 vezes. No discurso em que se apresentou como
candidato disse que o legado de Arthur Lira (PP-AL), seu antecessor, só era
comparável ao de Ulysses. No agradecimento pela vitória mencionou 14 vezes o
discurso com o qual Ulysses marcou a promulgação da Constituição de 1988, data
em que ainda não havia nascido.
A onipresença de Ulysses deu-se num discurso
que tomou de empréstimo a ideia de que o governo é formado pelo Executivo e
pelo Legislativo. A fantasia valeu-se de adereços deslocados no tempo e no
espaço. O discurso de Ulysses celebrou o marco legal da redemocratização depois
de uma ditadura comandada pelo Executivo. Além disso, o pai da Constituição era
um parlamentarista convicto, defensor de uma mudança de regime, não de uma
ordem em que o Congresso usufrua dos direitos sem cumprir os deveres de quem governa.
Portanto, nada mais fantasioso do que pretender transformar as atuais
prerrogativas parlamentares no regime idealizado por Ulysses.
A reunião no Palácio do Planalto ainda não
havia acabado quando Dino deu publicidade ao seu novo despacho sobre as emendas
parlamentares. Trata-se, em resumo, da reiteração de exigências concernentes à
transparência e rastreabilidade da execução orçamentária que manteve esticado o
cabo de guerra entre o Congresso e o Supremo ao longo de 2024. A decisão
manteve ainda a mobilização do Tribunal de Contas da União e da CGU para o
acompanhamento das providências já apresentadas pelos parlamentares.
Como o despacho de Dino de 23 de dezembro
previa a retomada de audiências conjuntas com o Congresso depois das eleições
das mesas diretoras e da escolha dos líderes e presidentes de comissões, havia
a expectativa de que o ministro marcasse a primeira reunião. Antes que este
encontro ocorra, porém, Dino achou por bem reiterar as exigências descumpridas.
A força exibida pelo Congresso e a
necessidade do Executivo de dar celeridade à cesta básica da pauta parlamentar
- Orçamento e regulamentação da reforma tributária - pressionarão o STF. Só a
inconstitucionalidade do orçamento impositivo reporia o equilíbrio dos Poderes.
O tema, porém, requer representação de mais densidade social do que aquela
emprestada pelo Psol à ação que tramita na Corte.
Some-se ao conflito contratado um Executivo
já voltado para 2026, como mostrou o boné de Alexandre Padilha no sábado. “O
Brasil é dos brasileiros” é uma provocação ao endeusamento de Donald Trump
pelos bolsonaristas num momento em que a guerra tarifária e deportações
humilhantes ameaçam o interesse nacional. A obsessão do Congresso por 2026 tem
outro viés. Está focado em fazer caixa para a recondução dos mandatos
parlamentares. O governo tem instrumentos para cooptá-los, como a exploração da
Margem Equatorial nos Estados por ela banhados, mas, para o conjunto do
Congresso, vai ser difícil viabilizar a recondução se tiver que prestar contas
das emendas.
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