terça-feira, 4 de fevereiro de 2025

Harmonia entre Poderes - Carlos Andreazza

O Estado de S. Paulo

“Todo poder emana do povo e em seu nome é exercido”. Hugo Motta chamou o fundamento da Constituição para uma releitura corporativista do valor da representação, que respaldaria – em nome da soberania popular, como se expressão da democracia – as distribuições autoritárias e opacas de dinheiros públicos na forma de emendas parlamentares.

Esse é o tamanho do buraco. Que continuará a ser cavado. Consagrada a perenidade. Sai Alcolumbre, entra Alcolumbre. Sai Lira, entra Lira. Ainda estamos aqui. Aclamado o orçamento secreto. Reeleito o esquema de perversão das emendas.

Votação que é produto de acordo pela defesa da “prerrogativa” de o Congresso disparar obscuramente bilhões de dinheiros públicos e garantir cabresto sobre currais Brasil adentro – acordo pela manutenção da autonomia degenerada do Legislativo, fundada no controle absolutista de fundos orçamentários.

Foi em decorrência desse pacto que se uniram lulistas e bolsonaristas. Bolsonaro, empregado de Valdemar, não soltou a ordem unida por Alcolumbre e Motta em troca de apoio à agenda de anistia aos condenados do 8 de janeiro etc. Mandou que os seus lhes votassem para que o PL tenha lugar nas comissões e alguma cota no ratatá das emendas de comissão.

Decorre dessa acomodação o desaparecimento das disputas. Não há oposição. Porque ninguém quer perder boquinha. Os parlamentares, com raras exceções, calam-se, transformados em vereadores federais, ante o poder dos donos do Congresso, os que dominam a grana e autorizam as destinações.

“Não existe ditadura com Parlamento forte” – discursou Motta. Com o orçamento secreto forte, existe o quê? O Parlamento, em termos republicanos, é fraco. Rico e fraco. Fortes são os liras. Os operadores da riqueza. O funcionamento do Congresso é imperial – e os congressistas, instrumentalizados, falando em independência do Legislativo... Que tem suas comissões aterradas, que vive sob regime de urgências, que vota sem saber no quê.

O Parlamento altivo reelegeu a sua subordinação a um punhado de patronos – os que apontam, entre os parlamentares, os que podem apadrinhar emendas. O Senado elegeu um dos senhores do orçamento secreto. A Câmara, um vip do orçamento secreto. Esses são os independentes de verdade.

Ainda Hugo Ulysses Motta: “Todos passamos, mas as instituições ficam”. Todos passamos, o orçamento secreto fica. É uma instituição – a “transformação histórica” da era Lira. A cuja proteção vêm Alcolumbre e Motta. Que doravante irão, pós-Lira, conforme agendou Dino, sentar com o senador-togado por um encaminhamento que, sem ferir as vaidades, desembarace o leito de continuidade do orçamento secreto. O governo mediará a conversa. O cenário menos ruim para Lula nos próximos dois anos depende desse arranjo.

 

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