O Globo
Presidente tem a máquina pública a seu favor,
o maior partido do país, o segundo maior fundo eleitoral e controla o tempo
Na primeira semana de fevereiro de
2021, Jair
Bolsonaro dava início à segunda metade de seu mandato emplacando os
aliados Arthur
Lira na presidência da Câmara e Rodrigo
Pacheco na do Senado. Àquela altura, o país já havia perdido mais de
200 mil vidas para a Covid-19 e, após atrasos do Ministério
da Saúde, finalmente as primeiras doses de vacina chegavam aos brasileiros.
Janeiro havia sido marcado por empresários
alardeando a necessidade de o governo ficar atento ao déficit fiscal, com
Bolsonaro reclamando, veja só, da dificuldade de isentar o imposto de renda
quem ganhava até R$ 5 mil:
— O Brasil está quebrado. Eu não consigo
fazer nada — bradou.
O governo era bem avaliado por 31% dos brasileiros, segundo o Datafolha, enquanto 40% o consideravam ruim ou péssimo — índice que passaria de 50% no segundo semestre daquele ano.
Vinte meses depois, Bolsonaro perdeu a
eleição para Lula pela menor margem da História, 1,8 ponto. O governo era
recheado de personagens folclóricos como Ernesto Araújo nas Relações
Exteriores, Eduardo Pazuello na Saúde e o pastor Milton Ribeiro na Educação.
Mas o poder da máquina pública embalou o crescimento eleitoral do presidente,
que cortou impostos sobre combustíveis, turbinou o Bolsa Família e
o vale-gás e criou auxílio a caminhoneiros e taxistas.
O governo Lula é um deserto de ideias, com um
pequeno oásis no Ministério da Educação. Foi de lá que saíram as duas únicas
propostas ao mesmo tempo inovadoras e relevantes em 25 meses — o Pé-de-Meia e o
Mais Professores, que, diga-se, ainda precisam ser tiradas do papel. A
percepção de que o governo não tem entregado o que prometeu está escancarada
nas pesquisas. Só que ser medíocre é diferente de ser trágico.
Na semana passada, quando Gilberto
Kassab afirmou que, se a eleição fosse hoje, Lula perderia, o alarme
soou. Dois dias antes, uma pesquisa Quaest mostrou
pela primeira vez a desaprovação do governo superando a aprovação. Ontem, o
mesmo instituto revelou que as intenções de voto em Lula para 2026 flutuam
entre 28% e 33%, a depender dos concorrentes. É pouco para o petista. Em julho
2021, na primeira pesquisa do instituto mirando as eleições de 2022, Lula tinha
43%, enquanto Bolsonaro alcançava 28%.
Há um novo Brasil que Lula e o PT não
entenderam. Um país de trabalhadores informais que não almejam necessariamente
carteira assinada, de microempreendedores que veem o Estado e sua máquina
arrecadatória como inimigos, de adultos que chegaram à universidade, mas não
viram se materializar um futuro luminoso.
A crise do Pix mostra o
tamanho da dificuldade do governo em compreender o país. Para piorar, os
adversários entenderam. É a direita que apontou o interesse arrecadatório da
Receita, e é ela que tem mostrado quanto a proibição de as plataformas fazerem
mototáxi impacta a vida dos trabalhadores que pagam passagens caras e perdem
horas se deslocando em metrôs lotados e ônibus engarrafados.
Ainda faltam, porém, 20 meses para as
eleições de 2026. Lula tem a máquina pública a seu favor, o maior partido do
país, o segundo maior fundo eleitoral e controla o tempo. A oposição está
desorganizada, e a decisão de Bolsonaro de não apontar sucessor tende a
mantê-la assim. Enquanto os governadores que quiserem disputar a Presidência
precisam se desincompatibilizar em abril do ano que vem, Lula poderá tomar a
decisão até agosto.
Reservadamente, Kassab faz uma análise sobre
as eleições que vai além do palpite simplista da semana passada. O chefe
do PSD avalia
que Lula só será candidato se as pesquisas mostrarem um cenário de favoritismo.
Estando popular e controlando a máquina, seria quase imbatível. E se sua
popularidade declinar a ponto de torná-lo azarão? Ele sairia para os livros da
História como a fênix que, depois de 580 dias preso, voltou e defendeu a
democracia — e deixaria a derrota ser sofrida por um aliado. Com a eleição
de Hugo
Motta e Davi
Alcolumbre neste fim de semana, a segunda metade do governo Lula acaba
de começar.
*Paulo Celso Pereira é editor executivo do
GLOBO
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