terça-feira, 4 de fevereiro de 2025

O governo Lula é ruim, mas é difícil derrotá-lo - Paulo Celso Pereira*

O Globo

Presidente tem a máquina pública a seu favor, o maior partido do país, o segundo maior fundo eleitoral e controla o tempo

Na primeira semana de fevereiro de 2021, Jair Bolsonaro dava início à segunda metade de seu mandato emplacando os aliados Arthur Lira na presidência da Câmara e Rodrigo Pacheco na do Senado. Àquela altura, o país já havia perdido mais de 200 mil vidas para a Covid-19 e, após atrasos do Ministério da Saúde, finalmente as primeiras doses de vacina chegavam aos brasileiros.

Janeiro havia sido marcado por empresários alardeando a necessidade de o governo ficar atento ao déficit fiscal, com Bolsonaro reclamando, veja só, da dificuldade de isentar o imposto de renda quem ganhava até R$ 5 mil:

— O Brasil está quebrado. Eu não consigo fazer nada — bradou.

O governo era bem avaliado por 31% dos brasileiros, segundo o Datafolha, enquanto 40% o consideravam ruim ou péssimo — índice que passaria de 50% no segundo semestre daquele ano.

Vinte meses depois, Bolsonaro perdeu a eleição para Lula pela menor margem da História, 1,8 ponto. O governo era recheado de personagens folclóricos como Ernesto Araújo nas Relações Exteriores, Eduardo Pazuello na Saúde e o pastor Milton Ribeiro na Educação. Mas o poder da máquina pública embalou o crescimento eleitoral do presidente, que cortou impostos sobre combustíveis, turbinou o Bolsa Família e o vale-gás e criou auxílio a caminhoneiros e taxistas.

O governo Lula é um deserto de ideias, com um pequeno oásis no Ministério da Educação. Foi de lá que saíram as duas únicas propostas ao mesmo tempo inovadoras e relevantes em 25 meses — o Pé-de-Meia e o Mais Professores, que, diga-se, ainda precisam ser tiradas do papel. A percepção de que o governo não tem entregado o que prometeu está escancarada nas pesquisas. Só que ser medíocre é diferente de ser trágico.

Na semana passada, quando Gilberto Kassab afirmou que, se a eleição fosse hoje, Lula perderia, o alarme soou. Dois dias antes, uma pesquisa Quaest mostrou pela primeira vez a desaprovação do governo superando a aprovação. Ontem, o mesmo instituto revelou que as intenções de voto em Lula para 2026 flutuam entre 28% e 33%, a depender dos concorrentes. É pouco para o petista. Em julho 2021, na primeira pesquisa do instituto mirando as eleições de 2022, Lula tinha 43%, enquanto Bolsonaro alcançava 28%.

Há um novo Brasil que Lula e o PT não entenderam. Um país de trabalhadores informais que não almejam necessariamente carteira assinada, de microempreendedores que veem o Estado e sua máquina arrecadatória como inimigos, de adultos que chegaram à universidade, mas não viram se materializar um futuro luminoso.

A crise do Pix mostra o tamanho da dificuldade do governo em compreender o país. Para piorar, os adversários entenderam. É a direita que apontou o interesse arrecadatório da Receita, e é ela que tem mostrado quanto a proibição de as plataformas fazerem mototáxi impacta a vida dos trabalhadores que pagam passagens caras e perdem horas se deslocando em metrôs lotados e ônibus engarrafados.

Ainda faltam, porém, 20 meses para as eleições de 2026. Lula tem a máquina pública a seu favor, o maior partido do país, o segundo maior fundo eleitoral e controla o tempo. A oposição está desorganizada, e a decisão de Bolsonaro de não apontar sucessor tende a mantê-la assim. Enquanto os governadores que quiserem disputar a Presidência precisam se desincompatibilizar em abril do ano que vem, Lula poderá tomar a decisão até agosto.

Reservadamente, Kassab faz uma análise sobre as eleições que vai além do palpite simplista da semana passada. O chefe do PSD avalia que Lula só será candidato se as pesquisas mostrarem um cenário de favoritismo. Estando popular e controlando a máquina, seria quase imbatível. E se sua popularidade declinar a ponto de torná-lo azarão? Ele sairia para os livros da História como a fênix que, depois de 580 dias preso, voltou e defendeu a democracia — e deixaria a derrota ser sofrida por um aliado. Com a eleição de Hugo Motta e Davi Alcolumbre neste fim de semana, a segunda metade do governo Lula acaba de começar.

*Paulo Celso Pereira é editor executivo do GLOBO

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