Valor Econômico
Depois de décadas ajudando a moldar políticas em questões importantes como impostos e seguro saúde, os economistas descobrem que sua influência está em baixa
Eli Hecksher no clássico “Mercantilism
“resume magistralmente a conformação das relações no mercantilismo à inglesa.
Hecksher afirma que a ingerência direta do Estado nas Companhias era quase
imperceptível. “Muito mais importante era outra tendência: a de transferir às
companhias as prerrogativas de poder próprias do Estado”.
Na “Riqueza das Nações”, Adam Smith empenha-se em argumentar contra as teorias econômicas da Era Mercantil. Enquanto há uma dependência do “político”, não é possível pensar a economia como um sistema governado por leis naturais. Essas leis naturais decorrem da “razão” dos indivíduos, razão que os predispõem às relações contratuais mediante a livre disposição da vontade. A economia surge, portanto, com a pretensão de se constituir numa esfera privilegiada da convivência, em que a liberdade é uma imposição das leis que regem a natureza humana. Tais leis devem seguir o seu curso, desembaraçadas da interferência e do arbítrio da política.
No momento em que desabrocha a Economia
Política eram onipresentes os cânones da física newtoniana, paradigma
científico que vai se manter incólume ao longo do processo de evolução desse
campo do conhecimento, ou, como querem alguns, dessa ciência. Não por acaso, os
economistas estão permanentemente perquirindo as leis da sociedade dos
indivíduos envolvidos no intercâmbio generalizado de mercadorias. As leis que
regem a natureza humana, tal como as leis naturais da física, levam sempre ao
equilíbrio.
Da infância smithiana à maturidade caquética
das expectativas racionais, os conflitos de concepção e de método assolaram a
trajetória intelectual da “Ciência Triste”. As querelas terminaram
invariavelmente na reafirmação do quarteto naturalismo, individualismo,
racionalismo e equilíbrio, mimetismos científicos da dita corrente principal.
Na segunda metade do século XIX, a Economia
empreendeu a peregrinação em busca do graal da Ciência. Em sua trajetória rumo
ao “progresso”, a economia ignorou as mudanças de paradigma promovidas, já no
século XX, pelas “rupturas” da termodinâmica, da física das partículas e da
teoria da relatividade.
Os economistas costumam descuidar dos
fundamentos cognitivos implícitos em seus procedimentos
Ilya Prigogine e Isabelle Stengers mostram
que a fenomenologia descrita pela termodinâmica, pela física das partículas e
pela teoria da relatividade “nos conduzem a compreender um mundo em evolução,
um mundo onde a ‘emergência do novo’ reveste um significado irreversível... O
ideal da razão suficiente supunha a possibilidade de definir a causa e o
efeito, uma lei que estabelece equivalências reversíveis”.
Na dita ciência econômica essas
“equivalências reversíveis” expulsam a temporalidade e, portanto, o movimento.
Tais abandonos estão contemplados em todas as formulações do modelo de
Equilíbrio Geral assentadas na hipótese do indivíduo racional e maximizador.
Irreversibilidade não está no dicionário dos modelos Dinâmicos Estocásticos de
Equilíbrio Geral, o último grito da sabedoria econômica.
O mal é a política, lamentam os “físicos da
sociedade”. A política dos interesses e os interesses da política se intrometem
frequentemente no jogo da economia, quebrando a harmonia de interesses
promovida pela ação dos indivíduos racionais.
Interlúdio para o movimento. Na posteridade
da Segunda Guerra, os Estados Unidos e Europa Ocidental apostaram no
aperfeiçoamento dos processos de controle democrático sobre o Estado e o poder
privado. O trauma das duas guerras mundiais e da Grande Depressão saturou o
ambiente intelectual dos anos 40 do século XX da rejeição ao mercado despótico
e ao totalitarismo político. Karl Mannheim, pensador representativo de sua
época, escreveu, em 1950 no livro “Liberdade, Poder e Planejamento
Democrático”: “... Não devemos restringir o nosso conceito de poder ao poder
político. Trataremos do poder econômico e administrativo, assim como do poder
de persuasão que se manifesta por meio da religião, da educação e dos meios de
comunicação de massa, tais como a imprensa, o cinema e a radiodifusão”. Para
Mannheim, deve-se temer menos os governos, que podemos controlar e substituir,
e muito mais os poderes privados que exercem sua influência no “interior” das
sociedades capitalistas.
Jürgen Habermas sugere que, além de estarem
submetidas à confirmação empírica (ou à rejeição), as teorias da sociedade
devem estar sujeitas à demonstração de que são “reflexivamente aceitáveis”. A
investigação deve compreender não apenas as instituições e práticas sociais,
mas também incluir as convicções que os agentes têm sobre a sua própria
sociedade - investigar não apenas a realidade social, mas os saberes que se
debruçam sobre ela. Uma teoria social é uma teoria a respeito das convicções
dos agentes sobre a sua sociedade, sendo ela mesma uma dessas convicções. Os
assim chamados cientistas sociais, sobretudo os economistas, costumam descuidar
dos fundamentos cognitivos implícitos em seus procedimentos.
Como faz meu amigo Mino Carta, indaguei meus
botões a respeito da separação entre conhecimento e interesse. Eles
resmungaram: as recomendações e análises dos economistas, prestadas em boa fé,
estão eivadas de valorações e pressupostos não revelados. Os famigerados botões
foram adiante: as ostentações de rigor e cientificidade são incompatíveis com a
natureza do objeto investigado. Esse, digamos, “incidente ontológico” é quase
sempre ignorado pelos praticantes da “Ciência Triste”.
A justificação “científica” sustenta e
suporta a justificação moral que busca proteger a Economia das fragilidades
cognitivas que a assolam. É crucial que os sábios da Crematística afirmem e
reafirmem as garantias de justiça, eficiência e equilíbrio no intercâmbio de
mercadorias e ativos. É nesse ambiente intelectual que germinam os dogmas do
equilíbrio fiscal intertemporal, agora abrigados nos modelos
Dinâmico-Estocásticos de Equilíbrio Geral.
Trata-se, pois, de uma infinita tarefa de
negação das relações de poder nas sociedades capitalistas com o propósito de
afirmar seu desempenho sempre justo e equilibrado.
Se a justificação cientifica aparece como
forma necessária da justificação moral, ambas aparecem como ferramentas de
ocultação. Ocultam e apagam as relações de poder incrustradas nas sociedades ao
longo da história.
Na semana que sucedeu à posse de Donald
Trump, o jornalista Ben Casselman relatou no “New York Times” as peripécias de
uma discussão recente na reunião da American Economic Association em São
Francisco. Casselman conta que Jason Furman, ex-assessor de Barack Obama,
voltou-se para Kimberly Clausing, ex-membro do governo Biden e autora de um
livro que exalta as virtudes do livre comércio. “Todos nesta sala concordam com
seu livro, disse o Sr. Furman. Ninguém fora desta sala concorda com seu livro”.
Os acadêmicos e especialistas em políticas reunidos na sala de conferências do hotel riram, mas o comentário captou algo real: depois de décadas ajudando a moldar políticas em questões importantes como impostos e seguro saúde, os economistas descobrem que sua influência está em baixa.
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