terça-feira, 19 de agosto de 2025

A bomba que saiu da mala de rodinha de Dino, por Maria Cristina Fernandes

Valor /Econômico

Ministro invalida eficácia da lei Magnitsky no Brasil, abre contecioso com os bancos e com o governo americano

Na quinta-feira à noite, o ministro Flávio Dino embarcou para São Luís levando, como de costume, uma mala de rodinha cheia de processos, a mesma que arrasta todas as noites para casa em Brasília. Não compareceu ao evento mais fervilhante do fim de semana, o aniversário de 73 anos da advogada Guiomar Feitosa, esposa do ministro Gilmar Mendes, que reuniu colegas de Corte, ministros do Executivo, governadores, parlamentares e empresários. Ainda de São Luís, despachou, no fim da manhã desta segunda-feira, a decisão que colocou os diretores de conformidade dos bancos entre cumprir a Lei Magnitsky e afrontar Dino ou seguir a decisão do ministro e ignorar a sanção americana.

A decisão não menciona a Magnitsky, mas não poderia ser mais clara. Refere-se a uma ação, movida pelo Instituto Brasileiro de Mineração (Ibram) contra a litigância de 59 municípios de três Estados (MG, BA e ES) e entidades como a Confederação Nacional das Indústrias e a Federação das Indústrias do Espírito Santo e de Minas Gerais em tribunais do Reino Unido, da Alemanha e da Holanda contra mineradoras e empresas arroladas pelo rompimento de barragens mineiras de Mariana e Brumadinho.

O ministro acolhe a tese de que a litigância de municípios brasileiros em tribunais estrangeiros viola a soberania nacional e impede o pagamento de honorários advocatícios no exterior. Mas não fica por aí. Avança na razão pela qual, depois de considerar que a decisão não tinha urgência, foi instado a se manifestar em razão das mudanças no que chamou de “suporte empírico” da controvérsia. Dino cita o fortalecimento de “ondas de imposição e força de algumas nações sobre as outras” com as quais, diz, “têm sido agredidos postulados essenciais do direito internacional”.

Sugere uma escala em Gaza (“Tratados internacionais são abertamente desrespeitados, inclusive os que versam sobre a proteção de populações civis em terríveis conflitos armados”) até pousar no território nacional: “O Brasil tem sido alvo de diversas sanções e ameaças que visam impor pensamentos a serem apenas ‘ratificados’ pelos órgãos que exercem a soberania nacional.”

O ministro sustenta que leis de outro país não terão eficácia no Brasil quando ofenderem a soberania nacional e que decisões estrangeiras só poderão ser executadas no país mediante homologação. Se ainda havia dúvida em relação ao alcance da decisão, Dino desenha: “Sobre a controvérsia retratada nos autos e em todas as demais em que a jurisdição estrangeira - ou outro órgão de Estado estrangeiro - pretenda impor, ao território nacional, atos unilaterais por sobre a autoridade dos órgãos de soberania do Brasil”.

No mesmo dia, o “The Washington Post” publicou entrevista com Alexandre de Moraes em que o ministro afirma que, embora as sanções sejam “desagradáveis” não recuaria “nenhum milímetro”. Moraes já começou, efetivamente, a enfrentar restrições em suas operações financeiras. A decisão de Dino, que lhe deu retaguarda, era esperada no governo, ainda que não se soubesse da pena de quem sairia. A bola, é o que se diz na Esplanada, está com os bancos.

São três as entidades a quem Dino manda dar ciência de sua decisão, a Federação Brasileira de Bancos (Febraban), a Confederação Nacional das Instituições Financeiras (CNF) e a Confederação Nacional das Empresas de Seguros e Previdência (CNseg). O impasse, definido no setor financeiro como “grave”, ainda não tem saída clara, mas a primeira medida deverá ser um pedido de esclarecimentos a Dino sobre o alcance da decisão. Serão lembrados que também podem recorrer a tribunais americanos.

A avaliação de advogados consultados pelos bancos é de que qualquer empresa ou instituição financeira que faça negócios com os EUA ou tenha transações que passem pelo dólar não poderá operar com o ministro sancionado. A percepção inicial de que, nesta primeira fase, a Magnitsky só incidiria sobre operações e ativos em dólar de Moraes não foi confirmada por, pelo menos, um dos escritórios americanos consultados. O bloqueio deveria incidir sobre toda e qualquer operação. Por outro lado, a percepção de que os bloqueios, já realizados, estejam salvaguardados da decisão, porque a antecedem, não encontra guarida entre os que conhecem do traçado.

O ministro voltou, no início da noite desta segunda, a uma Brasília já invadida pelos ecos de um mercado financeiro em transe. O humor foi resumido pelo sócio-fundador da SPX investimentos, Rogério Xavier: “O Brasil está colocando a questão da soberania em um ponto perigoso”. Parece sintonizado com o Departamento de Estado americano, que, nas redes, mandou dizer que “nenhuma Corte estrangeira pode invalidar sanções dos EUA”.

O ministro vinha se resguardando. Não estava, por exemplo, no encontro que, duas semanas atrás, entidades financeiras promoveram com seus colegas para discutir o alcance da Magnitsky. Até então, as preocupações em Brasília com Dino estavam concentradas nas suas decisões sobre as emendas parlamentares, sujeito oculto da retaguarda furada do Centrão à baderna bolsonarista no Congresso. Só o presidente da República parecia ligado sobre o que podia sair daquela mala de rodinha quando fez uma sondagem a respeito do alcance da disposição do STF neste enfrentamento. Três semanas depois, chegou a resposta.

 

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