O Globo
Em cerimônia emocionante, as cinzas de
Sebastião Salgado foram misturadas à terra onde se plantou uma peroba, em Minas
Sebastião
Salgado voltou à terra onde nasceu, Aimorés, Minas Gerais, encostado
no Espírito Santo. “Hoje vai ser a derradeira missão do Tião”, disse Lélia,
esposa dele por 61 anos. “Ele vai ser o adubo da planta maravilhosa que vai ser
essa peroba. Tenho certeza de que essa peroba vai ser a mais bonita, a maior, a
mais alta aqui dessa floresta. E de longe as pessoas vão dizer, ‘está lá o
Sebastião Salgado’. Como diria nosso grande amigo Saramago, Tião não voou para
as estrelas, ele foi para a terra porque ele era da terra”.
As cinzas do grande fotógrafo e humanista foram misturadas à terra usada para o plantio da árvore, numa clareira bem em frente à mata que ele e Lélia plantaram na fazenda Bulcão. Os filhos, Juliano e Rodrigo, a viúva e a neta plantaram a muda de peroba, uma das rainhas da Mata Atlântica. A fazenda da família, na qual Sebastião viveu sua infância, estava completamente degradada quando ele a herdou. Lélia teve então a ideia de plantar uma floresta. Hoje, o Instituto Terra é um exemplo de que restaurar é possível e abriga três milhões de árvores.
O grupo que se reuniu na cerimônia dizia
muito da capacidade de Sebastião de unir pessoas. Havia amigos da Europa e dos
Estados Unidos. Estavam os ministros Mauro Vieira, das Relações Exteriores,
Herman Benjamin do STJ e dirigentes do MST. Artistas como Marcos Palmeira,
Mariana Ximenes e o presidente da COP, embaixador André Corrêa do Lago.
Ambientalistas, fotógrafos, a presidente da Funai, Joenia Wapichana e João de
Orleans e Bragança.
— A pessoa usou o seu instrumento de trabalho
para defender os povos originários. Por isso, hoje eu vim aqui. Quis vir de
carro de Vitória até Aimorés para refazer o mesmo percurso que ele fazia —
disse Joenia.
O último grande trabalho da vida de
Sebastião, que durou dez anos, foi fotografar povos indígenas para a exposição
Amazônia.
Seu método de trabalho era ir para as aldeias
e ficar por semanas ou meses, para captar o modo de vida, a cultura, a beleza
de cada povo. Os primeiros povos brasileiros sempre estiveram no foco da sua
câmera.
Sebastião mostrou os encantos e as feridas da
Terra. A luta dos trabalhadores, os povos em migração, as belezas extremas do
planeta, a exuberância humana e florestal da Amazônia.
— Há quem diga que no Brasil sempre faltou
especialistas que explicassem outros países, ou até o Brasil para outros
países. Sebastião é o único brasileiro que conseguiu explicar o mundo para o
mundo — disse, nas rodas de conversa, o embaixador Corrêa do Lago.
Herman Benjamin foi chamado para falar e
disse que melhor era dar voz ao próprio Sebastião. E leu uma mensagem que o
fotógrafo mandou para ele, agradecendo o artigo “O tradutor fotográfico dos
invisíveis”. Benjamin
escreveu este artigo, de uma página, para O GLOBO, em 2024, quando Sebastião
fez 80 anos. Sebastião disse que se sentiu compreendido no que buscou, na
sua solidão de fotógrafo. E fez um balanço da vida que viveu.fotos
“Não foi fácil e, ao mesmo tempo, foi lindo e
extremamente duvidoso, se estava no caminho certo do respeito e do amor. Foi
como passar uma vida inteira caminhando sobre o fio de uma navalha sem me
ferir. E foi ao mesmo tempo rico e enorme em todas as experiências; eu ia com o
coração cheio e voltava com toda uma vida plena. Hoje com a experiência e a
felicidade dos meus 80 anos, me sinto um privilegiado de ter tido esta
oportunidade de experimentar de tudo e de ter duvidado de mim mesmo durante
toda a minha vida.”
O filho Juliano explicou porque era ali que
seu pai descansaria.
— Ele aprendeu a ver o mundo exatamente deste
lugar. Ele olhava para o céu, com essas nuvens que estão começando a se formar
aqui hoje. Ele olhava para o céu, no contraluz, e foi assim que seu olhar se
formou. Assim ele enxergava o mundo. Sebastião saiu dessa fazenda com 15 anos,
foi para Vitória, se formou como economista, encontrou a Lélia e juntos foram
para São Paulo e depois para a França, onde aconteceu a história que todo mundo
sabe.
A história imensa de Lélia e Sebastião
ampliou o olhar do mundo sobre si mesmo, e ensinou muito ao Brasil. A história
não acabou, avisaram Lélia e Juliano. O Instituto Terra continua.
Os amigos jogavam pétalas sobre o pé da
peroba plantada, quando o som transmitiu a voz do próprio Sebastião cantando,
em um áudio que mandara para o amigo Afonso Borges: “Prepare o seu coração pras
coisas que eu vou contar…”
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