Folha de Paulo
Inteligência e estratégia nos levarão muito mais
longe do que gestos grandiosos de afirmação
A soberania nacional é um valor importante.
Mas não é o único. E se a afirmação dela colocar em risco o bem-estar das
pessoas e empresas do nosso país, aí é questão de pensar duas vezes antes de
fazer grandes gestos de enfrentamento à ingerência de potências estrangeiras.
É o que Flávio Dino faz ao decidir que leis e ordens unilaterais estrangeiras não valem no Brasil. A decisão foi tomada no contexto de nossa relação com a Justiça inglesa e o desastre de Mariana. Seu impacto maior, contudo, está na aplicação das sanções da Lei Magnitsky a instituições financeiras brasileiras. Segundo a decisão, antes de obedecer a determinações estrangeiras, estas precisam ser homologadas pela Justiça. Será que o Supremo homologará as sanções Magnitsky?
Com essa decisão, Dino instaura um cabo de
guerra potencial entre Brasil e EUA em que a corda será os bancos brasileiros.
Há uma grande incógnita nessa história: quão
longe os EUA irão para garantir que os bancos brasileiros cumpram os termos da
Lei Magnitsky? Ela será puramente simbólica, impedindo Moraes de ter ativos nos EUA e de usar diretamente
serviços americanos, mas sem impedi-lo de usar o sistema bancário brasileiro?
Ou será que os EUA aplicarão sanções secundárias aos bancos brasileiros,
obrigando-os a cortar laços com Moraes, sob pena de serem eles próprios
cortados do sistema financeiro americano? Ainda não sabemos, mas é
perfeitamente possível que o governo Trump vá
até o fim nessa intervenção na política de um país que ele considera estar
dentro de seu quintal.
Todos os grandes bancos brasileiros —públicos
e privados— têm operações nos EUA. Isso inclui desde ter agências nos EUA como
até mesmo emitir cartões com bandeiras americanas como Visa e Master ou fazer
transações de câmbio em dólar. Perder isso seria um duro golpe. É do interesse
brasileiro impedir esse desfecho.
Imagine um banco que receba a ordem de negar
serviços a Alexandre de Moraes. Caso não o faça, será excluído de todo o
sistema financeiro americano. Ao mesmo tempo, o Supremo o adverte que, caso
obedeça a ordem unilateral americana em desacordo com nossa soberania, estará
violando a lei brasileira e poderá ser punido. Nossas instituições financeiras
ficariam entre a cruz e a caldeira.
De que maneira isso serviria ao interesse
nacional? Não há nada que Trump —e Eduardo Bolsonaro—
gostariam mais do que destruir nosso sistema financeiro. Ao fazê-lo, estarão
aumentando o custo da única decisão brasileira que realmente preserva nossa
soberania: não dobrar nosso Judiciário ao objetivo americano de livrar
Bolsonaro.
O melhor, nessa difícil circunstância, seria
que Moraes e todos os outros que venham a ser sancionados passem a usar bancos
menores e se atenham a sistemas de pagamentos brasileiros (ou chineses?) até
que o problema passe, provavelmente com a saída de Trump em 2029. Até lá, o caminho
estratégico para lidar com as imposições —absurdas, injustificadas— americanas
está claro: buscar novas parcerias políticas e econômicas, reduzindo a
capacidade americana de repetir suas chantagens no futuro.
Isso garantirá nossa independência e prosperidade
de longo prazo. Inteligência e estratégia nos levarão muito mais longe do que
gestos grandiosos de afirmação de nossa soberania contra uma potência mais
forte do que nós.
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