terça-feira, 19 de agosto de 2025

A sombra de Bolsonaro, por Merval Pereira

O Globo

A discussão que se impõe é saber se um presidente da República em seu primeiro mandato quererá ter em seu encalço a figura de Bolsonaro

Caso um candidato de direita vença a eleição presidencial do próximo ano, o ex-presidente Jair Bolsonaro, que deverá ser condenado pelo Supremo Tribunal Federal (STF) por tentativa de golpe, poderá ser favorecido por uma decisão do novo governante o recolocando na disputa política. Esse é um tema recorrente no jogo pré-eleitoral, que tem nuances fundamentais na análise prospectiva da corrida presidencial. A anistia é um perdão geral, concedido pelo Poder Legislativo por lei. Pode ser de iniciativa do próprio Legislativo — como os bolsonaristas tentam agora — ou proposta pelo Executivo, mas aprovada no Congresso.

Ela apaga os efeitos do crime, tanto penais quanto extrapenais, como a inelegibilidade. O indulto, em contraste, é um perdão concedido pelo Executivo que extingue a pena, mas não os efeitos extrapenais. Na anistia, que deve sempre ser concedida a um grupo que cometeu o mesmo crime, Bolsonaro ficaria livre para voltar ao jogo eleitoral em 2028 nas eleições municipais ou em 2030.

Indultado, ele deixaria a cadeia, mas continuaria, de acordo com as leis em vigor, inelegível até 2030, pela condenação pelo TSE, ou até o fim da pena a que será condenado no STF. Por isso os bolsonaristas querem também mudar a Lei da Ficha Limpa, para encurtar o prazo de inelegibilidade de seu líder. Em ambos os casos, um futuro presidente de direita poderia ter pela frente em 2030 a sombra do ex-presidente, já que a disputa pela Presidência no próximo ano parece estar fora de seu alcance, a não ser que o improvável aconteça, e o Congresso aprove uma anistia a todos os condenados pela tentativa de golpe de janeiro de 2023.

A discussão que se impõe é saber se um presidente da República em seu primeiro mandato quererá ter em seu encalço a figura de Bolsonaro. Todos os candidatos de direita já declararam que anistiarão o ex-presidente (ou indultarão?). Parece factível se, como o governador de Goiás, Ronaldo Caiado, não quiserem disputar a reeleição. Mesmo Caiado pode mudar de ideia uma vez eleito, e as circunstâncias políticas podem levar o compromisso a ficar na pura retórica. A burocracia presidencial sempre pode ser uma saída nesses momentos.

O vereador Carlos Bolsonaro, destemperado como sempre, classificou de “ratos” os governadores de direita que já se lançam candidatos a candidatos à Presidência, no que foi apoiado por outro irmão, o deputado federal “at large” Eduardo Bolsonaro. Parece ser um indício de que a família Bolsonaro teme uma traição e decidirá por lançar um dos seus para representar o pai na disputa presidencial. Até onde se enxerga, não parece fazer sentido, pois as chances de vitória são escassas.

O governador do Paraná, Ratinho Junior, que parece o candidato mais competitivo se o de São Paulo, Tarcísio de Freitas, não se lançar, é o único que não deve se sentir ofendido com o epíteto — ou talvez o vereador Bolsonaro tenha pensado mesmo nele ao atacar os pretendentes ao trono da direita.

A obsessão por continuar no governo alimenta líderes populistas em geral. Ontem mesmo Donald Trump, empenhado em salvar Bolsonaro como se salvasse a si mesmo, pois responde a um processo suspenso até que saia da Casa Branca, voltou a insistir num terceiro mandato, que lhe é impedido pelas leis americanas. Zelensky, segundo relato do New York Times, disse que faria uma eleição assim que a guerra terminasse, pois não se pode fazer eleição em guerra. Trump retrucou com o pensamento contrário: “Já pensou se estivermos em guerra dentro de uns três anos e meio [quando seu segundo mandato termina] e não pudermos ter eleição? Ah, isso seria bom”, comentou gargalhando. Zelensky achou graça, mas disse: “Não!”.

 

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