O Globo
A discussão que se impõe é saber se um
presidente da República em seu primeiro mandato quererá ter em seu encalço a
figura de Bolsonaro
Caso um candidato de direita vença a eleição
presidencial do próximo ano, o ex-presidente Jair Bolsonaro, que deverá ser
condenado pelo Supremo Tribunal Federal (STF) por tentativa de golpe, poderá
ser favorecido por uma decisão do novo governante o recolocando na disputa
política. Esse é um tema recorrente no jogo pré-eleitoral, que tem nuances
fundamentais na análise prospectiva da corrida presidencial. A anistia é um
perdão geral, concedido pelo Poder Legislativo por lei. Pode ser de iniciativa
do próprio Legislativo — como os bolsonaristas tentam agora — ou proposta pelo
Executivo, mas aprovada no Congresso.
Ela apaga os efeitos do crime, tanto penais quanto extrapenais, como a inelegibilidade. O indulto, em contraste, é um perdão concedido pelo Executivo que extingue a pena, mas não os efeitos extrapenais. Na anistia, que deve sempre ser concedida a um grupo que cometeu o mesmo crime, Bolsonaro ficaria livre para voltar ao jogo eleitoral em 2028 nas eleições municipais ou em 2030.
Indultado, ele deixaria a cadeia, mas
continuaria, de acordo com as leis em vigor, inelegível até 2030, pela
condenação pelo TSE, ou até o fim da pena a que será condenado no STF. Por isso
os bolsonaristas querem também mudar a Lei da Ficha Limpa, para encurtar o
prazo de inelegibilidade de seu líder. Em ambos os casos, um futuro presidente
de direita poderia ter pela frente em 2030 a sombra do ex-presidente, já que a
disputa pela Presidência no próximo ano parece estar fora de seu alcance, a não
ser que o improvável aconteça, e o Congresso aprove uma anistia a todos os
condenados pela tentativa de golpe de janeiro de 2023.
A discussão que se impõe é saber se um
presidente da República em seu primeiro mandato quererá ter em seu encalço a
figura de Bolsonaro. Todos os candidatos de direita já declararam que
anistiarão o ex-presidente (ou indultarão?). Parece factível se, como o
governador de Goiás, Ronaldo Caiado, não quiserem disputar a reeleição. Mesmo
Caiado pode mudar de ideia uma vez eleito, e as circunstâncias políticas podem
levar o compromisso a ficar na pura retórica. A burocracia presidencial sempre
pode ser uma saída nesses momentos.
O vereador Carlos Bolsonaro, destemperado
como sempre, classificou de “ratos” os governadores de direita que já se lançam
candidatos a candidatos à Presidência, no que foi apoiado por outro irmão, o
deputado federal “at large” Eduardo Bolsonaro. Parece ser um indício de que a
família Bolsonaro teme uma traição e decidirá por lançar um dos seus para
representar o pai na disputa presidencial. Até onde se enxerga, não parece
fazer sentido, pois as chances de vitória são escassas.
O governador do Paraná, Ratinho Junior, que
parece o candidato mais competitivo se o de São Paulo, Tarcísio de Freitas, não
se lançar, é o único que não deve se sentir ofendido com o epíteto — ou talvez
o vereador Bolsonaro tenha pensado mesmo nele ao atacar os pretendentes ao
trono da direita.
A obsessão por continuar no governo alimenta
líderes populistas em geral. Ontem mesmo Donald Trump, empenhado em salvar
Bolsonaro como se salvasse a si mesmo, pois responde a um processo suspenso até
que saia da Casa Branca, voltou a insistir num terceiro mandato, que lhe é
impedido pelas leis americanas. Zelensky, segundo relato do New York Times,
disse que faria uma eleição assim que a guerra terminasse, pois não se pode
fazer eleição em guerra. Trump retrucou com o pensamento contrário: “Já pensou
se estivermos em guerra dentro de uns três anos e meio [quando seu segundo
mandato termina] e não pudermos ter eleição? Ah, isso seria bom”, comentou
gargalhando. Zelensky achou graça, mas disse: “Não!”.
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