- Valor Econômico
Validação de créditos do FCVS é pedra no sapato dos bancos
Não é fácil encontrar nos balanços dos bancos, mas está lá. Algumas das principais instituições financeiras do país têm feito provisões para o que é, na prática, uma possível dívida pendente com bancos liquidados na época do Proer. Para quem não se lembra, o Proer foi um programa lançado no governo Fernando Henrique Cardoso para sanear o sistema financeiro, que havia sido fortemente sacudido pelo fim da inflação e acumulava, em alguns casos, várias irregularidades. Foi nessa época que os bancos Nacional, Econômico e Bamerindus, entre outros, foram à lona.
Muitos bancos foram divididos entre a parte boa e a parte "podre". Os ativos saudáveis do Nacional, por exemplo, foram transferidos para o Unibanco, que depois se tornou Itaú. No caso do Econômico, foram parar nas mãos do Excel, que depois foi incorporado pelo BBV e, posteriormente, pelo Bradesco.
Para a parte "podre" dos bancos em liquidação, o Banco Central fez um empréstimo e armou uma sofisticada operação para obter garantias para o dinheiro emprestado. É essa operação que agora dá dor de cabeça aos bancos, ao próprio BC e ao Tesouro Nacional.
Na época, muitos bancos acumulavam créditos contra o FCVS, um fundo criado pelo governo militar para cobrir o saldo remanescente de financiamentos imobiliários. Funcionou como um grande subsídio à classe média: as parcelas dos mutuários eram corrigidas pelo dissídio salarial, e não pelas taxas aplicadas ao financiamento; o FCVS cobria a diferença ao fim do contrato.
O saldo de créditos de FCVS era gigantesco e só foi reconhecido no governo FHC, que estabeleceu prazo de 30 anos (que vence em 2027) para que fossem securitizados, isto é, transformados em títulos emitidos pelo Tesouro, o CVS.
Voltando ao Proer. Os bancos em liquidação compraram de outras instituições, com desconto e dinheiro do Proer, as carteiras de FCVS, que foram aceitas como garantia pelo BC pelo valor de face. Os bancos que venderam suas carteiras, entretanto, são os responsáveis por validar, ou seja, comprovar, a existência daqueles financiamentos. Este é o prerrequisito para o Tesouro transformá-los em títulos.
O processo é muito longo e incerto. Em primeiro lugar, o crédito é submetido à Caixa Econômica Federal, que administra o FCVS. A Caixa checa se o financiamento realmente existiu e se está de acordo com as regras do FCVS, como a que determinava que o mutuário só poderia ter um único financiamento com cobertura do fundo. Muitas vezes, o banco pede documentos originais de contratos de 30 ou 40 anos atrás. E, em vários casos, acaba glosando o pagamento. Uma eventual glosa gera várias idas e vindas e a pendência pode virar uma dívida dos bancos que cederam os créditos em favor das instituições em liquidação. Há situações em que as idas e vindas já duram três anos. E há bancos que, na dúvida do desfecho dessa situação, resolvem provisionar os valores em seu balanço.
Mesmo depois de passar pela Caixa, é preciso que o processo seja validado pela Controladoria Geral da União (CGU), antes de ser enviado ao Tesouro, que emite os títulos CVS. Há cinco anos, a CGU, a partir de uma auditoria, questionou a Caixa sobre a metodologia de amostragem utilizada pela instituição. O processo foi praticamente paralisado e, naquele ano, nenhum título foi emitido pelo Tesouro (ver gráfico).
Hoje, o Tesouro tem no orçamento anual espaço para emitir R$ 12,5 bilhões em CVS. De 1998 até 2018, R$ 166,4 bilhões em créditos do FCVS foram securitizados, segundo o Tesouro. Há outros R$ 115 bilhões na fila. O Valor apurou que, do total remanescente, R$ 85 bilhões foram homologados pela CEF, mas aguardam a CGU. Desses, R$ 32,5 bilhões referem-se a créditos cedidos a bancos no Proer.
Em passado recente, BC e liquidantes chegaram a intervir no longo processo de securitização de CVS porque bancos em liquidação, como Nacional e Econômico, não teriam dinheiro para pagar suas parcelas do chamado "Refis das autarquias" se não recebessem os títulos. E a regra prevê que a instituição seja excluída do Refis, caso fique três meses seguidos sem pagar.
Essa complicação toda de Proer, bancos em liquidação, FCVS, Caixa, BC, CGU e Tesouro não faz muito sentido. O governo tem uma dívida, a do FCVS. É ele quem emite os títulos para pagar essa dívida. Esses ativos vão parar nos bancos em liquidação, que utilizam os recursos para pagar quem? O governo. O dinheiro sai de um bolso e entra no outro. Mas para que isso aconteça, é preciso que CEF e CGU mantenham equipes dedicadas à análise do FCVS. Os bancos que cederam os créditos precisam manter enormes estruturas de arquivos físicos e funcionários dedicados à tarefa, além de provisões em balanço. As liquidações dos bancos se arrastam até a questão ser totalmente resolvida. Quanto custa tudo isso?
A equipe econômica do ministro Paulo Guedes, que promete desburocratizar a máquina estatal e simplificar os processos, tem a grande chance de pôr fim de vez a um esqueleto e não deixar que outro se forme. O grande acordo fechado entre governo, Justiça e bancos para o pagamento dos poupadores por perdas nos planos Bresser (1987), Verão (1989) e Collor 2 (1991) é um exemplo do que pode ser feito. O caso é complexo, mas merece um olhar cuidadoso.
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