Alessandro Soler Especial para O Globo
MADRI - O resultado das eleições espanholas mostrou que o medo representou, como esperado, uma poderosa mola propulsora para o voto. Só não foi o medo que a extrema direita do partido Vox agitou ao longo da campanha. Imigração ilegal e ameaça de ruptura das fronteiras nacionais pelo independentismo catalão, revelaram as urnas, parecem assustar menos o conjunto da população do que o próprio temor de que chegue ao poder uma formação xenófoba, racista e misógina como a liderada por Santiago Abascal.
Isso não quer dizer que o Vox saiu perdendo. Com 24 assentos, a legenda ultraconservadora é a primeira dessa parte do espectro ideológico a entrar no Parlamento desde a redemocratização, há mais de 40 anos. A partir de zonas castigadas pelo desemprego e onde prospera a noção de que os imigrantes chegam para roubar empregos, o Vox liderará um projeto sectário que seu líder, Abascal, vem repetidamente chamando, não gratuitamente, de “Reconquista” — o mesmo termo que designa a expulsão dos muçulmanos da Península Ibérica pelos cristãos ao longo da Idade Média.
Não será, contudo, uma tarefa fácil a dele. Um olhar sobre o mapa espanhol pintado de vermelho deixa patente a força da velha política. No caso, a do Partido Socialista Operário Espanhol (PSOE), que, com suas 123 cadeiras, volta a ganhar uma eleição após 11 anos e dá algum alento à social-democracia europeia, em crise em países como Alemanha e França. Na Espanha, repetiu-se a lógica de que, quanto mais participa o eleitorado —75,7% acudiram às urnas, maior percentual deste século —, mais se beneficia a esquerda.
Além da rejeição ao projeto liderado pelo Vox —e, em certa medida, encampado pelo tradicional Partido Popular (de direita e que, com só 66 cadeiras, teve a maior derrota da sua história) —, outra peculiaridade poderia explicar o resultado final de Abascal muito aquém da vitória prevista por analistas conservadores. Trata-se da reduzida, quase inexistente, influência de grupos de WhatsApp e outros serviços de mensagem instantânea na campanha.
Diferentemente do que ocorreu nos pleitos recentes de países como Índia, Brasil ou EUA, a difusão maciça de fake news e slogans fáceis contra os partidos tradicionais não pôde, nem de longe, competir com os meios de comunicação. Estes, fossem alinhados a ideias mais progressistas ou à direita liberal, alertaram para o extremismo das ideias de Abascal. E se fizeram escutar.
A busca do eleitorado pelo centro pode explicar também a desidratação da legenda de esquerda mais radical Unidas Podemos, junção da antiga Esquerda Unida com o partido Podemos, surgido no bojo dos protestos dos jovens “indignados” que tomaram as ruas em 2014 contra o desemprego e a austeridade pós-crise de 2008. A UP levou um tombo das 71 cadeiras que obteve em 2016 para as 42 de agora. Mesmo assim, se perfila como uma das duas propostas antagônicas que Sánchez tem sobre a mesa para um pacto de governo.
Se opta pelo acordo com a Unidas Podemos, somaria 165 cadeiras, o que requereria apoio suplementar de partidos nanicos, nacionalistas entre eles —para a previsível gritaria da direita, que, ao longo de toda a campanha, denunciou o projeto de “destruição da Espanha” que uma suposta aliança entre PSOE e independentistas provocaria.
Outra opção seria fechar com o Cidadãos, de Albert Rivera, que, com 57 cadeiras, garantiria por si só a maioria estável. Mas Rivera voltou a atacar o PSOE e deu por certo o pacto de Sánchez com os independentistas. Sem descer do palanque, Rivera deixou claro que os próximos dias manterão a tônica das últimas semanas no xadrez político espanhol: marcados por tudo, menos por certezas.
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