terça-feira, 30 de abril de 2019

Andrea Jubé: Aristóteles na caserna

- Valor Econômico

Disciplinas criticadas estão no currículo militar

Capitão reformado do Exército, egresso da Academia Militar das Agulhas Negras (Aman) - formação que propaga e da qual se orgulha - o presidente Jair Bolsonaro afirmou no dia 26, em sua conta oficial no Twitter, que o estudo de filosofia e sociologia é desnecessário e gera prejuízo ao contribuinte.

A afirmação soa como um contrassenso porque, recentemente - há apenas quatro anos - a Aman instituiu o estudo de sociologia no currículo dos aspirantes, por considerá-la essencial para a formação dos oficiais militares.

Bolsonaro postou na rede social que o ministro da Educação, Abraham Weintraub, "estuda descentralizar investimento em faculdades de filosofia e sociologia (humanas)". Ressaltou que alunos já matriculados não serão afetados, mas ponderou que o objetivo "é focar em áreas que gerem retorno imediato ao contribuinte". Listou: "veterinária, engenharia e medicina".

O presidente justificou a medida argumentando que o governo deve "respeitar o dinheiro do contribuinte". Deve ensinar aos jovens "a leitura, escrita e a fazer conta e depois um ofício que gere renda para a pessoa e bem-estar para a família, que melhore a sociedade em sua volta".

A recomendação presidencial volta-se para as universidades públicas, embora a Constituição Federal prescreva, no artigo 207, que essas instituições gozam de "autonomia didático-científica, administrativa e de gestão financeira e patrimonial".

Todavia, persiste a dúvida: se a orientação do presidente também se estende à sua escola de origem, igualmente subsidiada por recursos do Tesouro Nacional, relativos ao orçamento do Exército.

Ocorre que filosofia e sociologia são disciplinas inerentes ao currículo de formação dos aspirantes a oficiais na Academia Militar das Agulhas Negras. Ressalte-se, inclusive, que sociologia foi agregada ao currículo em 2015, diante da constatação de que a disciplina contribui para a formação dos militares que querem compreender o mundo pós-moderno.

"O apelo contemporâneo para a capacitação dos oficiais do século XXI para atuarem no terreno humano em meio às incertezas da pós-modernidade é a chave para a inserção da sociologia no currículo dos cadetes", diz a justificativa no site oficial da Aman.

A instituição reforça que a sociologia contribuirá para a "rica aquisição de informações situacionais necessárias para as ações militares", e permitirá aos novos oficiais a tomada de decisões "mais oportunas e adequadas no nível tático".

O estudo da filosofia já integrava o currículo, e segundo a Aman, contribui para a formação moral, para o "desenvolvimento de atitudes coerentes com os compromissos éticos assumidos por todos os oficiais do Exército Brasileiro".

Questões filosóficas
Avesso à filosofia - a despeito do culto familiar e de parte de seus eleitores aos ensinamentos do professor Olavo de Carvalho - o presidente deveria atentar para uma constatação de Aristóteles (384 aC a 322 aC) de que a tendência de um governo, mesmo na democracia, é deteriorar-se, sobretudo quando afloram as disputas de interesses.

Forjado nas aulas de combate, o presidente encontra-se no meio de um campo de batalha, onde justamente seus companheiros da academia militar tornaram-se alvos, por ironia, de um filósofo e seus seguidores.

O que argumentam representantes da ala militar do governo, entretanto, é que os laços que unem Bolsonaro aos militares remontam há quase 50 anos. Esse vínculo também se reporta a um período de provações físicas e emocionais que, em teoria, moldam a alma.

Os generais palacianos foram contemporâneos de Bolsonaro na Aman nos anos 70. O ministro da Secretaria de Governo, Santos Cruz, é da turma de formandos de 1974; o vice-presidente, general Hamilton Mourão, da turma de 1975; o ministro da Secretaria-Geral da Presidência, Floriano Peixoto, concluiu o curso em 1976; e Bolsonaro graduou-se em 1977.

Dessa contemporaneidade, surgiria uma afinidade e uma parceria resistentes aos ataques mais intensos. Entre 1974 e 1977, Santos Cruz, Mourão, Floriano e Bolsonaro submeteram-se, quase simultaneamente, a testes de resistência física e psicológica. Eram provas como corridas de obstáculos, flexões na lama, sobrevivência na selva. Um teste de equilíbrio e força exigia que o cadete atravessasse uma lagoa caminhando sobre um cabo de aço, com as mãos apoiadas numa corda sacolejada por um sargento; em outro teste, o aspirante tinha de se manter na superfície de um lago com dez quilos de chumbos amarrados à cintura.

Bombardeado por Olavo nas redes sociais, o ministro Santos Cruz tem cursos de combate na selva. Mas no momento, trava combate interno contra aliados de Olavo na Secretaria de Comunicação Social, em meio à distribuição da verba de publicidade, sobretudo na campanha publicitária da reforma da Previdência.

Por serem forjados em situações adversas, os militares tendem a resistir ao tiroteio de Olavo, e até mesmo do filho 02, Carlos Bolsonaro. Integrantes da ala militar alertam, no entanto, que se na batalha final o soldado Santos Cruz for abatido, ele não deixará o front sozinho. "O presidente poderia perder o apoio dos militares", diz um representante dessa ala do governo.

Os generais são considerados os fiadores do conturbado governo Bolsonaro. Até agora, o presidente tem se colocado ao lado dos companheiros de Aman. Na última crise com Olavo e o filho Carlos, ele divulgou nota oficial afirmando que as declarações do filósofo "contra integrantes dos poderes da república não contribuem para a unicidade de esforços e atingimento dos objetivos do governo".

No domingo, referiu-se a Santos Cruz como "irmão". "Ele [Santos Cruz] foi meu colega de pentatlo militar no meu tempo de tenente, ele capitão", declarou. Ambos eram referências no pentatlo. Pelo porte físico e velocidade, Bolsonaro tinha o apelido de "Cavalão". Mas o recorde na Aman até hoje é de Santos Cruz, que correu 3,6 quilômetros em 12 minutos.

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