terça-feira, 30 de abril de 2019

Centro-esquerda faz guinada à esquerda na Europa

Por Giovanni Legorano | Dow Jones Newswires / Valor Econômico

Os partidos de centro-esquerda da Europa, que perderam votos recentemente, estão se inclinando à esquerda para recuperar os eleitores da classe trabalhadora que migraram para movimentos de extrema-esquerda e populistas. Essa iniciativa deu resultado nas eleições da Espanha, no domingo, na qual os socialistas arrasaram seus adversários conservadores.

Os socialistas, que governam a Espanha desde junho de 2018, venceram uma competição fragmentada com uma plataforma baseada em direitos para os trabalhadores, impostos maiores para os ricos e proteção do meio ambiente - questões centrais para a base social-democrata do partido. Apesar disso, o PSOE terá de formar uma coalizão com aliados menores para ter maioria no Parlamento.

"As pessoas não conseguem mais se sustentar", disse Antonio Benítez, servidor público, de 57 anos, que vive na região da Andaluzia. "Está na hora de que falem sobre os pilares fundamentais da esquerda, de ser socialista, sem esses desvios para o centro."

Do mesmo modo, partidos de centro-esquerda na Alemanha, na Itália e no Reino Unido estão tentando atrair de volta eleitores que se sentirem traídos por políticas centristas que, acreditam, os fizeram mais pobres e ameaçaram a segurança de seus empregos. Parte desse eleitorado migrou para partidos novos, à esquerda e à direita.

"Nós claramente viramos para a esquerda", disse Pau Marí-Klose, um socialista que se elegeu para o Parlamento espanhol no domingo. "Nossa retórica está altamente carregada com mensagens de esquerda e acrescenta novos temas, como a precariedade e as mudanças climáticas. Fizemos isso para nos aproximar dos setores que nos abandonaram, como os jovens."

Os socialistas conquistaram 123 das 350 cadeiras do Parlamento da Espanha, 85 a mais do que nas últimas eleições, em 2016, enquanto o conservador Partido Popular caiu para apenas 66 vagas, ante as 137 que detinha. O PP perdeu muitos eleitores para o partido Vox, de extrema-direita, que elegeu 24 deputados (não tinha nenhum), graças principalmente à irritação dos nacionalistas espanhóis com as ambições separatistas da Catalunha.

De todo modo, para ter a maioria parlamentar, o premiê socialista Pedro Sánchez terá de construir uma coalizão, que provavelmente será de difícil gestão. A negociação para a formação do governo pode levar semanas. Sánchez pode ainda tentar formar um governo sozinho, sem maioria, mas isso costuma ser instável e durar pouco.

A angústia existencial que aflige os partidos de centro-esquerda da Europa reflete o debate dentro do Partido Democrata dos EUA sobre como responder ao desafio do presidente Donald Trump: ir para a esquerda para ganhar alguns eleitores, com o risco de perder outros, ou mirar no centro? Nas eleições legislativas de 2018, os democratas tiveram uma onda esquerdista.

Quando a ideia de governo grande caiu em descrédito, ao fim da Guerra Fria, os partidos de centro-esquerda no Ocidente passaram a aceitar cada vez mais a visão econômica de livre mercado, ao mesmo tempo em que buscavam limar as arestas do capitalismo em vez de mudá-lo radicalmente.

Na Europa, líderes como o britânico Tony Blair e o alemão Gerhard Schröder conduziram a mudança de perspectiva, dos generosos Estados de bem-estar social e da intervenção estatal para a desregulamentação, a privatização e a concorrência. Líderes de centro-esquerda na França, Itália, Espanha e em outros países os seguiram.

Com o tempo, os eleitores da classe trabalhadora na Europa passaram a considerar esses partidos como cada vez mais distantes das pessoas comuns. Seus seguidores sentiram-se traídos quando alguns deles, como os socialistas da Espanha e os democratas da Itália, respaldaram cortes na seguridade social para escorar as finanças do governo durante a crise financeira.

Populistas de extrema-esquerda e extrema-direita ganharam espaço, entre eleitores desiludidos, com ataques ao sistema, o que acelerou o declínio de partidos tradicionais de centro-esquerda.

"É como se esses partidos tivessem levado uma pancada na cabeça e ficado desorientados", disse Catherine De Vries, cientista política da Universidade Livre de Amsterdã. "Alguns deles decidiram retomar seus princípios fundamentais para recuperar eleitores."

O Partido Trabalhista britânico, marcado pela derrota inesperada nas eleições de 2015, esteve entre os primeiros a virar à esquerda. Seu líder, Jeremy Corbyn, atraiu milhares de jovens com mensagens contra a austeridade e a guerra. Ele também defende reestatização da água e das ferrovias. Nas eleições de 2017, o Partido Trabalhista conquistou 40% dos votos, ante os 30% de 2015, mais ficou em segundo lugar, abaixo do governante Partido Conservador. "O socialismo voltou à agenda", disse o trabalhista John McDonnell.

O Partido Social-Democrata (SPD) alemão e o Partido Democrático da Itália estão se afastando das políticas econômicas pró-empresas que implementaram nas duas últimas décadas, depois de perder uma série de eleições.

Em 2017, o SPD teve seu pior resultado pós-guerra numa eleição legislativa, após perder muitos eleitores desiludidos com seu rumo centrista na economia. Tanto os Verdes, de tendência esquerdista, como o Alternativa para a Alemanha (AfD), de extrema-direita, tiveram ganhos significativos.

Na Itália, o Partido Democrático perdeu votos desde 2013 para o Movimento 5 Estrelas, antissistema, e para a Liga, de extrema-direita, que hoje governam juntos o país. Entre as políticas dos democratas que afastaram eleitores antigos estão a reforma da Previdência, que elevou a idade mínima para aposentadoria. O apoio popular ao Partido Democrático caiu pela metade desde o início de 2014.

Nicola Zingaretti, recém-eleito líder dos democratas, disse estar analisando uma aliança eleitoral com parlamentares que deixaram o partido por causa de políticas que consideravam muito centristas, tais como as regras que facilitavam a demissão de trabalhadores. "As forças populistas se saíram melhor do que as progressistas por causa de um anseio por mais justiça", disse ele em abril.

Na Espanha, Sánchez elevou o salário mínimo em 22% antes do Natal, uma medida que teve boa repercussão entre os espanhóis de baixa renda. Sua defesa de impostos maiores para as empresas marca um contraste com o último premê socialista da Espanha, José Luis Rodríguez Zapatero, que há mais de uma década disse que "cortar impostos é de esquerda".

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