- Folha de S. Paulo
Governo Bolsonaro dá centralidade política para as guerras culturais
Muitos veem as guerras culturais promovidas pelo governo Bolsonaro como uma agitação estratégica que seria usada como cortina de fumaça para desviar a atenção do público das “pautas sérias”, como a reforma da Previdência e a inação frente ao desemprego crescente.
Ao gerar controvérsia sobre temas divisivos e passionais, os temas realmente importantes escapariam do escrutínio do público.
A tese, porém, não procede. Desde a campanha, Jair Bolsonaro dá prioridade para os temas morais. O governo Bolsonaro é um governo conservador que utiliza de maneira acessória e até mesmo oportunista a agenda liberal —e não o contrário.
Nas eleições, o que vimos foram duas linhas de discurso moral articuladas por uma retórica populista, antielitista: de um lado, críticas à corrupção promovida pelo Partido dos Trabalhadores e outros partidos “tradicionais”; de outro, ataques ao discurso progressista dos movimentos sociais que teriam ocupado
escolas, universidades, os meios de comunicação, as ONGs e as artes.
É contra essas mal definidas elites políticas e culturais que a mobilização conservadora se articulou. Essa é a essência política do governo, e não as reformas liberais.
É isso, aliás, o que explica os surpreendentes resultados da pesquisa do Ibope lançada na última quarta-feira (24), que mediu a aprovação de diferentes áreas do governo. As três mais bem avaliadas foram segurança pública (57%), educação (51%) e meio ambiente (48%).
Não chega a ser surpreendente que a área mais bem avaliada seja a de segurança pública, já que o titular da pasta é o popular ministro Sergio Moro. Apesar disso, era de se esperar algum impacto negativo das controvérsias sobre o seu pacote anticrime, considerado por muitos especialistas como condescendente com o abuso cometido pelas forças policiais.
Muito mais surpreendente foi o grau de aprovação do Ministério da Educação, cujos primeiros meses foram marcados pela completa inoperância administrativa e pelo fogo cruzado entre técnicos e militares e setores ultraideológicos engajados nas guerras culturais.
Também surpreende a aprovação do Meio Ambiente, pasta cujo titular é um verdadeiro representante do desmatamento e cujos grandes feitos foram ameaçar perseguir servidores, cortar o orçamento do Ibama e ameaçar fechar o Instituto Chico Mendes.
Em 1992, um estrategista da campanha eleitoral de Bill Clinton cunhou a expressão “the economy, stupid” [a economia, estúpido] para se referir à centralidade política dos assuntos econômicos. Parece que a máxima está sendo contestada pelos fatos.
*Pablo Ortellado, professor do curso de gestão de políticas públicas da USP, é doutor em filosofia.
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