Bolsonaro cria risco amazônico para o agronegócio || Editorial / O Globo
Governo renega a Ciência, desdenha de debates e estimula o desinvestimento externo
O governo Jair Bolsonaro tem sido pródigo em disfarçar a própria escassez de ideias com o abuso da retórica. O caso da Amazônia é exemplar. Critica a Igreja Católica, que há três anos prepara um Sínodo no Vaticano, em outubro, para uma reflexão além do âmbito eclesial sobre essa área de 7 milhões de km² , dos quais 64% estão no Brasil.
Desdenha de países que, nos últimos dez anos, repassaram US$ 1 bilhão dos seus cidadãos — a fundo perdido — para projetos sustentáveis, cujos únicos beneficiários são comunidades nas quais a presença do Estado brasileiro é rarefeita.
Critica em linguajar tosco chefes de Estado da Alemanha, França e Noruega, entre outros, por seus apelos à preservação ambiental, insinuando uma suposta conspiração contra a soberania brasileira. Nesse aspecto, aliás, Bolsonaro mimetiza líderes da esquerda mais retrógrada, habituados a recorrer ao espectro do “inimigo externo” para justificar o próprio naufrágio por incompetência — como na Venezuela de Hugo Chávez e Nicolás Maduro.
Essa retórica encrespada do presidente sobre a suposta cobiça estrangeira apenas ecoa uma etapa da ditadura militar, quando ocorreu no Brasil, em plena Guerra Fria, uma aproximação entre extremistas fardados do nacionalismo e seus símiles na esquerda anticapitalista e defensora da luta armada.
O alarido governamental mais revela do que oculta: Bolsonaro, na realidade, não tem um plano para a Amazônia, que é metade do território nacional, nem sequer um programa de desenvolvimento regional sustentável. São inúmeras as evidências científicas da evolução do desmatamento e da degradação do bioma amazônico.
Em junho, por exemplo, o desmate avançou 56% em áreas privadas ou tituladas como posse, informa o Imazon Sem projeto alternativo, consistente, o governo se limita a renegar a Ciência, a desdenhar de debates e a estimular o desinvestimento externo. É política pouco inteligente. A incontinência retórica de Bolsonaro está criando um risco amazônico para o agronegócio, hoje responsável por 26% do Produto Interno Bruto.
Desempregados crônicos || Editorial / O Estado de S. Paulo
Não há muito o que comemorar no conjunto de dados sobre o desemprego divulgado pelo Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE). Enquanto mostram um recuo de 0,7 ponto porcentual na taxa de desocupação entre o primeiro e o segundo trimestre do ano e de 0,4 ponto em relação ao segundo trimestre do ano passado, fechando em 12%, as estatísticas do segundo trimestre indicam que o desemprego e o subemprego estão se transformando em condição permanente para uma parcela cada vez maior da população.
A Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios (Pnad) Contínua Trimestral do IBGE do segundo trimestre revela que 26,2% dos desempregados estão procurando emprego há pelo menos dois anos. Em números absolutos, são 3,3 milhões de brasileiros que não conseguem ocupação embora queiram trabalhar. É o maior contingente desde 2012 - de lá para cá, esse exército de desempregados crônicos cresceu nada menos que 120%, segundo as contas do IBGE.
A tendência de crescimento dessa parcela de desempregados vem se verificando desde 2015, mas o salto atual é especialmente expressivo. Entre os que estão procurando emprego há mais de um e menos de dois anos, houve aumento de 80,2% em relação a 2012. No mesmo período, o contingente dos que procuram emprego sem sucesso há mais de um mês e menos de um ano cresceu 52,5%.
Tudo isso indica clara deterioração das condições do mercado de trabalho em especial para a parte mais vulnerável e menos preparada da população, justamente a que mais sofre com o desemprego por não contar com reservas financeiras nem ter serviços públicos adequados para melhorar sua condição de vida.
Outros dados da pesquisa corroboram essa dramática constatação. Dos desempregados no segundo trimestre, 55,5% tinham concluído pelo menos o ensino médio. Ou seja, mesmo alcançando algum grau de instrução, essa parcela da população tem dificuldade para encontrar trabalho. Tal falta de perspectiva certamente colaborará de maneira decisiva para o aumento do contingente de desalentados - formado pelos que não procuraram emprego no período de referência da pesquisa por se considerarem muito jovens, muito idosos ou pouco experientes, ou ainda por acreditarem que não encontrarão oportunidade de trabalho. Os desalentados chegaram a 4,9 milhões de pessoas, que representam 4,4% da força de trabalho, recorde na série histórica, segundo o IBGE.
Com isso, consolida-se a exclusão praticamente definitiva de uma parcela cada vez maior da população do mercado de trabalho, por significativa falta de condições de disputar as poucas vagas disponíveis. Dos 37,9% de brasileiros em idade de trabalhar que não procuram emprego (e, portanto, não entram na estatística de desemprego), nada menos que 52,2% não tinham concluído nem sequer o ensino fundamental. São pessoas que só terão alguma renda se tiverem assistência do Estado. Não por outra razão, pesquisa recente do Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (Ipea) com base em dados de emprego e renda do primeiro trimestre constatou que em 22,7% dos domicílios no País não há um único morador com renda gerada pelo trabalho. Eram 19% no início de 2014, e a tendência é de que a alta continue.
Somando-se os desempregados e os subutilizados - isto é, que trabalham menos do que gostariam e poderiam -, chega-se a 24,8% da força de trabalho. Como o governo federal ainda não tomou nenhuma medida efetivamente capaz de estimular a geração de empregos no País, os brasileiros que integram esse contingente se viram como podem. Nada menos que um quarto da população ocupada era de trabalhadores por conta própria. Não se trata, obviamente, de algum surto de empreendedorismo no Brasil, e sim de recurso desesperado a atividades de baixíssima e incerta remuneração, num mercado de trabalho cada vez mais seletivo e desafiador.
Trata-se de um desastre social de proporções ainda desconhecidas. Portanto, está mais do que na hora de o presidente Jair Bolsonaro começar a acreditar nos números que lhe mostram a dura realidade da conjuntura nacional sob seu governo e deixar de ser indiferente ao padecimento dessa crescente massa de brasileiros sem perspectiva de trabalho.
Temor global || Editorial / Folha de S. Paulo
Ameaça à expansão econômica agita mercados; Brasil tem espaço para reduzir juros
A economia mundial passa novamente por um período turbulento. Num quadro de persistente letargia da atividade, o acirramento dos conflitos comerciais entre Estados Unidos e China aumenta os riscos de uma nova recessão.
Os sinais nesse sentido se avolumaram nos últimos meses, com indicadores sugerindo menor crescimento nas duas potências em disputa, enquanto na Europa já parece se instalar uma —até agora pequena— retração industrial.
À diferença do que ocorreu em outros episódios, como a crise de 2008, os desequilíbrios financeiros não se mostram com tanta clareza agora. Deve-se considerar a hipótese de que a expansão do Produto Interno Bruto global venha simplesmente a perder velocidade, caindo de 3,5%, média anual da última década, para algo como 2,5%.
O clima nos mercados, de todo modo, é de grande ansiedade. Os juros globais vem atingindo novas mínimas. Na semana passada, a taxa do papel de 30 anos do Tesouro americano caiu abaixo de 2% ao ano pela primeira vez na história.
Quase todos os países da zona do euro já se financiam com taxas negativas em prazos mais curtos. Na Alemanha, o cidadão paga 0,65% ao ano pelo privilégio de emprestar por dez anos a seu governo.
Trata-se de um quadro inédito e de difícil explicação. Um decênio de expansão monetária bastou para reduzir o desemprego, mas não produziu aceleração de salários nem demanda exuberante, de consumo ou investimentos.
A inflação segue abaixo das metas dos principais bancos centrais. Os analistas começam a questionar o que resta de munição nos arsenais das autoridades monetárias, caso seja necessário novo combate.
Se ainda é cedo para um veredito, já surgem sugestões de uma nova rodada de inovações para estimular a economia. Organizações insuspeitas, como o Banco Central Europeu e o Fundo Monetário Internacional pedem maior protagonismo dos governos, com expansão de gastos públicos e cortes de impostos, sobretudo na Europa.
Seria um erro transpor tais receitas para o Brasil, no entanto. Aqui ainda resta considerável espaço para cortar o custo do dinheiro e assegurar que essa redução chegue aos tomadores finais.
A perspectiva atual é que a taxa Selic, do Banco Central, caia a apenas 5% nos próximos meses, o que deve trazer algum estímulo à atividade econômica. Nessas condições, o investimento privado em infraestrutura poderá surpreender.
Com ampla ociosidade produtiva, alto desemprego e inflação baixa, o BC deve aproveitar ao máximo a oportunidade. Deve-se evitar, por outro lado, a tentação de medidas que impliquem relaxamento do controle das despesas, condição necessária para que o Estado assegure sua solvência.
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