- O Globo
Sob pressão, Polícia Federal e Receita tentam resistir à interferência presidencial. No Rio, os dois órgãos atrapalham os negócios das milícias
Jair Bolsonaro não preza pela discrição. Na quinta-feira, o presidente atropelou a Polícia Federal e anunciou a remoção do superintendente no Rio. Na manhã seguinte, bateu no peito e confirmou a interferência política: “Quem manda sou eu, vou deixar bem claro. Eu dou liberdade para os ministros todos, mas quem manda sou eu”. O mandonismo presidencial já fez vítimas em diversas áreas do governo —do fiscal do Ibama que o multou ao diretor do Inpe que não aceitou esconder os números do desmatamento. Agora chegou a vez dos órgãos de combate à corrupção e ao crime organizado.
Segundo disse Bolsonaro, o delegado Ricardo Saadi deixará o posto por problemas de “gestão e produtividade”. A declaração irritou o diretor-geral da PF, Maurício Valeixo, que desmentiu o presidente em nota oficial. O episódio esvaziou ainda mais o ministro Sergio Moro, a quem a polícia está subordinada.
A troca de Saadi foi antecipada por outro motivo: sob o comando dele, correm investigações sensíveis ao clã presidencial. O delegado despacha na Praça Mauá, mas coordena casos com potencial para abalar o Planalto. Um deles envolve o senador Flávio Bolsonaro, suspeito de ocultar bens nas eleições de 2014. Na época, o faz-tudo Fabrício Queiroz já assinava cheques em seu gabinete na Alerj.
Também corre na PF fluminense o inquérito sobre a trama montada para encobrir os assassinos da vereadora Marielle Franco. O crime ocorreu há 522 dias, mas os mandantes ainda não foram identificados. O que se sabe até aqui aponta para a participação das milícias.
A Polícia não é o único órgão de controle sob pressão. A interferência de Bolsonaro também ameaça a Receita Federal. Nos últimos dias, o superintendente do Rio, Mario Dehon, foi posto na frigideira. Auditor de carreira, ele resiste a entregar as cabeças de dois subordinados: o chefe da Alfândega de Itaguaí e a chefe de atendimento na Barra da Tijuca, bairro onde vive a família do presidente.
O Porto de Itaguaí é alvo de cobiça das milícias que atuam na Zona Oeste do Rio. A corregedoria da Receita já afastou auditores suspeitos de colaborar com as quadrilhas. Hoje a Alfândega é comandada por José Alex Nóbrega, um servidor respeitado na carreira. O presidente do Sindifisco, Kleber Cabral, afirma que o afastamento de Dehon pode desencadear uma crise de grandes proporções. “A Receita não pode sofrer interferência política. Se isso se confirmar, a reação interna será grande”, avisa.
Na quinta-feira, Bolsonaro disse que não quer ser “um presidente-banana”. Ao intervir em órgãos de Estado, ele ameaça bananizar a República.
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