- O Estado de S. Paulo
É bom reduzirmos nossa arrogância e admitirmos que a incerteza é grande
Quem até recentemente cultivou o hábito de atribuir às elevadas taxas de juros a culpa pelas baixas taxas de crescimento no Brasil, pode buscar a ajuda de um terapeuta para evitar que a perda do “security blanket” cause danos à sua estabilidade emocional. O motivo do comentário não é a decisão do Copom de baixar 50 pontos base na taxa Selic, mesmo porque com uma economia estagnada e sem risco de inflação não há dúvida de que outras reduções se seguirão. Meu argumento é que há causas importantes que, por um longo período, deverão manter baixas as taxas reais de juros no Brasil e no mundo. Com isso, o debate sobre o nosso crescimento, que ainda assim continuará baixo, terá que se concentrar nas suas verdadeiras causas, e não nos mitos, como o de que o objetivo único da política monetária seria favorecer os rentistas.
Há uma queda persistente das taxas de juros nos países avançados, que se manteve mesmo depois da recuperação à crise de 2008/2009, e isto se deve em grande parte à transição demográfica, com a queda da proporção da população mais jovem e o aumento da mais velha. Jovens têm que poupar mais durante a vida ativa para sustentar o consumo na velhice, e o aumento da poupança reduz a taxa neutra de juros. Dado que transição demográfica não é um episódio cíclico, o curso dos juros não é movimento transitório, e não há nada estranho que em países sem riscos, como Alemanha e Japão, títulos públicos paguem taxas nominais negativas de juros, e que nos EUA as taxas reais das treasuries de 10 anos estejam abaixo de 2% ao ano.
No Brasil, desde a adoção do regime de metas, a taxa real de juros nunca parou de cair. Em 2013 e 2014 as taxas das NTN-B com vencimento em 2030 e 2040 estavam entre 6% e 8%, e atualmente rendem 3,5% ou menos, e se caem as taxas de juros sem que a inflação se eleve é porque ocorreu uma queda da taxa real neutra de juros. A consolidação fiscal iniciada com a reforma da Previdência deve elevar as poupanças – públicas mais privadas –, mantendo baixa a taxa neutra, e como a recuperação da economia deve se manter lenta teremos juros reais baixos por um extenso período.
Porém, nesse mundo estranho há desafios. Por exemplo, como explicar que com a renda per capita estagnada em um nível 9% abaixo de seu pico, no primeiro trimestre de 2014, e sem perspectivas de crescimento, o Ibovespa cresceu e passou dos 100 mil pontos? A explicação é simples, o preço de uma ação é o valor presente descontado a taxa real de juros de menor risco, e mesmo com as expectativas de lucro deprimidas devido ao PIB estagnado, a taxa de desconto no cálculo daquele valor presente nunca foi tão baixa, e deverá manter-se baixa por um extenso período. É tentador, nestas circunstâncias, mudar a composição do portfólio de ativos comprando ações que, devido à manutenção da taxa de desconto em níveis muito baixos tem alta probabilidade de elevar-se acima de seu valor fundamental.
Em adição, há um estímulo enorme para que as empresas comecem a alterar a composição de seu capital reduzindo proporcionalmente a componente de equity, que é mais cara, elevando a dívida, que é mais barata. Como o ciclo econômico não foi abolido da face da Terra, no momento em que a economia entrar na fase cadente do ciclo pegará as empresas mais alavancadas, o que acentua a contração. O problema torna-se mais grave quando estes movimentos não ocorrem apenas no Brasil, mas também – e principalmente – nos países economicamente maduros.
A história nos ensina que empresas alavancadas e preços dos ativos acima de seu valor fundamental é uma combinação extremamente perigosa.
Nas últimas décadas já assistimos exemplos da crença de que vivíamos em um mundo “sem riscos”. Foi assim nos anos da “Grande Moderação”, quando se acreditava que a volatilidade do crescimento, da inflação e dos preços dos ativos havia desaparecido, mas aquele mundo supostamente sem riscos levou à crise de 2008/2009 com custos enormes para todos os países. Não acredito que desta vez tenhamos volatilidades baixas nos preços dos ativos e nem que os ciclos econômicos tenham desaparecido. Afinal, com as taxas de juros no zero bound, ou próximas dele, não há como os países avançados fazerem política monetária contra cíclica. Em um mundo com essas características é bom reduzirmos nossa arrogância e admitirmos que a incerteza é grande, para nos situarmos melhor neste emaranhado de sinais de difícil interpretação.
*Ex-presidente do Banco Central e sócio da A.C. Pastore & Associados
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