Presidente da Abag, Marcello Brito nega que haja ‘paranoia’ sobre o ambiente, como afirmou Bolsonaro, e diz que, se o setor não se enquadrar na pauta global da biodiversidade, Brasil ficará ‘fora do jogo’
Johanns Eller || O Globo, 17/8/2019
RIO — Engenheiro de alimentos e diretor-executivo da Agropalma, maior produtora de óleo de palma do Brasil, Marcello Brito está desde dezembro à frente da Associação Brasileira do Agronegócio (Abag), entidade que reúne muitas das principais empresas do país.
Ele defende os dados científicos que mostram o crescimento dodesmatamento no Brasil (" É só dar uma passadinha aqui na Amazônia, não precisa ir muito além de Belém ou de Manaus para assistir a isso de camarote", diz) e a legislação que protege o ambiente, como o Código Florestal, ameaçado de alteração .
Também afirma que a grande maioria dos empresários do agronegócio já entendeu que o setor está ligado de modo irreversível à preservação do meio ambiente, tanto pela dependência de terra e de água quanto pelo fato de que quem não se enquadra na nova agenda ambiental global perde mercados no exterior.
Ele mostra preocupação com o recrudescimento da retórica antiambientaldo atual governo , mas acredita que o presidente ainda pode corrigir o rumo. “Se ele olhar as informações que o mundo está passando em relação às ações do Brasil, tenho certeza de que a atuação dele será diferente”, diz.
• Em que pontos a agenda ambiental converge com a do agronegócio?
Para termos agronegócio precisamos de terra e água. Água só temos com o ciclo natural de chuvas, para o qual precisamos de florestas. Uma coisa é intrínseca à outra. Hoje em dia, o que mais pesa em cima do nosso setor é justamente a questão do desmatamento. Muitos anos atrás, era algo efetivamente praticado pelo agronegócio. A empresa que eu dirijo (Agropalma), nós temos, entre produção própria e parcerias, 52 mil hectares. A parte que foi desenvolvida na década de 80 e início de 90 foi em substituição de floresta. Mantivemos reserva legal, mas uma parte foi cima de desmatamento. Isso é algo que não cabe mais. E, quando você faz a análise do desmatamento atual, entende que a maior parte dele é ilegal, que nada tem a ver com o agronegócio propriamente dito.
• Então há pautas em comum?
A Abag acredita que é do nosso interesse total trabalhar junto a outras forças da sociedade auxíliando o governo e as forças estaduais e federais no combate ao desmatamento ilegal. A agenda ambiental hoje faz parte de todo e qualquer negócio. É indissociável. A grande maioria dos empresários do setor já enxerga que a agenda ambiental da nova geração é completamente diferente da nossa. Ou nos enquadramos dentro dessa nova agenda mundial de mudanças climáticas e preservação da biodiversidade ou ficaremos fora do jogo.
• Em que medida o Brasil pode ser afetado?
Imagina se a gente conseguir reduzir o desmatamento ilegal em 50% nos próximos 5 anos, o sucesso que isso seria em termos de reconstrução da imagem brasileira? Estamos falando em acesso a mercado. Uma coisa é muito clara: a gente precisa saber analisar mercados de forma mais profissional. Aquela imagem antiga de que, se o Brasil não participar, ninguém vai ter (produtos) para oferecer, não é verdadeira. A partir do momento em que você dá oportunidade de mercado e deixa espaço a ser preenchido, alguém vai preenchê-lo. O Brasil não é uma ilha paradisíaca e única produtora de alimentos do mundo. Vários outros países também têm condições. Às vezes não têm as condições tropicais que temos aqui, mas com há tecnologia disponível hoje, só lembrar que Arábia Saudita e Israel têm plantações no deserto. E a gente também tem o continente africano monstruoso em oportunidades agrícolas, ainda com uma série de dificuldades socioeconômicas e políticas, mas no passado nós tivemos também. É uma questão de competência.
• Houve, no período após a eleição, o sentimento de que ruralistas estavam em êxtase com a possibilidade de expandir suas fronteiras agrícolas. Há segmentos preocupados com o desenvolvimento sustentável?
Nós estamos em um processo de construção de consensos e de visões. Nada mais forte do que o mercado. Você vai ampliar a fronteira agrícola para quê? Está faltando alimento no mundo? Isso significaria derrubar os preços.
• A ex-ministra Kátia Abreu (PDT-TO), notório quadro da bancada ruralista no Congresso, disse em entrevista ao “Estado de S. Paulo” que o presidente Jair Bolsonaro atua como “antimercado” ao ignorar a importância do meio ambiente para a produção agrícola. O senhor concorda?
Olha, a senadora naturalmente tem o viés político dela ao fazer seus comentários. A minha posição é empresarial, e eu diria que falta uma sintonia maior com a realidade ambiental, e diria que talvez o presidente esteja tomando decisões sem ter a devida informação em suas mãos. Ninguém chega à posição que ele chegou se não for uma pessoa inteligente, que saiba olhar o que acontece em volta. Se ele olhar as informações que o mundo está passando em relação às ações do Brasil, tenho certeza que a atuação dele será diferente. Tenho plena consciência de que esse governo não é feito só de uma pessoa, mas de uma composição. Se você olhar para os diversos ministérios, há muita gente boa e competente. Você vê o brilhante trabalho da Tereza Cristina (ministra da Agricultura), da Infraestrutura (do ministro Tarcísio Gomes), seria muito ruim da nossa parte se a gente achasse que todo o governo brasileiro é incompetente.
• Há espaço para acertar, então?
Estão no começo, assentando compromissos e promessas políticas, mas muito em breve a realidade se fará valer mais pesada do que a simples retórica. A realidade é pôr o Brasil para andar, fazer o que o Paulo Guedes está fazendo em termos econômicos, o que a Tereza Cristina está fazendo em termos de exposição e acesso a mercado, o que a Infraestrutura está fazendo em termos de PPPs e privatizações e trazer capital, já que o Brasil não tem poupança suficiente para isso, e encontrar capital privado e externo que financie e invista em melhorias de infraestrutura do país. A retórica política vem e passa. Se olharmos o que disseram os últimos cinco presidentes, vamos encontrar pérolas em todos eles.
• Mas essas pérolas tiveram repercussão global como as do presidente Bolsonaro?
Existe um contexto global político muito diferente hoje. Se a gente pegar de FH até Dilma, você tinha quase que uma convergência ou social-democrata ou de esquerda no mundo. Hoje, você vive em um programa dicotômico, com a direita assumindo uma série de países, enquanto nações importantes, principalmente os europeus, continuam com o mesmo modelo. Não tenho a menor dúvida que levará um tempo para que essas frentes se acomodem. No decorrer dos anos, por pior que seja o estado das coisas, você acaba tendo uma prudência política, uma acomodação feita por pressão popular ou empresarial, ou pelos dois.
• E se o presidente persistir na retórica ao longo do governo?
Se continuar nos próximos quatro anos, sim, terá um impacto pesado. Prefiro acreditar que toda essa retórica faz parte de um processo de acomodação no processo de comando até que, espero que rapidamente, voltem a um patamar normal de negociação entre os diversos poderes e mercados.
• Há mesmo uma “paranoia ambiental” no exterior, como afirma o presidente Bolsonaro?
Eu não chamo de paranoia ambiental, mas de acompanhamento da ciência. A ciência mostra que temos seríssimos problemas de meio ambiente e que há necessidade de quebrar paradigmas de modelos de desenvolvimento. Se você é negacionista, pode até achar que é uma paranoia, mas eu não sou. Sou engenheiro de formação, com especialização, acredito na ciência. E 99% dos cientistas climatologistas do mundo afirmam categoricamente a questão da interferência humana nas mudanças climáticas. Prefiro estar do lado da mesma ciência que traz benefícios para o ser humano. Não se pode concordar apenas quando ela está produzindo medicamentos, procedimentos médicos, um alimento melhor, e transformá-la em inimiga quando contraria meu entendimento empresarial e mercadológico. A ciência está mostrando que nós precisamos agir, mas ainda há políticos em alguns países muito resistentes ao que a ciência está tentando demonstrar.
• Os ministros das Relações Exteriores (Ernesto Araújo) e do Meio Ambiente (Ricardo Salles), diretamente ligados a essa questão, mostram ceticismo quanto às mudanças climáticas. Como o senhor vê isso?
Veja bem, quando falo que as coisas vão se assentando... Você deve ter acompanhado que o ministro Salles anunciou na terça-feira que convenceu os senadores Flávio Bolsonaro e Marcio Bittar a retirar o PL da reserva ambiental. Se alguém te falasse isso há 20 dias, você acreditaria? Isso é uma evolução de entendimentos. Quando o ministro anunciou que hoje tem um comitê exclusivo estudando o artigo 6 do Acordo de Paris, ele está mostrando que o governo avaliou que realmente existe um ganho potencial para o Brasil aqui em termos de pagamento de serviço ambiental e trocas de mercado, ao contrário do que disseram lá atrás, quando ameaçaram sair do Acordo de Paris. Além de permanecer, vamos instituir comitês para desenvolver uma série de ferramentas contidas no Acordo. Estou falando isso sob o ponto de vista ambiental, de mercado.
• O senhor defende enfaticamente que o Código Florestal fique como está. Por que é contrário a mudanças, como o PL de Flávio Bolsonaro (PSL-RJ) e Márcio Bittar (MDB-AC)?
O Brasil é o maior país tropical do mundo. Somos donos da maior floresta tropical e da maior biodiversidade do mundo. Lamentavelmente, principalmente nas últimas quatro décadas, o processo de desenvolvimento do Brasil nos ensinou a ter um baita orgulho de sermos tropicais pela agricultura pungente, pelas belas praias, mas não fomos ensinados a termos orgulho a sermos donos da maior biodiversidade do mundo. Acho que o Código Florestal foi a lei mais discutida da história desse país. Ao final, quando foi ratificada, não agradou a nenhum dos dois lados, o que é um ótimo sinal de que é uma boa lei. Conseguimos através de uma lei garantir que conseguiríamos seguir adiante.
• Quais pontos positivos para o setor o senhor destacaria no Código?
É uma lei que ao mesmo tempo dá condições de nos desenvolvermos e uma proteção ambiental muito grande. O mundo viu isso com muita alegria. Só que o planeta também vê que o Brasil tem a famosa lei que nunca pegou, mais uma jabuticaba nossa. É um negócio que não cabe no exterior. O Brasil tem que passar essa percepção. Não existe realidade. São as percepções que dão dimensão da realidade. Precisamos passar a percepção de que nossas leis são duradouras. Fizemos algo para ser efetivamente utilizado de forma muito séria. O Código, ao contrário do que dizem, não é bloqueador do desenvolvimento, é impulsionador. É isso que nos dá condição de talvez mudar o paradigma de desenvolvimento brasileiro. De finalmente praticar uma bioeconomia muito forte.
• Como vê a discussão em torno da legitimidade dos dados científicos do Inpe?
Eu não tenho muita preocupação com toda essa briga que teve em relação aos dados. Se você analisar, vai enxergar que tudo ocorreu por conta de uma interpretação de como os dados foram colocados. Ninguém disse que os números estão errados. Dentro de pouco tempo teremos a checagem dos dados e, pelo o que eu acompanho, não vai ter muita diferença do que saiu e do que sairá lá na frente (na divulgação anual do Prodes). Por isso a ciência é boa, principalmente quando envolve satélites, com apuração dos dados pela matemática. Não tem como fazer interpretação da matemática e de imagens de satélite.
Mas a repercussão negativa para o Brasil no exterior foi muito grande.
A questão da política, com grande desgaste ao Brasil, pegou demais na nossa imagem. Daqui a três meses, quando chegarem os dados oficiais do Prodes ou de qualquer outra avaliação privada, vamos ver que eles efetivamente comprovarão o aumento do desmatamento, que vem crescendo desde 2012 de forma incessante, e não tem nenhum brasileiro que possa contestar isso. Porque é a realidade. É só dar uma passadinha aqui na Amazônia, não precisa ir muito além de Belém ou de Manaus para assistir isso de camarote.
• Esses danos à imagem brasileira podem ser profundos? O senhor enxerga a possibilidade de retaliações ou embargos?
Deixe-me usar uma metáfora para responder. O nosso namoro com o mundo estava muito adiantado, ao ponto de virar um noivado. Só que, na hora de marcar o casamento, nós traímos a noiva. O namoro foi quebrado. Todo o relacionamento a ser reconstruído é muito mais difícil do que algo que começa do zero. Os danos de imagem sofridos pelo Brasil até o momento poderão sim serem revertidos, mas a duras penas, e eu não duvidaria que no decorrer desse processo alguns setores brasileiros venham a ter alguma penalidade comercial.
• O impasse envolvendo o Fundo Amazônia surgiu a partir de uma proposta do ministro Ricardo Salles de indenizar proprietários rurais com posses ilegais. Esse tipo de proposta prejudica o setor?
Eu acho que isso é muito negativo, mas olho como um copo meio cheio ou meio vazio. Por um lado, você vê a beleza do mercado: já que o governo federal está abrindo mão desses recursos, os governos estaduais estão indo atrás deles e eles estão disponíveis. O dinheiro virá da mesma forma, só que através de outras mãos e dentro de outra governança. São as oportunidades que o mercado te coloca. Quem perdeu essa oportunidade tem que fazer uma avaliação se a ação foi correta ou não. Mas quando você abre mão, não é só do dinheiro, mas da administração desse recurso.
• Já no acordo entre a União Europeia e o Mercosul, fica impossível tratar de uma questão aduaneira no âmbito estadual.
Isso é risco na veia, não tenha a menor dúvida. O clima é de muita incerteza. Não se faz almoço de domingo com pessoas que não se relacionam bem. A gente tem um entendimento civilizado entre modelos de desenvolvimento ou esse acordo não vai acontecer.
• Na sua opinião, quais gestões do ministério do Meio Ambiente se destacaram e podem servir de espelho para o governo?
Eu acho que tivemos curtos momentos de evolução. Destacaria o trabalho da ministra Izabella (Teixeira, 2010-2016), que foi muito bom. No que tange ao combate ao desmatamento, você tem um dado histórico da época da Marina (Silva, 2003-2008) e do (Carlos) Minc (2008-2010). Foram dois períodos de efetiva redução do desmatamento. E destacaria também o (José) Goldemberg (1992), uma das pessoas que tiveram maior destaque nesse histórico do desenvolvimento sustentável no Brasil.
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