Pelo menos uma consultoria prevê que o índice
poderá superar os 18% no início de 2021
O governo comemorou o anúncio do aumento da criação de empregos formais em agosto, registrado pelo Cadastro Geral de Empregados e Desempregados (Caged), do Ministério da Economia. O número superou as expectativas do mercado. Foram criados 249,4 mil empregos com carteira assinada, o melhor resultado para o mês desde agosto 2010. Foi o segundo mês seguido de abertura de vagas, após quatro meses de destruição de empregos. Em julho, haviam sido criados 141,2 mil postos.
O ministro da Economia, Paulo Guedes, tirou
proveito da divulgação do bom resultado e o tomou como confirmação da sua
previsão de que a economia se recupera em “V”. “Estamos voltando para os
trilhos”, afirmou ao participar “de surpresa” da divulgação. Ao notar que a
maior fonte de novas vagas, com 92,8 mil postos, era a indústria, disse ainda
em tom ufanista: “Vamos reindustrializar o Brasil”. Em seguida vieram a
construção (50,5 mil vagas criadas) e o comércio (40,9 mil). Guedes reconheceu
o efeito positivo do Programa Emergencial de Manutenção do Emprego e da Renda
(Bem), programa que permitiu suspender temporariamente contratos de trabalho e
reduzir proporcionalmente jornadas de trabalho e salários; e antecipou que ele
foi estendido por mais dois meses.
Mas os especialistas não compartilham o mesmo grau
de otimismo. A criação de empregos ainda está bem aquém do total destruído pela
pandemia, que somou cerca de 1,5 milhão de vagas formais e foi ainda mais
severo com o trabalho informal, aniquilando quase 6 milhões de postos, segundo
o Instituto Brasileiros de Geografia e Estatística (IBGE). O estoque de
empregos formais somou 37,9 milhões em agosto, em comparação com 39,1 milhões
em dezembro, de acordo com o Caged. Além disso, quase 7 milhões de vagas estão
sendo mantidas por conta do BEm, e podem ser fechadas quando o programa acabar.
A reação do mercado de trabalho formal, apesar de
positiva, não está sendo acompanhada pelo informal, e é pífia perto do
contingente de desempregados. Dados da Pesquisa Nacional por Amostragem
Domiciliar Contínua (Pnad Contínua), do IBGE, dão a dimensão do problema. A
Pnad Contínua do trimestre móvel terminado em julho mostrou que o índice de
desemprego estava em 13,8%, referente a um contingente de 13,13 milhões de
pessoas. Na pesquisa semanal que engloba o período de 6 a 12 de setembro, o
índice chegou a 14,1%, somando 13,5 milhões de desempregados.
Essa é uma taxa média. Em alguns segmentos, o
desemprego é bem mais elevado. A desocupação sempre foi maior entre os jovens.
Com a pandemia, a tendência se acentuou e a desocupação chega agora a 29,7% na
população entre 18 e 24 anos. Comércio, serviços domésticos, alojamento e
alimentação estão entre os que mais perderam postos. Somente o comércio fechou
1,6 milhão de ocupações entre formais e informais no trimestre terminado em
julho, segundo o IBGE.
A contradição entre o aumento de desempregados em
momento de ampliação das vagas é apenas aparente e explicável. No auge da
pandemia e das medidas de isolamento social, muitas pessoas deixaram de
procurar emprego por receio de se contaminarem e porque sabiam que a maioria
das empresas não estava contratando. O pagamento do auxílio emergencial do
governo ajudou as pessoas a se preservarem. Isso conteve o índice de
desemprego. Agora, com a flexibilização das restrições e a perspectiva de que o
auxílio emergencial teve o valor reduzido e vai ser revisto, aumentou o número
de pessoas em busca de emprego.
O movimento tende a se intensificar à medida que o
tempo passa, como mostra o desemprego já na casa dos 14%. Pelo menos uma
consultoria prevê que o índice poderá superar os 18% no início do próximo ano,
mesmo com a melhoria da economia. Por outro lado, o desemprego elevado é um
fator limitador da recuperação econômica uma vez que contém o consumo das
famílias, aponta o Instituto de Desenvolvimento Econômico Industrial (IEDI). De
fato, a massa de rendimentos reais do trabalho, segundo o IBGE, estava em R$
185,6 bilhões na Pnad Contínua do trimestre móvel terminado em julho, a menor
desde o início da série histórica em 2012, com queda de 13,3% na comparação em
bases anuais.
Assim, se a recuperação econômica vai influenciar a
melhoria do mercado de trabalho, o inverso também é verdadeiro. Cabe ao governo
manipular suas ferramentas, inclusive a dosagem do auxílio emergencial, para
obter o melhor resultado da equação.
As
relações pessoais do presidente com integrantes do Legislativo e do Judiciário
são até presumíveis. O problema é quando sugerem outros propósitos.
Não constitui problema um presidente da República ter amigos do peito em outros Poderes. As relações de caráter pessoal do chefe do Executivo com alguns integrantes do Legislativo e do Judiciário são até presumíveis, dada a convivência cotidiana em Brasília, que em alguns casos pode chegar a décadas. O problema é quando essa relação sugere que tem outros propósitos além do cultivo de uma amizade sincera.
A
democracia presume a separação de Poderes. Esse princípio, pilar do Estado de
Direito, é antídoto contra a tentação autoritária de quem pretende concentrar
poderes que a Constituição não lhe faculta. É evidente que o Executivo, o
Legislativo e o Judiciário não são estanques. Sua relação se dá por meio dos
chamados freios e contrapesos, fórmula que propicia fiscalização mútua e impõe
obstáculos a qualquer tentativa de usurpação de poder.
Para
que funcione conforme o espírito constitucional, de forma harmônica, essa
relação deve se dar exclusivamente no ambiente institucional, a salvo de
interesses particulares dos ocupantes temporários dos cargos nos Três Poderes.
Há mais de 200 anos é assim, ao menos nas democracias maduras.
Diante
dessas considerações, vem causando justificável estupor o modo como o
presidente Jair Bolsonaro pretende construir as relações de sua Presidência com
o Supremo Tribunal Federal (STF). Sua primeira nomeação para aquela Corte, a do
desembargador Kassio Nunes Marques, serve a um único propósito, conforme o
próprio presidente admite sem corar: ter no topo do Judiciário um ministro que
esteja “100% alinhado comigo”, como Bolsonaro escreveu recentemente numa rede
social. Esse “alinhamento”, segundo o presidente, significa ser contra o aborto
e a favor do armamento da população, além de “defender a família e as pautas
econômicas”.
É
prerrogativa do presidente escolher quem bem entender para o Supremo, desde que
atendidas as exigências constitucionais de notório saber jurídico e reputação
ilibada. Também é natural que o indicado represente valores caros ao eleitorado
do presidente, legitimados pelas urnas. O que não é natural nem saudável numa
democracia é quando o presidente pretende que seu indicado ao Supremo atue como
advogado de seus interesses pessoais, o que se depreende de sua insistência em
classificar o desembargador Kassio Nunes Marques como um amigo: “Kassio Nunes
já tomou muita tubaína comigo. (...) A questão de amizade é importante, né? O
convívio da gente”.
Mas
as amizades estratégicas de Bolsonaro, com ou sem tubaína, não se limitam a seu
indicado ao Supremo. O abraço afetuoso entre o presidente e o ministro do STF
Dias Toffoli, numa “confraternização” na casa do magistrado no fim de semana, é
a constrangedora imagem da ausência de limites institucionais na república
bolsonariana.
Nessa
república, o presidente age como se não fosse ocupante temporário do cargo e,
assim, não precisasse observar a liturgia que garante a impessoalidade do
exercício da Presidência. Procura estabelecer com integrantes do Judiciário
laços de compadrio que embutem uma óbvia expectativa de cumplicidade. Faz
campanha pessoal por seu indicado ao Supremo como se fosse um cabo eleitoral.
Só falta distribuir santinhos.
Tudo
muito conveniente para quem é o chefe de um clã enroscado com a Justiça e é,
ele mesmo, investigado. Também é muito conveniente para quem tem como base
parlamentar um grupo de partidos e políticos que, em razão dos muitos processos
que enfrentam por corrupção, estão igualmente interessados em cultivar relações
de camaradagem no Judiciário.
“Preciso
governar”, disse o presidente Bolsonaro a um apoiador que o criticou pelo
abraço em Toffoli, como se seu governo dependesse de relações de caráter
pessoal, e não institucional. E depende mesmo: sabendo que “governar”, para
Bolsonaro, é manter-se no poder a qualquer custo, proteger seus filhos na
Justiça e de quebra ajudar os companheiros do Centrão que lhe dão apoio crucial
neste momento, é natural que o presidente ainda venha a precisar de muitos
amigos do peito.
As fontes da ‘infodemia’ – Opinião | O Estado de S. Paulo
A
mídia profissional e as autoridades públicas têm papel maior do que se supõe
nesta era
Uma das tendências globais aceleradas com a pandemia é a digitalização das relações humanas. O impacto comporta desafios, oportunidades e riscos, estes últimos amplificados e agudizados pelo pânico derivado das ameaças sanitárias e econômicas. Um dos maiores riscos é a viralização de informações falsas, a chamada “infodemia” de desinformação. Um estudo realizado por pesquisadores da Universidade Cornell quantificou as fontes e temas na “infodemia” de covid-19, e tem particular interesse por ser o primeiro a buscar uma análise abrangente da desinformação causada pela mídia profissional – foram examinados 38 milhões de artigos em inglês entre janeiro e maio – e pela influência de autoridades públicas.
O
fenômeno da desinformação é vastamente associado às mídias sociais, despertando
apelos à regulação do conteúdo circulado. Mas a desinformação também aparece na
mídia tradicional, tipicamente sob duas formas: a sua amplificação por meio da
reprodução de declarações de figuras proeminentes e a sua redução pela checagem
de fatos. Mas as evidências mostram que esta última atividade é
comparativamente pequena: apenas 16,4% das matérias sobre desinformação tinham
a natureza de verificação de fatos. De resto, esse tipo de matéria costuma
aparecer tarde, depois que a disseminação correu solta.
As
discussões sobre informações falsas respondem por 46,6% da frequência, sendo
26,4% referentes a “curas milagrosas” e o restante a teorias da conspiração –
desde a Nova Ordem Mundial, passando pela ideia do vírus como uma arma
biológica fabricada na China, até narrativas implicando manipulações por parte
de Bill Gates ou do Partido Democrata norte-americano.
Mas
talvez o fato mais notável mensurado pela pesquisa é que, na disseminação de
informações falsas e teorias da conspiração, a miríade de fontes alternativas,
como grupos antivacinação e extremistas políticos, contribui bem menos para o
volume de desinformação do que protagonistas poderosos. Notadamente, as menções
ao presidente Donald Trump respondem por 37,9% de todas as matérias sobre
desinformação. “O presidente dos EUA foi provavelmente o maior vetor da
‘infodemia’ de desinformação da covid-19”, concluem os pesquisadores.
Um
exemplo – no caso, relativo a “curas milagrosas” – foi a defesa de Trump da
hidroxicloroquina, que despertou uma quantidade substancial de cobertura de
mídia, levando à subsequente escassez da droga – utilizada no tratamento da
malária e do lúpus – e logo à descoberta de que ela é ineficaz e mesmo nociva
aos contaminados pela covid-19. Outro pico de disseminação foi a menção de
Trump aos potenciais efeitos curativos da ingestão de desinfetante.
Já
em janeiro começou a circular uma teoria da conspiração sugerindo que a
pandemia fora fabricada para coincidir com o processo de impeachment de Trump.
Mas só em maio, após o filho do presidente Eric Trump sugerir que o vírus
desapareceria como que por mágica após as eleições, a politização da crise
catalisou as pressões sobre os Estados contra os lockdowns e pela abertura da
economia.
Numa
crise sanitária a desinformação é letal. Estima-se que na pandemia de HIV/aids
a desinformação e seu impacto sobre as políticas públicas tenham causado, só na
África do Sul, 300 mil mortes a mais. O que o estudo da Cornell revela é que,
na era das redes sociais, o papel da mídia profissional e das autoridades
públicas é bem maior do que se supõe. A repetição acrítica de comentários de
pessoas influentes tende a ganhar muito mais credibilidade aos olhos do
público, que vê com mais ceticismo as informações das mídias sociais. Mais do
que novos dispositivos legais, isso clama por mudanças de cultura por parte dos
profissionais de mídia. É crucial que declarações manifestamente falsas sejam
retificadas nas próprias matérias que as reportam e que seja dada mais
proeminência aos representantes de instituições científicas. Isso é decisivo
para ajudar a opinião pública a responsabilizar – quando não legalmente,
moralmente – as autoridades por declarações imprudentes e abertamente
deletérias.
Fraternidade e política – Opinião | O Estado de S. Paulo
O
papa Francisco lembra que problemas globais exigem ações globais
No dia 3 de outubro, o papa Francisco publicou sua terceira encíclica, a Fratelli Tutti. “Entrego esta encíclica social como humilde contribuição para a reflexão, a fim de que, perante as várias formas atuais de eliminar ou ignorar os outros, sejamos capazes de reagir com um novo sonho de fraternidade e amizade social que não se limite a palavras”, diz o pontífice no início do texto. Seu objetivo, pois, é estabelecer um “diálogo com todas as pessoas de boa vontade”.
Já
no primeiro capítulo o papa Francisco faz um alerta. “A história dá sinais de
regressão. Reacendem-se conflitos anacrônicos que se consideravam superados,
ressurgem nacionalismos fechados, exacerbados, ressentidos e agressivos”, diz.
O pontífice relata o que ele vê como os principais problemas dos dias de hoje:
a manipulação e a deformação de conceitos como democracia, liberdade ou
justiça; a perda do sentido social e da consciência histórica; o egoísmo e o
desinteresse pelo bem comum; a prevalência de uma lógica de mercado baseada
apenas no lucro e na cultura do descarte; o desemprego, o racismo e a pobreza;
a disparidade de direitos e suas graves violações, como a escravidão, a
agressão sexual e o tráfico de órgãos. Ante esse cenário, o pontífice propõe
redescobrir a dignidade de cada ser humano e a dimensão de fraternidade que
deve existir entre todos.
Em
suas reflexões, o papa Francisco lembra que problemas globais exigem ações
globais. No entanto, o caminho da cooperação enfrenta resistências. Diante de
questões complexas e desafiadoras, “reaparece a tentação de fazer uma cultura
dos muros, de erguer muros, muros no coração, muros na terra, para impedir este
encontro com outras culturas, com outras pessoas. E quem levanta um muro (...)
acabará escravo dentro dos muros que construiu, sem horizontes”, adverte.
O
papa Francisco observa que a pandemia de covid-19 despertou “a consciência de
sermos uma comunidade mundial que viaja no mesmo barco, onde o mal de um
prejudica a todos”. Ao mesmo tempo, lembra a facilidade com que as lições da
história são esquecidas. Uma vez controlada a pandemia, há a tentação de “cair
ainda mais num consumismo febril e em novas formas de autoproteção egoísta”,
diz o pontífice. “Oxalá não seja mais um grave episódio da história cuja lição
não fomos capazes de aprender. Oxalá não nos esqueçamos dos idosos que morreram
por falta de respiradores, em parte como resultado de sistemas de saúde que
foram sendo desmantelados ano após ano. Oxalá não seja inútil tanto sofrimento,
mas tenhamos dado um salto para uma nova forma de viver e descubramos, enfim,
que precisamos, e somos devedores, uns dos outros.”
Ao
falar da responsabilidade social dos governos, o papa Francisco lembrou que
“ajudar os pobres com o dinheiro deve sempre ser um remédio provisório para
enfrentar emergências. O verdadeiro objetivo deveria ser sempre consentir-lhes
uma vida digna através do trabalho. (...) Não há pobreza pior do que aquela que
priva do trabalho e da dignidade do trabalho”.
Longe
de pregar um paternalismo estatal, a encíclica papal destaca precisamente a
importância de uma sociedade pujante. “A tarefa educativa, o desenvolvimento de
hábitos solidários, a capacidade de pensar a vida humana de forma mais
integral, a profundidade espiritual são realidades necessárias para dar
qualidade às relações humanas, de tal modo que seja a própria sociedade a
reagir face às próprias injustiças, às aberrações, aos abusos dos poderes
econômicos, tecnológicos, políticos e midiáticos”, diz Francisco.
Ao
propor uma ordem social mais fraterna e solidária, o papa Francisco faz um
convite à revalorização da política, que é “uma das formas mais preciosas de
caridade, porque busca o bem comum”. Rejeita, no entanto, o uso da religião
para fins político-eleitorais, lembrando que, mais do que palavras, o que
importa são ações efetivas. “O paradoxo é que, às vezes, quantos dizem que não
acreditam podem viver melhor a vontade de Deus do que os crentes.” São
reflexões pertinentes para o mundo inteiro, também para o Brasil.
Tenha medo – Opinião | Folha de S. Paulo
Desleixo
de Trump com a Covid-19, mesmo infectado, sugere preço político a pagar
Como
não poderia deixar de ser, o mundo soube que Donald Trump deixaria o hospital
no qual se tratava da Covid-19 por meio de uma postagem no Twitter. “Não tenha
medo” da doença, recomendou.
Apesar
de uma sentença seguinte sensata, afirmando que as pessoas não devem se deixar
dominar pelo medo, o estrago estava feito.
O
presidente americano, doente, coroa assim o seu trabalho neste ano de pandemia:
com desleixo no trato da emergência sanitária e desprezo pela vida humana.
Seus
macaqueadores mundo afora seguiram a mesma linha, como os brasileiros bem sabem
com Jair Bolsonaro e seu negacionismo.
Trump,
a acreditar nos conflitantes relatos acerca de sua saúde, passou por maus
bocados no início de sua infecção —idoso e obeso, acabou no hospital.
Mesmo
internado, manteve o culto personalista. Deixou-se fotografar e filmar
trabalhando e, num ato criticado pelos próprios médicos da unidade médica
militar onde estava, cumprimentou apoiadores num passeio
de limusine.
Os
agentes secretos com Trump no veículo, que é lacrado para evitar a entrada de
contaminantes, se arriscaram com um paciente no auge de seu período de infecção
por um teatro político barato.
Pontual,
a cena diz muito sobre a realidade da pandemia na mais poderosa nação da Terra.
Mais de 20% dos mortos pelo patógeno são americanos, que representam 4,2% da
população mundial —e há acima de 40 mil novos casos diários.
A
menos de um mês da eleição presidencial, o impacto da doença de Trump sobre o
eleitor ainda é incerto. As duas primeiras pesquisas de intenção de voto feitas
após a revelação do contágio sugerem problemas para o republicano.
O
democrata Joe Biden segue com uma liderança de 8 a 10 pontos, e os eleitores
responsabilizaram Trump por sua infecção.
Se
havia esperança de que a enfermidade traria empatia, até aqui o máximo
angariado foi um indisfarçável “Schadenfreude” de críticos do presidente
republicano.
Restará
saber se esse sentimento de satisfação com o infortúnio alheio, reforçado pela
atitude de Trump ante o vírus, irá contaminar de vez sua chance de ganhar
terreno entre os indecisos e em estados-pêndulo do pleito.
No
mês final da campanha de 2016, ele fez mais de 60 comícios, que o ajudaram a
suplantar Hillary Clinton na reta de chegada.
Obviamente
neste ano a intensidade seria menor pela própria pandemia. Mas, mesmo que se
recupere, Trump terá perdido semanas vitais para tentar virar o jogo.
Se
ao fim o presidente perder, não será pequena a ironia de que parte da culpa
poderá ser atribuída ao vírus que ele tanto minimizou.
Muros de Doria – Opinião | Folha de S. Paulo
Apesar
de méritos, ações de tucano na cidade mostram custos do afã marqueteiro
A
curta passagem de João Doria (PSDB) pela prefeitura paulistana, da qual abdicou
em 2018 para se candidatar ao governo do estado, foi marcada pelo ímpeto
publicitário de produzir marcas eleitorais vistosas por meio de ações
financiadas pelo setor privado.
Hoje
se vê, contudo, que os resultados da ofensiva foram em
alguns casos insatisfatórios ou, contrariando promessas do ex-alcaide,
geraram despesas ao erário. O corredor verde que ladeia a avenida 23 de Maio é
exemplo paradigmático.
Implantado
em 2017, após investidas de Doria contra os grafites que adornavam o trecho, o
projeto possui o mérito evidente de ter levado painéis com plantas e folhagens
a uma via de tráfego intenso. Além do prazer visual, a medida contribui para a
regulação da temperatura e a absorção do barulho.
Foi
questionável, entretanto, a maneira pela qual a administração municipal
propagandeou o empreendimento —tratando-o como compensação pela retirada de
árvores da cidade por obras.
A
prefeitura se valeu de um acordo firmado na gestão Fernando Haddad (PT), em que
uma construtora pôde substituir o plantio de milhares de árvores pela colocação
de jardins suspensos.
Ocorre
que os impactos ambientais da obra de 3 km são irrisórios. Dado o número de
árvores que deixaram de ser plantadas, o muro deveria ter extensão de ao menos
1.500 km para proporcionar o efeito ambiental correspondente.
Como
se não bastasse, a manutenção dos jardins foi deixada a cargo de uma empresa
que, meses depois, desistiu do serviço, sob a alegação de falta de recursos.
Desde então, os custos foram assumidos pela prefeitura, gerando gasto anual de
cerca de R$ 1,5 milhão.
Trajetória
semelhante teve o muro entre a raia olímpica da USP e a marginal Pinheiros. A
obra de 2018, orçada em R$ 15 milhões e bancada por 44 empresas, substituiu a
antiga divisão de concreto por centenas de placas de vidro.
A
quebra constante das placas, todavia, fez da nova proteção um transtorno tanto
para a prefeitura como para a universidade. No ano passado, laudos da Polícia
Civil mostraram que o problema foi causado por falhas na instalação.
Para
quem vier a ocupar a prefeitura a partir de 2021, incluindo o atual prefeito e
candidato de Doria, Bruno Covas, os episódios não só constituem uma questão a
ser resolvida como servem de lição sobre os custos do afã marqueteiro.
O desmonte pernicioso dos órgãos ambientais – Opinião | O Globo
Depois
de intervir no Conama para suspender a proteção do litoral, o governo quer unir
ICMBio e Ibama
Quando
o presidente Bolsonaro disse, em maio do ano passado, que desejava transformar
Angra dos Reis (RJ) numa Cancún, o polo de turismo de massa mexicano, não
estava brincando ou falando apenas para sua base radical. Tanto que o Conselho
Nacional do Meio Ambiente (Conama), devidamente expurgado de representantes da
sociedade civil pelo ministro Ricardo Salles, aprovou o fim da proteção a
manguezais e restingas, retrocesso que causou indignação no Congresso e
organismos ambientais — até ser suspenso e novamente restabelecido na Justiça.
A
manobra mostra bem por que o ministro do Meio Ambiente continua no cargo,
apesar dos desastres que tem causado dentro — e sobretudo fora — do governo.
Salles demonstra ter até agora grossa blindagem porque executa o que o
presidente pensa sobre o assunto. O modelo dos sonhos de Bolsonato é Cancún na
baía da Ilha Grande e gado pastando na Amazônia, repleta de plantações de soja
e garimpos.
Para
isso, Salles cumpre desde o primeiro dia no cargo, de forma meticulosa e
disciplinada, a desmontagem da estrutura de fiscalização e punição de crimes
ambientais. O descaso com os orçamentos do Ibama e do ICMBio —o Instituto Chico
Mendes, que herdou do Ibama a gestão das unidades de conservação — é a
evidência mais eloquente da empreitada de demolição. O último lance nessa
implosão, uma espécie de dinamite, é o grupo criado por Salles para fundir os
dois institutos, também sem participação de organismos da sociedade civil. É a
mesmíssima receita aplicada na desidratação do Conama — e outro erro, porque
Ibama e ICMBio se complementam.
O
estrangulamento da estrutura ambiental também envolve não repor o pessoal que
se aposenta. Tudo somado, resultam as tragédias amazônica e pantaneira deste
ano. Numa estação extremamente seca, portanto já propícia a incêndios, a
leniência do governo contribui para a maior onda de queimadas no Pantanal desde
1998. Na Amazônia, a destruição pelas chamas em setembro é a maior desde 2017.
Outra razão para que Ibama e ICMBio estivessem operando a plena carga, com
recursos suficientes, sem problemas administrativos ou entraves políticos.
Preocupa,
sobretudo, a intenção velada do governo de atribuir aos militares, com sua
característica visão conspiratória da Amazônia, a responsabilidade pela
preservação do meio ambiente. Não é outro o motivo para a tentativa de colorir
de verde-oliva o Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais (Inpe), responsável
pelas estatísticas mais fidedignas da devastação.
O
novo presidente do Inpe, o geofísico Clézio Nardin, é um técnico qualificado, à
altura do posto. Mas é inevitável que tenha de reagir à pressão — como ao dizer
não ver problemas no monitoramento de incêndios pelos militares. Pelo menos o
vice Hamilton Mourão parece ter voltado atrás no plano de atribuir a
fiscalização por satélites a uma agência militar que absorveria o Inpe. Seria o
fim da credibilidade do serviço. Mas combinaria com o plano em execução por
Salles.
Encampação da Linha Amarela é incentivo a compadrio e corrupção – Opinião | O Globo
Que
empresa investirá numa cidade, num estado ou num país que não respeita
contratos?
Fustigado
pelos efeitos de uma administração desastrosa, agravada por denúncias de
corrupção, o prefeito Marcelo Crivella enxergou na Linha Amarela um caminho
propício para o populismo, de olho na eleição de novembro. Daí a ruptura
unilateral do contrato com a concessionária Linha Amarela SA (Lamsa), a
encampação da via e a liberação demagógica do pedágio.
No
alvedrio populista, recebeu apoio da Câmara de Vereadores, onde tem maioria,
alegando prejuízos aos cofres públicos com obras superfaturadas e tarifas
abusivas (a concessionária contesta). Só que a prefeitura é ao mesmo tempo
árbitro e parte do contrato. Não houve auditoria independente.
A
prefeitura sempre agiu com truculência. Em outubro do ano passado, Crivella
despachou equipes com retroescavadeiras para destruir cancelas e cabines da
praça de pedágio. Num contrassenso inédito, quem deveria zelar pelo patrimônio
público o depredou.
No
Judiciário, uma decisão monocrática do ministro Humberto Martins, presidente do
Superior Tribunal de Justiça (STJ), suspendeu três liminares favoráveis à Lamsa
e permitiu que a prefeitura retomasse a via. A questão não está encerrada. No
dia 21, será analisada pelos 15 ministros da Corte Especial do STJ. É preciso
que derrubem a decisão de Martins.
A
encampação da via, sem indenização prévia como manda a lei, tem efeito
devastador sobre contratos de concessão na cidade, no estado e no país. Só o
quiproquó judiciário já demonstra quão frágil é a segurança jurídica para a
iniciativa privada investir no Rio.
A
encampação é um incentivo à corrupção e ao capitalismo de compadrio. No lugar
de contratos garantidos pelas instituições, os investidores se veem reféns do
governo de plantão, a quem não raro precisam pagar propina para garantir que
seu capital não seja expropriado arbitrariamente. A decisão já começa a
provocar um nefasto efeito dominó para além dos limites do município. Na Alerj,
há articulação para encampar a Via Lagos, único acesso decente à Região dos
Lagos.
O
retrocesso pode respingar noutras áreas, como o leilão da Cedae. Ou em
concessões de saneamento, após o novo marco regulatório. Num país que precisa
de investimentos privados na infraestrutura, especialmente num momento de
finanças devastadas pela pandemia, afugentar o investidor é um tiro no pé. Quem
vai pôr dinheiro numa cidade, num estado ou num país que não respeita
contratos?
Que os motoristas que passam pelas cancelas liberadas não se iludam. A conta virá. Conservar a Linha Amarela custa R$ 100 milhões por ano. A prefeitura não tem dinheiro nem para pagar a conta de luz das escolas. É essa indigência que leva à manutenção da via.
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