terça-feira, 6 de outubro de 2020

O que a mídia pensa – Opiniões / Editoriais

Desemprego tende a crescer com retomada da economia – Opinião | Valor Econômico

Pelo menos uma consultoria prevê que o índice poderá superar os 18% no início de 2021

O governo comemorou o anúncio do aumento da criação de empregos formais em agosto, registrado pelo Cadastro Geral de Empregados e Desempregados (Caged), do Ministério da Economia. O número superou as expectativas do mercado. Foram criados 249,4 mil empregos com carteira assinada, o melhor resultado para o mês desde agosto 2010. Foi o segundo mês seguido de abertura de vagas, após quatro meses de destruição de empregos. Em julho, haviam sido criados 141,2 mil postos.

O ministro da Economia, Paulo Guedes, tirou proveito da divulgação do bom resultado e o tomou como confirmação da sua previsão de que a economia se recupera em “V”. “Estamos voltando para os trilhos”, afirmou ao participar “de surpresa” da divulgação. Ao notar que a maior fonte de novas vagas, com 92,8 mil postos, era a indústria, disse ainda em tom ufanista: “Vamos reindustrializar o Brasil”. Em seguida vieram a construção (50,5 mil vagas criadas) e o comércio (40,9 mil). Guedes reconheceu o efeito positivo do Programa Emergencial de Manutenção do Emprego e da Renda (Bem), programa que permitiu suspender temporariamente contratos de trabalho e reduzir proporcionalmente jornadas de trabalho e salários; e antecipou que ele foi estendido por mais dois meses.

Mas os especialistas não compartilham o mesmo grau de otimismo. A criação de empregos ainda está bem aquém do total destruído pela pandemia, que somou cerca de 1,5 milhão de vagas formais e foi ainda mais severo com o trabalho informal, aniquilando quase 6 milhões de postos, segundo o Instituto Brasileiros de Geografia e Estatística (IBGE). O estoque de empregos formais somou 37,9 milhões em agosto, em comparação com 39,1 milhões em dezembro, de acordo com o Caged. Além disso, quase 7 milhões de vagas estão sendo mantidas por conta do BEm, e podem ser fechadas quando o programa acabar.

A reação do mercado de trabalho formal, apesar de positiva, não está sendo acompanhada pelo informal, e é pífia perto do contingente de desempregados. Dados da Pesquisa Nacional por Amostragem Domiciliar Contínua (Pnad Contínua), do IBGE, dão a dimensão do problema. A Pnad Contínua do trimestre móvel terminado em julho mostrou que o índice de desemprego estava em 13,8%, referente a um contingente de 13,13 milhões de pessoas. Na pesquisa semanal que engloba o período de 6 a 12 de setembro, o índice chegou a 14,1%, somando 13,5 milhões de desempregados.

Essa é uma taxa média. Em alguns segmentos, o desemprego é bem mais elevado. A desocupação sempre foi maior entre os jovens. Com a pandemia, a tendência se acentuou e a desocupação chega agora a 29,7% na população entre 18 e 24 anos. Comércio, serviços domésticos, alojamento e alimentação estão entre os que mais perderam postos. Somente o comércio fechou 1,6 milhão de ocupações entre formais e informais no trimestre terminado em julho, segundo o IBGE.

A contradição entre o aumento de desempregados em momento de ampliação das vagas é apenas aparente e explicável. No auge da pandemia e das medidas de isolamento social, muitas pessoas deixaram de procurar emprego por receio de se contaminarem e porque sabiam que a maioria das empresas não estava contratando. O pagamento do auxílio emergencial do governo ajudou as pessoas a se preservarem. Isso conteve o índice de desemprego. Agora, com a flexibilização das restrições e a perspectiva de que o auxílio emergencial teve o valor reduzido e vai ser revisto, aumentou o número de pessoas em busca de emprego.

O movimento tende a se intensificar à medida que o tempo passa, como mostra o desemprego já na casa dos 14%. Pelo menos uma consultoria prevê que o índice poderá superar os 18% no início do próximo ano, mesmo com a melhoria da economia. Por outro lado, o desemprego elevado é um fator limitador da recuperação econômica uma vez que contém o consumo das famílias, aponta o Instituto de Desenvolvimento Econômico Industrial (IEDI). De fato, a massa de rendimentos reais do trabalho, segundo o IBGE, estava em R$ 185,6 bilhões na Pnad Contínua do trimestre móvel terminado em julho, a menor desde o início da série histórica em 2012, com queda de 13,3% na comparação em bases anuais.

Assim, se a recuperação econômica vai influenciar a melhoria do mercado de trabalho, o inverso também é verdadeiro. Cabe ao governo manipular suas ferramentas, inclusive a dosagem do auxílio emergencial, para obter o melhor resultado da equação.

 Amigos do peito – Opinião | O Estado de S. Paulo

As relações pessoais do presidente com integrantes do Legislativo e do Judiciário são até presumíveis. O problema é quando sugerem outros propósitos.

Não constitui problema um presidente da República ter amigos do peito em outros Poderes. As relações de caráter pessoal do chefe do Executivo com alguns integrantes do Legislativo e do Judiciário são até presumíveis, dada a convivência cotidiana em Brasília, que em alguns casos pode chegar a décadas. O problema é quando essa relação sugere que tem outros propósitos além do cultivo de uma amizade sincera.

A democracia presume a separação de Poderes. Esse princípio, pilar do Estado de Direito, é antídoto contra a tentação autoritária de quem pretende concentrar poderes que a Constituição não lhe faculta. É evidente que o Executivo, o Legislativo e o Judiciário não são estanques. Sua relação se dá por meio dos chamados freios e contrapesos, fórmula que propicia fiscalização mútua e impõe obstáculos a qualquer tentativa de usurpação de poder. 

Para que funcione conforme o espírito constitucional, de forma harmônica, essa relação deve se dar exclusivamente no ambiente institucional, a salvo de interesses particulares dos ocupantes temporários dos cargos nos Três Poderes. Há mais de 200 anos é assim, ao menos nas democracias maduras.

Diante dessas considerações, vem causando justificável estupor o modo como o presidente Jair Bolsonaro pretende construir as relações de sua Presidência com o Supremo Tribunal Federal (STF). Sua primeira nomeação para aquela Corte, a do desembargador Kassio Nunes Marques, serve a um único propósito, conforme o próprio presidente admite sem corar: ter no topo do Judiciário um ministro que esteja “100% alinhado comigo”, como Bolsonaro escreveu recentemente numa rede social. Esse “alinhamento”, segundo o presidente, significa ser contra o aborto e a favor do armamento da população, além de “defender a família e as pautas econômicas”. 

É prerrogativa do presidente escolher quem bem entender para o Supremo, desde que atendidas as exigências constitucionais de notório saber jurídico e reputação ilibada. Também é natural que o indicado represente valores caros ao eleitorado do presidente, legitimados pelas urnas. O que não é natural nem saudável numa democracia é quando o presidente pretende que seu indicado ao Supremo atue como advogado de seus interesses pessoais, o que se depreende de sua insistência em classificar o desembargador Kassio Nunes Marques como um amigo: “Kassio Nunes já tomou muita tubaína comigo. (...) A questão de amizade é importante, né? O convívio da gente”.

Mas as amizades estratégicas de Bolsonaro, com ou sem tubaína, não se limitam a seu indicado ao Supremo. O abraço afetuoso entre o presidente e o ministro do STF Dias Toffoli, numa “confraternização” na casa do magistrado no fim de semana, é a constrangedora imagem da ausência de limites institucionais na república bolsonariana.

Nessa república, o presidente age como se não fosse ocupante temporário do cargo e, assim, não precisasse observar a liturgia que garante a impessoalidade do exercício da Presidência. Procura estabelecer com integrantes do Judiciário laços de compadrio que embutem uma óbvia expectativa de cumplicidade. Faz campanha pessoal por seu indicado ao Supremo como se fosse um cabo eleitoral. Só falta distribuir santinhos.

Tudo muito conveniente para quem é o chefe de um clã enroscado com a Justiça e é, ele mesmo, investigado. Também é muito conveniente para quem tem como base parlamentar um grupo de partidos e políticos que, em razão dos muitos processos que enfrentam por corrupção, estão igualmente interessados em cultivar relações de camaradagem no Judiciário.

“Preciso governar”, disse o presidente Bolsonaro a um apoiador que o criticou pelo abraço em Toffoli, como se seu governo dependesse de relações de caráter pessoal, e não institucional. E depende mesmo: sabendo que “governar”, para Bolsonaro, é manter-se no poder a qualquer custo, proteger seus filhos na Justiça e de quebra ajudar os companheiros do Centrão que lhe dão apoio crucial neste momento, é natural que o presidente ainda venha a precisar de muitos amigos do peito.

As fontes da ‘infodemia’ – Opinião | O Estado de S. Paulo

A mídia profissional e as autoridades públicas têm papel maior do que se supõe nesta era

Uma das tendências globais aceleradas com a pandemia é a digitalização das relações humanas. O impacto comporta desafios, oportunidades e riscos, estes últimos amplificados e agudizados pelo pânico derivado das ameaças sanitárias e econômicas. Um dos maiores riscos é a viralização de informações falsas, a chamada “infodemia” de desinformação. Um estudo realizado por pesquisadores da Universidade Cornell quantificou as fontes e temas na “infodemia” de covid-19, e tem particular interesse por ser o primeiro a buscar uma análise abrangente da desinformação causada pela mídia profissional – foram examinados 38 milhões de artigos em inglês entre janeiro e maio – e pela influência de autoridades públicas.

O fenômeno da desinformação é vastamente associado às mídias sociais, despertando apelos à regulação do conteúdo circulado. Mas a desinformação também aparece na mídia tradicional, tipicamente sob duas formas: a sua amplificação por meio da reprodução de declarações de figuras proeminentes e a sua redução pela checagem de fatos. Mas as evidências mostram que esta última atividade é comparativamente pequena: apenas 16,4% das matérias sobre desinformação tinham a natureza de verificação de fatos. De resto, esse tipo de matéria costuma aparecer tarde, depois que a disseminação correu solta.

As discussões sobre informações falsas respondem por 46,6% da frequência, sendo 26,4% referentes a “curas milagrosas” e o restante a teorias da conspiração – desde a Nova Ordem Mundial, passando pela ideia do vírus como uma arma biológica fabricada na China, até narrativas implicando manipulações por parte de Bill Gates ou do Partido Democrata norte-americano.

Mas talvez o fato mais notável mensurado pela pesquisa é que, na disseminação de informações falsas e teorias da conspiração, a miríade de fontes alternativas, como grupos antivacinação e extremistas políticos, contribui bem menos para o volume de desinformação do que protagonistas poderosos. Notadamente, as menções ao presidente Donald Trump respondem por 37,9% de todas as matérias sobre desinformação. “O presidente dos EUA foi provavelmente o maior vetor da ‘infodemia’ de desinformação da covid-19”, concluem os pesquisadores.

Um exemplo – no caso, relativo a “curas milagrosas” – foi a defesa de Trump da hidroxicloroquina, que despertou uma quantidade substancial de cobertura de mídia, levando à subsequente escassez da droga – utilizada no tratamento da malária e do lúpus – e logo à descoberta de que ela é ineficaz e mesmo nociva aos contaminados pela covid-19. Outro pico de disseminação foi a menção de Trump aos potenciais efeitos curativos da ingestão de desinfetante.

Já em janeiro começou a circular uma teoria da conspiração sugerindo que a pandemia fora fabricada para coincidir com o processo de impeachment de Trump. Mas só em maio, após o filho do presidente Eric Trump sugerir que o vírus desapareceria como que por mágica após as eleições, a politização da crise catalisou as pressões sobre os Estados contra os lockdowns e pela abertura da economia.

Numa crise sanitária a desinformação é letal. Estima-se que na pandemia de HIV/aids a desinformação e seu impacto sobre as políticas públicas tenham causado, só na África do Sul, 300 mil mortes a mais. O que o estudo da Cornell revela é que, na era das redes sociais, o papel da mídia profissional e das autoridades públicas é bem maior do que se supõe. A repetição acrítica de comentários de pessoas influentes tende a ganhar muito mais credibilidade aos olhos do público, que vê com mais ceticismo as informações das mídias sociais. Mais do que novos dispositivos legais, isso clama por mudanças de cultura por parte dos profissionais de mídia. É crucial que declarações manifestamente falsas sejam retificadas nas próprias matérias que as reportam e que seja dada mais proeminência aos representantes de instituições científicas. Isso é decisivo para ajudar a opinião pública a responsabilizar – quando não legalmente, moralmente – as autoridades por declarações imprudentes e abertamente deletérias.

Fraternidade e política – Opinião | O Estado de S. Paulo

O papa Francisco lembra que problemas globais exigem ações globais

No dia 3 de outubro, o papa Francisco publicou sua terceira encíclica, a Fratelli Tutti. “Entrego esta encíclica social como humilde contribuição para a reflexão, a fim de que, perante as várias formas atuais de eliminar ou ignorar os outros, sejamos capazes de reagir com um novo sonho de fraternidade e amizade social que não se limite a palavras”, diz o pontífice no início do texto. Seu objetivo, pois, é estabelecer um “diálogo com todas as pessoas de boa vontade”.

Já no primeiro capítulo o papa Francisco faz um alerta. “A história dá sinais de regressão. Reacendem-se conflitos anacrônicos que se consideravam superados, ressurgem nacionalismos fechados, exacerbados, ressentidos e agressivos”, diz. O pontífice relata o que ele vê como os principais problemas dos dias de hoje: a manipulação e a deformação de conceitos como democracia, liberdade ou justiça; a perda do sentido social e da consciência histórica; o egoísmo e o desinteresse pelo bem comum; a prevalência de uma lógica de mercado baseada apenas no lucro e na cultura do descarte; o desemprego, o racismo e a pobreza; a disparidade de direitos e suas graves violações, como a escravidão, a agressão sexual e o tráfico de órgãos. Ante esse cenário, o pontífice propõe redescobrir a dignidade de cada ser humano e a dimensão de fraternidade que deve existir entre todos.

Em suas reflexões, o papa Francisco lembra que problemas globais exigem ações globais. No entanto, o caminho da cooperação enfrenta resistências. Diante de questões complexas e desafiadoras, “reaparece a tentação de fazer uma cultura dos muros, de erguer muros, muros no coração, muros na terra, para impedir este encontro com outras culturas, com outras pessoas. E quem levanta um muro (...) acabará escravo dentro dos muros que construiu, sem horizontes”, adverte.

O papa Francisco observa que a pandemia de covid-19 despertou “a consciência de sermos uma comunidade mundial que viaja no mesmo barco, onde o mal de um prejudica a todos”. Ao mesmo tempo, lembra a facilidade com que as lições da história são esquecidas. Uma vez controlada a pandemia, há a tentação de “cair ainda mais num consumismo febril e em novas formas de autoproteção egoísta”, diz o pontífice. “Oxalá não seja mais um grave episódio da história cuja lição não fomos capazes de aprender. Oxalá não nos esqueçamos dos idosos que morreram por falta de respiradores, em parte como resultado de sistemas de saúde que foram sendo desmantelados ano após ano. Oxalá não seja inútil tanto sofrimento, mas tenhamos dado um salto para uma nova forma de viver e descubramos, enfim, que precisamos, e somos devedores, uns dos outros.”

Ao falar da responsabilidade social dos governos, o papa Francisco lembrou que “ajudar os pobres com o dinheiro deve sempre ser um remédio provisório para enfrentar emergências. O verdadeiro objetivo deveria ser sempre consentir-lhes uma vida digna através do trabalho. (...) Não há pobreza pior do que aquela que priva do trabalho e da dignidade do trabalho”.

Longe de pregar um paternalismo estatal, a encíclica papal destaca precisamente a importância de uma sociedade pujante. “A tarefa educativa, o desenvolvimento de hábitos solidários, a capacidade de pensar a vida humana de forma mais integral, a profundidade espiritual são realidades necessárias para dar qualidade às relações humanas, de tal modo que seja a própria sociedade a reagir face às próprias injustiças, às aberrações, aos abusos dos poderes econômicos, tecnológicos, políticos e midiáticos”, diz Francisco.

Ao propor uma ordem social mais fraterna e solidária, o papa Francisco faz um convite à revalorização da política, que é “uma das formas mais preciosas de caridade, porque busca o bem comum”. Rejeita, no entanto, o uso da religião para fins político-eleitorais, lembrando que, mais do que palavras, o que importa são ações efetivas. “O paradoxo é que, às vezes, quantos dizem que não acreditam podem viver melhor a vontade de Deus do que os crentes.” São reflexões pertinentes para o mundo inteiro, também para o Brasil.

Tenha medo – Opinião | Folha de S. Paulo

Desleixo de Trump com a Covid-19, mesmo infectado, sugere preço político a pagar

Como não poderia deixar de ser, o mundo soube que Donald Trump deixaria o hospital no qual se tratava da Covid-19 por meio de uma postagem no Twitter. “Não tenha medo” da doença, recomendou.

Apesar de uma sentença seguinte sensata, afirmando que as pessoas não devem se deixar dominar pelo medo, o estrago estava feito.

O presidente americano, doente, coroa assim o seu trabalho neste ano de pandemia: com desleixo no trato da emergência sanitária e desprezo pela vida humana.

Seus macaqueadores mundo afora seguiram a mesma linha, como os brasileiros bem sabem com Jair Bolsonaro e seu negacionismo.

Trump, a acreditar nos conflitantes relatos acerca de sua saúde, passou por maus bocados no início de sua infecção —idoso e obeso, acabou no hospital.

Mesmo internado, manteve o culto personalista. Deixou-se fotografar e filmar trabalhando e, num ato criticado pelos próprios médicos da unidade médica militar onde estava, cumprimentou apoiadores num passeio de limusine.

Os agentes secretos com Trump no veículo, que é lacrado para evitar a entrada de contaminantes, se arriscaram com um paciente no auge de seu período de infecção por um teatro político barato.

Pontual, a cena diz muito sobre a realidade da pandemia na mais poderosa nação da Terra. Mais de 20% dos mortos pelo patógeno são americanos, que representam 4,2% da população mundial —e há acima de 40 mil novos casos diários.

A menos de um mês da eleição presidencial, o impacto da doença de Trump sobre o eleitor ainda é incerto. As duas primeiras pesquisas de intenção de voto feitas após a revelação do contágio sugerem problemas para o republicano.

O democrata Joe Biden segue com uma liderança de 8 a 10 pontos, e os eleitores responsabilizaram Trump por sua infecção.

Se havia esperança de que a enfermidade traria empatia, até aqui o máximo angariado foi um indisfarçável “Schadenfreude” de críticos do presidente republicano.

Restará saber se esse sentimento de satisfação com o infortúnio alheio, reforçado pela atitude de Trump ante o vírus, irá contaminar de vez sua chance de ganhar terreno entre os indecisos e em estados-pêndulo do pleito.

No mês final da campanha de 2016, ele fez mais de 60 comícios, que o ajudaram a suplantar Hillary Clinton na reta de chegada.

Obviamente neste ano a intensidade seria menor pela própria pandemia. Mas, mesmo que se recupere, Trump terá perdido semanas vitais para tentar virar o jogo.

Se ao fim o presidente perder, não será pequena a ironia de que parte da culpa poderá ser atribuída ao vírus que ele tanto minimizou.

Muros de Doria – Opinião | Folha de S. Paulo

Apesar de méritos, ações de tucano na cidade mostram custos do afã marqueteiro

A curta passagem de João Doria (PSDB) pela prefeitura paulistana, da qual abdicou em 2018 para se candidatar ao governo do estado, foi marcada pelo ímpeto publicitário de produzir marcas eleitorais vistosas por meio de ações financiadas pelo setor privado.

Hoje se vê, contudo, que os resultados da ofensiva foram em alguns casos insatisfatórios ou, contrariando promessas do ex-alcaide, geraram despesas ao erário. O corredor verde que ladeia a avenida 23 de Maio é exemplo paradigmático.

Implantado em 2017, após investidas de Doria contra os grafites que adornavam o trecho, o projeto possui o mérito evidente de ter levado painéis com plantas e folhagens a uma via de tráfego intenso. Além do prazer visual, a medida contribui para a regulação da temperatura e a absorção do barulho.

Foi questionável, entretanto, a maneira pela qual a administração municipal propagandeou o empreendimento —tratando-o como compensação pela retirada de árvores da cidade por obras.

A prefeitura se valeu de um acordo firmado na gestão Fernando Haddad (PT), em que uma construtora pôde substituir o plantio de milhares de árvores pela colocação de jardins suspensos.

Ocorre que os impactos ambientais da obra de 3 km são irrisórios. Dado o número de árvores que deixaram de ser plantadas, o muro deveria ter extensão de ao menos 1.500 km para proporcionar o efeito ambiental correspondente.

Como se não bastasse, a manutenção dos jardins foi deixada a cargo de uma empresa que, meses depois, desistiu do serviço, sob a alegação de falta de recursos. Desde então, os custos foram assumidos pela prefeitura, gerando gasto anual de cerca de R$ 1,5 milhão.

Trajetória semelhante teve o muro entre a raia olímpica da USP e a marginal Pinheiros. A obra de 2018, orçada em R$ 15 milhões e bancada por 44 empresas, substituiu a antiga divisão de concreto por centenas de placas de vidro.

A quebra constante das placas, todavia, fez da nova proteção um transtorno tanto para a prefeitura como para a universidade. No ano passado, laudos da Polícia Civil mostraram que o problema foi causado por falhas na instalação.

Para quem vier a ocupar a prefeitura a partir de 2021, incluindo o atual prefeito e candidato de Doria, Bruno Covas, os episódios não só constituem uma questão a ser resolvida como servem de lição sobre os custos do afã marqueteiro.

O desmonte pernicioso dos órgãos ambientais – Opinião | O Globo

Depois de intervir no Conama para suspender a proteção do litoral, o governo quer unir ICMBio e Ibama

Quando o presidente Bolsonaro disse, em maio do ano passado, que desejava transformar Angra dos Reis (RJ) numa Cancún, o polo de turismo de massa mexicano, não estava brincando ou falando apenas para sua base radical. Tanto que o Conselho Nacional do Meio Ambiente (Conama), devidamente expurgado de representantes da sociedade civil pelo ministro Ricardo Salles, aprovou o fim da proteção a manguezais e restingas, retrocesso que causou indignação no Congresso e organismos ambientais — até ser suspenso e novamente restabelecido na Justiça.

A manobra mostra bem por que o ministro do Meio Ambiente continua no cargo, apesar dos desastres que tem causado dentro — e sobretudo fora — do governo. Salles demonstra ter até agora grossa blindagem porque executa o que o presidente pensa sobre o assunto. O modelo dos sonhos de Bolsonato é Cancún na baía da Ilha Grande e gado pastando na Amazônia, repleta de plantações de soja e garimpos.

Para isso, Salles cumpre desde o primeiro dia no cargo, de forma meticulosa e disciplinada, a desmontagem da estrutura de fiscalização e punição de crimes ambientais. O descaso com os orçamentos do Ibama e do ICMBio —o Instituto Chico Mendes, que herdou do Ibama a gestão das unidades de conservação — é a evidência mais eloquente da empreitada de demolição. O último lance nessa implosão, uma espécie de dinamite, é o grupo criado por Salles para fundir os dois institutos, também sem participação de organismos da sociedade civil. É a mesmíssima receita aplicada na desidratação do Conama — e outro erro, porque Ibama e ICMBio se complementam.

O estrangulamento da estrutura ambiental também envolve não repor o pessoal que se aposenta. Tudo somado, resultam as tragédias amazônica e pantaneira deste ano. Numa estação extremamente seca, portanto já propícia a incêndios, a leniência do governo contribui para a maior onda de queimadas no Pantanal desde 1998. Na Amazônia, a destruição pelas chamas em setembro é a maior desde 2017. Outra razão para que Ibama e ICMBio estivessem operando a plena carga, com recursos suficientes, sem problemas administrativos ou entraves políticos.

Preocupa, sobretudo, a intenção velada do governo de atribuir aos militares, com sua característica visão conspiratória da Amazônia, a responsabilidade pela preservação do meio ambiente. Não é outro o motivo para a tentativa de colorir de verde-oliva o Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais (Inpe), responsável pelas estatísticas mais fidedignas da devastação.

O novo presidente do Inpe, o geofísico Clézio Nardin, é um técnico qualificado, à altura do posto. Mas é inevitável que tenha de reagir à pressão — como ao dizer não ver problemas no monitoramento de incêndios pelos militares. Pelo menos o vice Hamilton Mourão parece ter voltado atrás no plano de atribuir a fiscalização por satélites a uma agência militar que absorveria o Inpe. Seria o fim da credibilidade do serviço. Mas combinaria com o plano em execução por Salles.

Encampação da Linha Amarela é incentivo a compadrio e corrupção – Opinião | O Globo

Que empresa investirá numa cidade, num estado ou num país que não respeita contratos?

Fustigado pelos efeitos de uma administração desastrosa, agravada por denúncias de corrupção, o prefeito Marcelo Crivella enxergou na Linha Amarela um caminho propício para o populismo, de olho na eleição de novembro. Daí a ruptura unilateral do contrato com a concessionária Linha Amarela SA (Lamsa), a encampação da via e a liberação demagógica do pedágio.

No alvedrio populista, recebeu apoio da Câmara de Vereadores, onde tem maioria, alegando prejuízos aos cofres públicos com obras superfaturadas e tarifas abusivas (a concessionária contesta). Só que a prefeitura é ao mesmo tempo árbitro e parte do contrato. Não houve auditoria independente.

A prefeitura sempre agiu com truculência. Em outubro do ano passado, Crivella despachou equipes com retroescavadeiras para destruir cancelas e cabines da praça de pedágio. Num contrassenso inédito, quem deveria zelar pelo patrimônio público o depredou.

No Judiciário, uma decisão monocrática do ministro Humberto Martins, presidente do Superior Tribunal de Justiça (STJ), suspendeu três liminares favoráveis à Lamsa e permitiu que a prefeitura retomasse a via. A questão não está encerrada. No dia 21, será analisada pelos 15 ministros da Corte Especial do STJ. É preciso que derrubem a decisão de Martins.

A encampação da via, sem indenização prévia como manda a lei, tem efeito devastador sobre contratos de concessão na cidade, no estado e no país. Só o quiproquó judiciário já demonstra quão frágil é a segurança jurídica para a iniciativa privada investir no Rio.

A encampação é um incentivo à corrupção e ao capitalismo de compadrio. No lugar de contratos garantidos pelas instituições, os investidores se veem reféns do governo de plantão, a quem não raro precisam pagar propina para garantir que seu capital não seja expropriado arbitrariamente. A decisão já começa a provocar um nefasto efeito dominó para além dos limites do município. Na Alerj, há articulação para encampar a Via Lagos, único acesso decente à Região dos Lagos.

O retrocesso pode respingar noutras áreas, como o leilão da Cedae. Ou em concessões de saneamento, após o novo marco regulatório. Num país que precisa de investimentos privados na infraestrutura, especialmente num momento de finanças devastadas pela pandemia, afugentar o investidor é um tiro no pé. Quem vai pôr dinheiro numa cidade, num estado ou num país que não respeita contratos?

Que os motoristas que passam pelas cancelas liberadas não se iludam. A conta virá. Conservar a Linha Amarela custa R$ 100 milhões por ano. A prefeitura não tem dinheiro nem para pagar a conta de luz das escolas. É essa indigência que leva à manutenção da via.

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