O
governo é covarde porque, querendo flexibilizar o teto de gastos, deveria
liderar o debate
O teto de gastos já era. Ao menos como o conhecemos, já era. Questão de tempo até que sua revisão se imponha. Aquele teto assentado no governo Temer, em tempos (agora sabemos) de paz: já era. O mar virou. Está dado. A flexibilização virá. Já era. E também Paulo Guedes, o flexível: já era. (Isso, claro, se tiver sido algo — que não fachada liberal-reformista para o estelionato eleitoral bolsonarista — alguma vez neste governo.) Se fica ou não, é irrelevante. Hoje: irrelevante. Para algum efeito produtivo: irrelevante. Trata-se de um ministro da Economia —de um gigantesco Ministério da Economia — publicamente esvaziado de qualquer poder político. Já era.
Para
Jair Bolsonaro, contudo, é bom — ainda bom — que fique. Menos por enganar algum
crente retardatário na viabilidade de um projeto de poder reacionário, que se
expande abrindo as velas pragmáticas do populismo, abarcar um programa de
reformas estruturais do Estado. E mais por ser Guedes — minion que é — um
batalhador apaixonado, operário mesmo, testando ao máximo a elasticidade de sua
cervical liberal, pela reeleição do presidente; o seu problema, este também
dado, consistindo em incompetência, em incapacidade para entregar.
Daí
por que perdeu o Renda Brasil — programa a cuja formulação se agarrara como
maneira de sustentar algum protagonismo competitivo. Perdeu. Bolsonaro lhe
tirou esse último trampolim, também talvez o chão derradeiro. Ninguém precisa
ser um trabalhador — o presidente nunca foi — para identificar alguém ruim de
serviço.
Ninguém precisa ser um trabalhador para reconhecer alguém esforçado, que veste a camisa. Alguém — ainda — útil. Guedes, este útil abnegado, então convertido em mero tocador de boi de piranha; o animal lançado ao sacrifício sendo algum entre seus secretários, estimulados a propor ideias colocando a cabeça não na janela do debate público, mas na linha da guilhotina, ou um parlamentar que, seduzido pelos holofotes, aceite ser balão de ensaio para propostas esdrúxulas de como financiar o ex-Renda Brasil.
Guedes,
tocador de boi de piranha — se com sorte. Se não for ele mesmo o próprio bicho.
Questão de tempo.
Fato
é que o teto de gastos já era. Fato é que o Renda Cidadã virá. E que é o
governo o principal agente — embora oculto —para que assim seja. Para que um
amontoado de impasses se arraste até o final do ano, o país pressionado pelo
fim do auxílio emergencial, até que do Congresso venha o consenso de que só se
poderá custear o segundo reformando o primeiro. Sobre o Parlamento recaindo,
mais uma vez, todo o ônus político do que, para o ente mercado, será movimento
de irresponsabilidade fiscal.
O
desgaste de conceber e viabilizar políticas públicas pesando no lombo do
Congresso. A colheita dos dividendos eleitorais a ser novamente de Bolsonaro.
Padrão.
O Planalto investe na projeção de um fato consumado. Estabelece a demanda. Os milhões assistidos pelo auxílio emergencial. Define a agenda. O Renda Cidadã virá para não desassistir os pobres depauperados pela peste. Então, controla os tempos da crise, já crispados por um calendário espremido por eleições. Manipula a seu favor a convenção social — por mais gastos — decorrente das exigências econômicas de uma pandemia. Induz às sinucas. Faz circular várias formas — absurdas — de bancar a demanda. Interdita as factíveis, por impopulares — ou por mexerem com interesses corporativistas. Desincumbe-se da carga — do prejuízo —das escolhas inerentes a administrar. E empurra a responsabilidade — a solução — ao Legislativo. Padrão.
Um governo covarde. Que avançou para uma etapa em que já nem mais bota a cara. Que quer e terá um Bolsa Família para chamar de seu; mas lavando as mãos sobre como incrementá-lo. Que dá palanque a um senador como Marcio Bittar, relator do Orçamento, planta nele a ideia estúpida de financiar o programa por meio de calote a dívidas da União já transitadas em julgado, endossa — ladeando-o — o anúncio do que seria a solução, colhe a reação desejada, que interdita mais uma possibilidade, e então descarta a suposta alternativa que não apenas apoiara, como fornecera.
O
governo é covarde porque, querendo flexibilizar o teto de gastos, poderia —
deveria — abrir e liderar o debate sobre sua revisão. Talvez seja mesmo
necessário. A discussão seria fundamental. O governo é covarde porque, querendo
rever o teto de gastos, prefere — em campanha eleitoral permanente — rolar
prerrogativas, jogar com a (vaidosa) independência de outro Poder e lhe
parasitar as iniciativas.
É questão de tempo, pois, até que o Parlamento comande a costura por um novo teto de gastos. Questão de tempo. Improvável, no entanto, que seja sob a presidência de Rodrigo Maia. Caso irônico em que o ex-rigoroso Guedes —ora a dizer que a manutenção do teto representa sua última fronteira —deveria agradecer ao presidente da Câmara por ter ainda desculpa para dissimular seu bolsonarismo essencial.
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