terça-feira, 6 de outubro de 2020

Pablo Ortellado* - Violência política

- Folha de S. Paulo

Um em cada cinco americanos que se identifica como democrata ou republicano considera justificado o uso de violência se o seu partido perder

Cientistas sociais de diferentes instituições de pesquisa dos Estados Unidos perceberam que investigavam em paralelo a aceitabilidade da violência política por cidadãos com forte identidade política.

Quando reuniram seus bancos de dados, descobriram que o país vive uma onda crescente de aceitação da violência política, o que pode culminar em uma explosão caso o resultado das eleições presidenciais seja contestado por uma das partes.

Em artigo no site Politico, os pesquisadores apresentaram números preocupantes: em setembro de 2020, cerca de um terço dos americanos que se identificam como democratas ou como republicanos considerava justificado o uso da violência para atingir objetivos políticos (33% dos democratas e 36% dos republicanos). O índice era de apenas 8% em 2017, passou para 12% em 2018, depois para 15% em 2019 e dobrou para 30% em junho de 2020, no contexto dos embates entre conservadores e progressistas nos protestos do Black Lives Matter.

Os pesquisadores estão particularmente preocupados com dados que sugerem que cada episódio de violência política torna mais aceitável violência adicional, num ciclo vicioso perigoso: logo após um episódio de violência política, a aceitação geral da violência parece subir.

Nos últimos meses, ações armadas dos dois campos resultaram em morte. Em agosto, dois ativistas do Black Lives Matter foram mortos a tiros por um apoiador da ação da polícia na cidade de Kenosha. Quatro dias depois, um militante de extrema direita foi morto a tiros por um ativista antifascista em Portland.

Além dessas mortes, casos de agressão se espalharam por todo o país no contexto dos protestos.

Episódios de violência armada também aconteceram em protestos contra as políticas de isolamento social, como as diversas invasões da Assembleia Legislativa de Michigan por ativistas de extrema direta pesadamente armados.

O dado mais preocupante descoberto pelos pesquisadores mostra que um em cada cinco americanos que se identificam como democrata ou como republicano considera bastante justificada a violência se seu partido perder as eleições presidenciais, em novembro (20% dos republicanos, 19% dos democratas).

Quanto mais forte a identificação partidária, maior essa abertura à violência.

Como Donald Trump insiste que o voto pelo correio pode levar a uma fraude eleitoral, e Hillary Clinton recomendou ao candidato democrata Joe Biden não reconhecer a derrota se o resultado for apertado, os pesquisadores acreditam que sua preocupação com uma explosão de violência em novembro é bastante pertinente.

*Pablo Ortellado, professor do curso de gestão de políticas públicas da USP, é doutor em filosofia.

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