-
Para
multinacionais como a Ford, o Brasil é visto como incapaz de sair do marasmo
A saída da Ford do
Brasil não é um veredicto contra o governo de Jair Bolsonaro. É um pouco pior. É um
veredicto desagradável sobre o Brasil na comparação internacional – não importa
quais tenham sido os erros (alguns óbvios, como produtos equivocados) da
montadora em suas estratégias de mercado.
Em
primeiro lugar, o que a postura da montadora indica é que afastados das
principais inovações somos uma grandeza negligenciável em termos de tamanho de
mercado. Ela está desmentindo a frase muito surrada, segundo a qual o Brasil
tem um tamanho (em termos de mercado) que nenhuma multinacional pode se dar ao
luxo de ignorar.
Em segundo lugar, a saída dela apenas confirma o que o setor industrial brasileiro vem “denunciando” há pelo menos uma década: o ambiente de negócios geral no País está piorando ao longo dessa linha do tempo – os últimos dez anos, durante os quais os benefícios tributários concedidos especialmente ao setor automotivo triplicaram em relação ao PIB, sem que viessem os esperados resultados.
Esse
último aspecto é relevante para se entender qual é o “recado geral” que a saída
da Ford está dando à sociedade brasileira. Na expressão consagrada pelo
economista Marcos Lisboa, somos reféns da nossa postura da “meia-entrada”. Ela
explica como o conjunto acaba pagando por aquilo que alguns não precisam pagar.
“Meia-entrada”
– o subsídio, o incentivo, a renúncia fiscal – é entendida como um direito
adquirido inalienável. Às vezes garantido pela Justiça (o que gera insegurança
jurídica), às vezes negociado por lobbies bem-sucedidos (num Legislativo de
baixa representatividade) ou reiterados por governadores e prefeitos
engalfinhados em guerra fiscal. O resultado geral é o agravamento do estado no
qual vegetamos há mais de uma década: economia semiestagnada, atrasada em
produtividade, fechada, com baixa capacidade de competição especialmente no
setor industrial.
Esse
diagnóstico é de razoável consenso não só entre economistas, mas foi adotado também
por várias correntes políticas. É a partir dele que o governo Jair Bolsonaro
montou algumas de suas principais promessas eleitorais, traduzidas na intenção,
manifestada pelo ministro Paulo Guedes, de “salvar a indústria
contra os próprios industriais”. Ainda no começo de dezembro do ano passado
Guedes afirmava que aproveitaria o momento de reorganizar a saída da dupla
crise (econômica e sanitária) para “cortar subsídios” (ocorreu em parte quanto
aos creditícios, mas não aos tributários).
No
caso específico da Ford, informações de bastidores dão conta de que a decisão
de sair do Brasil já tinha sido tomada em 2018, e foi adiada por razões
exclusivamente políticas por parte da empresa: não queria dar a impressão de
que o fazia (abandonar nosso país) por desaprovar o vencedor das eleições
daquele ano. Se, de alguma maneira, a montadora antecipava que o ambiente de
negócios brasileiros se alteraria de maneira positiva, perdeu até aqui a aposta
e optou pelo “stop loss”.
Aqui
voltamos ao “recado geral” deixado pela saída da Ford. É a constatação de que
nossa política, não importa o partido no poder, não foi capaz de construir o
grande consenso em torno da pauta da produtividade, da competitividade, das
reformas estruturantes do Estado, do efetivo combate à desigualdade, miséria,
injustiça social. E agora, distraída por reeleição, pandemia e sufoco fiscal,
parece tão distante como sempre de criar a convergência necessária.
Evidentemente que a Ford ou qualquer outra grande corporação não é “juiz” dos nossos destinos nem ocupa qualquer posição “moral” para determinar o que somos ou deixamos de ser. Ou que jamais erre nas decisões de investir ou desinvestir. Mas o que ela acabou de fazer é um alerta gritante: lá fora estamos sendo vistos como capazes apenas de produzir mais do mesmo – e esse mesmo não é satisfatório.
Nenhum comentário:
Postar um comentário