quinta-feira, 14 de janeiro de 2021

O que a mídia pensa: Opiniões / Editoriais

Vacinação precisa começar o mais rápido possível – Opinião | O Globo

Espera-se celeridade da Anvisa na aprovação dos imunizantes — e do governo para começar a vacinar

No dia 19 de dezembro, o presidente Jair Bolsonaro questionou as cobranças pela imunização contra a Covid-19: “A pressa pela vacina não se justifica, porque você mexe com a vida das pessoas”. Dias antes, o ministro da Saúde, Eduardo Pazuello, já criticara a “angústia” e a “ansiedade” pela vacina. Bolsonaro e Pazuello vivem numa realidade paralela. No mundo real, não faltam motivos para “a pressa”. Ou será que os mais de 200 mil mortos — o segundo maior número no planeta —, os 8,2 milhões de infectados, as mais de mil mortes diárias, o caos nos sistemas de saúde e funerário e o drama das famílias enlutadas não são razão suficiente?

É preciso interromper urgentemente essa tragédia. Estão sobre a mesa da Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa) os resultados dos testes e pedidos para uso emergencial das duas vacinas mais próximas de chegar aos braços dos brasileiros: a CoronaVac, já fabricada pelo Instituto Butantan, em São Paulo, num convênio com a chinesa Sinovac, e a resultante da parceria entre a Universidade de Oxford e a farmacêutica AstraZeneca, que começa a ser produzida na Fiocruz, no Rio.

A Anvisa promete para domingo uma decisão sobre as vacinas. Pelos números divulgados até agora, as duas atendem ao critério estipulado pela OMS, que exige eficácia mínima de 50%, e não despertam reações adversas significativas. Ambas são, portanto, essenciais para a elaboração de uma estratégia nacional de imunização capaz de deter o avanço da pandemia.

Espera-se celeridade da Anvisa na aprovação das duas, com o evidente respeito às recomendações científicas. Mais que tudo, que não haja interferência política do Executivo na decisão. A Anvisa já demonstrou que não está imune aos delírios de Bolsonaro e de seu ministro da Saúde, quando suspendeu por um dia os testes da CoronaVac — na época chamada por Bolsonaro de “vacina chinesa” ou “vacina do Doria” — , em virtude de uma morte que, na verdade, nada tinha a ver com a vacina (tratava-se de um suicídio).

Desta vez, que a ciência, e apenas a ciência, dite o rumo da decisão. E que o Ministério da Saúde, em vez de ficar insistindo no absurdo de recomendar a ineficaz cloroquina para conter a tragédia em Manaus, cuide de garantir o fornecimento de agulhas, seringas e de distribuir as vacinas aprovadas o mais rapidamente possível. Se estiverem aprovadas no domingo, não há motivo para que a vacinação não comece logo na segunda-feira. Cada dia de atraso equivale a mais mortes evitáveis.

Pazuello dizer que a vacinação vai começar no dia D e na hora H é um desrespeito com os mais de 211 milhões de brasileiros. Num momento em que o país assiste a uma disparada generalizada do número de casos, espera-se do governo respostas menos evasivas e mais comprometidas com a situação de emergência. Cerca de 50 países já iniciaram a vacinação contra a Covid-19. O Brasil, que se tornou um pária internacional, vai ficando para trás.

Basta de incompetência, amadorismo e desprezo pela vida. O Brasil não aguenta mais esperar. Vacina já!

Banco Central tem de manter o sangue-frio diante da inflação – Opinião | O Globo

Mesmo que o IPCA de 2020 tenha sido o mais alto desde 2016, não há motivo para apertos monetários

A alta de 4,52% no IPCA de 2020, a maior desde 2016, exige do Banco Central sangue-frio e sintonia fina na gestão da política monetária. Fixada em 2% pelo Conselho de Política Monetária (Copom), a Selic é a mais baixa desde que foi instituída. Mantê-la abaixo da inflação significa entrar no território dos juros reais negativos, fato que tem se tornado comum nas economias desenvolvidas.

Rara no Brasil, a experiência tem o aspecto positivo de facilitar empréstimos para consumidores e empreendedores e de injetar dinheiro na economia. Pode ser um movimento antirrecessivo importante, num momento em que existe a expectativa de queda na demanda em virtude do fim do auxílio emergencial, que sustentou o consumo, mas também inflou a poupança ao longo do ano passado.

Não há no horizonte ameaças de choques que possam pressionar os preços. No comunicado da última reunião, em dezembro, que manteve a taxa básica, o Copom reafirmou seu diagnóstico de que os choques nos preços são “temporários”. Justifica a cautela do BC, o entendimento de que a inflação é puxada pela pressão exercida sobre o preço de commodities exportadas (soja, carne etc.), impulsionadas pela desvalorização cambial e por fortes importações da China. O componente cíclico dessa tendência, agravado pelo recrudescimento da pandemia, não enseja um reaquecimento robusto.

Fica evidente tal aspecto da inflação num dado: a alta de 14,09% do grupo Alimentação do IPCA está muito acima da variação dos demais segmentos. A segunda maior alta ocorreu em Artigos de Residência, com 6%, vindo depois Habitação, com elevação de 5,25%, e Comunicação, com 3,42%. A inflação dos demais grupos está apenas acima de 1%, tendo ocorrido deflação de 1,13% em Vestuário.

Outro aspecto a levar em conta é que as expectativas do mercado, acompanhadas pelo Banco Central e divulgadas pelo Relatório Focus, apontam hoje para um IPCA de 3,34% este ano (abaixo da meta de 3,75%). Para 2022, a alta esperada é de 3,50%, justo na meta.

Por tudo isso, combater a alta dos preços com uma elevação da Selic muito forte teria resultados duvidosos, além de aumentar o custo da dívida interna, quando o país já está em séria crise fiscal. A rolagem de boa parte da dívida pública de quase R$ 5 trilhões sobe com a Selic. O déficit primário deverá ter ficado próximo dos R$ 800 bilhões em 2020 e tem como estimativa oficial para este ano quase R$ 250 bilhões. Também por esse motivo, não fazem sentido ajustes radicais na Selic.

Macron contra a soja brasileira – Opinião | O Estado de S. Paulo

O presidente da França se vale da posição de destaque para difundir acusação infundada. Eis um indício da fama

É lamentável que o presidente da França, Emmanuel Macron, difunda desinformação a respeito da produção agrícola brasileira, relacionando a soja nacional ao desmatamento da Amazônia. “Continuar a depender da soja brasileira seria apoiar o desmatamento da Amazônia”, disse o presidente francês, em sua conta oficial no Twitter.

Na continuação, Emmanuel Macron afirmou: “Nós somos coerentes com nossas ambições ecológicas, estamos lutando para produzir soja na Europa”. A coerência com a proteção do meio ambiente deveria levá-lo, em primeiro lugar, a respeitar os fatos. A soja brasileira não tem nenhuma relação com o desmatamento da Amazônia.

A acusação feita pelo presidente Macron, sem nenhum apoio nos fatos, enquadra-se inteiramente no conceito de desinformação. Trata-se de uma mensagem equivocada, difundida para confundir o público e causar danos ao concorrente.

A agravar o quadro, Emmanuel Macron se vale de uma posição de destaque para difundir a acusação infundada. Nesta semana, ele comanda a cúpula “One Planet Summit”, formada por cerca de 30 chefes de Estado, empresários e representantes de Organizações Não Governamentais (ONGs). O tema da cúpula neste ano é a preservação da biodiversidade.

O mínimo que se deveria esperar de quem assume tal função é estar informado sobre o meio ambiente, e não difundir informações ecológicas inverídicas. Não faz nenhum sentido que, diante do esforço global para a preservação ambiental, produtores que preservam o meio ambiente sejam acusados de desmatar a Amazônia – e tudo isso para angariar alguns dividendos políticos no seu país de origem. Não é assim que se cuida do planeta.

As informações são públicas e podem ser facilmente acessadas. Não há desculpa para Emmanuel Macron difundir tamanha impropriedade sobre a produção agrícola brasileira. Em primeiro lugar, o Brasil tem uma legislação ambiental que é referência internacional por seu equilíbrio entre a exploração e a conservação da natureza.

Aprovado em 2012, o Código Florestal (Lei 12.651/12) impõe sérias e graves obrigações ao produtor rural em relação à preservação do meio ambiente. As penalidades são grandes e há um sistema de controle, com forte atuação do Ministério Público. Segundo levantamento da Embrapa, as áreas de vegetação nativa preservadas por agricultores, pecuaristas, silvicultores e extrativistas somam 25% do território brasileiro. “Não há país do mundo no qual o setor agrícola dedique tanto patrimônio e recursos à preservação do meio ambiente”, avalia Evaristo de Miranda, diretor da Embrapa Territorial.

Além disso, a própria produção agrícola brasileira é referência no mundo inteiro, precisamente por sua produtividade estar aliada à preservação ambiental. A notável expansão da produção agrícola nas últimas décadas – num período de pouco mais de 40 anos, a produção de grãos cresceu quase seis vezes – não se deu em razão do aumento da área cultivada.

O crescimento ocorreu pelo aumento de produtividade por hectare, com a modernização das técnicas de plantio e cultivo, junto ao uso crescente de tecnologia. O campo tem produzido mais não porque avança sobre a Amazônia, como deu a entender Emmanuel Macron, mas porque tem feito render mais cada hectare de terra.

A acusação do presidente francês trouxe uma informação completamente equivocada, que pode ser facilmente refutada por dados básicos sobre o tema. Mas ele a publicou no Twitter, como se fosse uma verdade evidente, a dispensar provas. Eis um indício da fama internacional que o Brasil adquiriu nos tempos atuais.

Com sua determinação de criticar qualquer iniciativa de proteção ambiental, o presidente Bolsonaro transmite mundo afora a absurda ideia de que os produtores rurais só querem desmatar e queimar. É grave o erro de Jair Bolsonaro, assim como é grave o erro de Emmanuel Macron. Com relevante histórico de preservação ambiental, a produção de soja brasileira deveria receber aplausos, em vez de ser objeto de grosseiras mentiras.

Uma grave ameaça contra o País – Opinião | O Estado de S. Paulo

Vê-se no presidente Bolsonaro a tentativa de subjugar politicamente soldados e policiais.

Sem enfrentar de forma minimamente responsável a pandemia de covid-19, o governo de Jair Bolsonaro parece não medir esforços para causar danos ao País em outras áreas. Como revelou o Estado, há no Congresso dois projetos de lei orgânica das Polícias Civil e Militar, alterando sua estrutura e organização, além de restringir o poder dos governadores.

Em tempos normais, projetos dessa natureza – que nada solucionam, apenas desorganizam e destroem – seriam relegados ao esquecimento. No entanto, aliados do governo Bolsonaro têm apoiado e impulsionado sua tramitação, numa demonstração de que, para Jair Bolsonaro e seus apoiadores, não há limites para o desastre.

Sob o pretexto de dar prioridade à segurança pública e de uniformizar a estrutura das Polícias estaduais – o que já seria bastante frágil do ponto de vista constitucional –, as propostas de lei orgânica não trazem nenhuma melhoria funcional. Antes, favorecem e fortalecem o vírus do corporativismo dentro dessas instituições.

Os dois projetos de lei promovem o oposto daquilo que se espera de uma reforma do poder público: aumento da eficiência e da transparência, melhores mecanismos de controle, maiores incentivos à atuação dentro da lei. Do ponto de vista constitucional, administrativo e funcional, as propostas são um evidente retrocesso.

O maior problema dos dois projetos sobre as Polícias não é, no entanto, sua disfuncionalidade, por mais grave que ela seja. O grande perigo é a finalidade dessas propostas e que tanto faz brilhar os olhos de Jair Bolsonaro: a tentativa de subordinar as forças de segurança estaduais a interesses políticos do governo central. Tanto é assim que uma das medidas propostas é a criação de um esdrúxulo Conselho Nacional de Polícia Civil, subordinado à União.

O assunto é especialmente grave, com muitas consequências para o funcionamento das instituições e a normalidade da ordem pública, a afetar diretamente a população. Está em curso uma clara tentativa, por parte do presidente Bolsonaro, de apropriação político-ideológica das Polícias Militar e Civil.

O objetivo da manobra não é apenas aumentar a influência do bolsonarismo sobre o braço armado do Estado, o que já seria deletério e inconstitucional. Num Estado Democrático de Direito, a polícia não serve a interesses políticos. No entanto, o que se vê no comportamento de Jair Bolsonaro é a tentativa de subjugar politicamente soldados e policiais, desprezando a hierarquia e os caminhos institucionais.

Em entrevista ao jornal Valor, o senador Tasso Jereissati (PSDB-CE) destacou o caráter inédito dessa movimentação presidencial junto às tropas. “O ministro (da Saúde) é militar. Os secretários são militares. (...) E o mais perigoso: se você olha a agenda do Bolsonaro, ela é em grande parte dedicada a solenidades de formação de policiais militares. Eu fui governador por 12 anos. Não me lembro de nenhum presidente ter sequer cogitado vir ao Ceará para uma formatura de policial. Ele corteja as Polícias Militares ainda mais que o Exército. Eu ontem conversava com Antonio Anastasia (PSD-MG), que também foi governador, se ele lembrava de algo assim e ele disse: ‘Não, nunca’. Bolsonaro está cortejando esse grupo, visivelmente.”

Em artigo no Estado (Lei marcial cabocla, 2/1/21), Miguel Reale Jr. chamou a atenção para a gravidade do comportamento de Jair Bolsonaro. “Se juntarmos a acusação infundada de fraude em urnas eletrônicas, sem a mínima comprovação, com a principal atividade desenvolvida por Bolsonaro, então se acende a luz amarela do perigo. E qual é essa atividade? O presidente tem comparecido a solenidades de graus inferiores das Forças Armadas (sargentos da Marinha) e das Polícias Militares”, escreveu. Com vários exemplos, o artigo de Reale Jr. mostra o papel relevante de forças estaduais em movimentos sediciosos da história nacional.

As Polícias Militar e Civil estão a serviço da população. Que o Congresso desfaça as tentativas de transformá-las em ameaça contra o País e lembre ao presidente Bolsonaro que aqui há lei e instituições democráticas. Há limite.

O STF e a educação especial – Opinião | O Estado de S. Paulo

Supremo impediu o governo de impor um plano que beira a falta de humanidade.

Em julgamento virtual, o Supremo Tribunal Federal (STF) referendou a liminar que suspendeu uma das medidas mais equivocadas e iníquas adotadas pelo Ministério da Educação (MEC) no atual governo. Trata-se da Política Nacional de Educação Especial: Equitativa, Inclusiva e com Aprendizado ao Longo da Vida, que foi baixada por meio de decreto. 

Apesar do nome pomposo, a política se limita a prever que a União, em colaboração com os Estados e os municípios, implemente programas para garantir o acesso à educação especializada para crianças com deficiências. O problema é que, em vez de assegurar o convívio desses alunos com os demais no mesmo ambiente escolar, o programa faz o inverso. Ao incentivar a criação de escolas especializadas, ele promove a segregação. 

Por caminhar na contramão das técnicas pedagógicas mais modernas, como tem sido característica do governo Bolsonaro, o decreto causou tanta indignação, a ponto de ter sua constitucionalidade arguida no STF. Em sua defesa, o governo alegou que só regulamentou um dispositivo da Lei de Diretrizes e Bases da Educação (LDB), de 1996. Contudo, o relator do feito, ministro Dias Toffoli, rejeitou o argumento. Segundo ele, o decreto vai muito além do que afirmam autoridades educacionais, pois não só introduz uma política educacional que colide com o espírito da LDB, como também prevê a criação de institutos, serviços e obrigações por ela não previstos. 

A liminar, que foi concedida no início de dezembro e endossada logo em seguida por ampla maioria de ministros, na prática permite que alunos com deficiências sejam matriculados, em 2021, nas mesmas escolas dos alunos que não têm deficiências, o que era reivindicado pelas associações e ONGs do setor educacional. 

Ao conceder a liminar, Toffoli também adiantou seu voto no mérito. Segundo ele, a Constituição é clara ao garantir atendimento especializado a estudantes deficientes, “preferencialmente na rede regular de ensino”. Também lembrou que, por priorizar a chamada educação inclusiva, que “agrega e acolhe as pessoas com deficiência ou necessidades especiais no ensino regular, ao invés de segregá-las em grupos apartados da própria comunidade”, a Constituição não permite ao poder público manter estudantes com deficiências à margem da rede escolar comum, confinando-os em escolas especializadas, como se tivessem doença contagiosa. E concluiu lembrando que, por meio de decreto presidencial assinado em 2009, o Brasil comprometeu-se a expandir a educação inclusiva. Por isso, em vez de recorrer a escolas especializadas, a União, os Estados e municípios devem, no máximo, adaptar as unidades das redes escolares comuns para acolher estudantes com deficiências. 

Apesar de o governo Bolsonaro tê-la anunciado como uma iniciativa inovadora, a Política Nacional de Educação Especial não tem nada de novo. Ela apenas ressuscita a política que prevalecia no início da década de 1970, quando o MEC criou o Centro Nacional da Educação Especial, sob fortes críticas da comunidade acadêmica, que acusava as autoridades educacionais de tratar pessoas com deficiências como se fossem cognitivamente limitadas. De lá para cá tudo mudou. Uma entidade respeitada, como a Associação de Pais e Amigos dos Excepcionais (Apae), por exemplo, exerceu um papel modernizador no País quando passou a atuar com base em um modelo que funciona não em substituição à escola comum, mas de modo complementar a ela. A ordem jurídica foi reformulada, permitindo que deficientes passassem a ser tratados como cidadãos e que a rede escolar se modernizasse, para poder acolhê-los. E, em 2006, cerca de 160 países – entre eles o Brasil – firmaram a Convenção Internacional sobre os Direitos das Pessoas com Deficiência.

Ao derrubar um plano desumano e segregador, o STF evitou um retrocesso pedagógico, preservando com isso importantes conquistas das últimas décadas.

Punir a petulância – Opinião | Folha de S. Paulo

Condenação de Trump inibiria violência política nos EUA e em outros países

Em tempos normais, as instituições de uma república democrática atuam em silêncio. É como uma partida de futebol em que os jogadores disputam com lealdade às regras. Os espectadores mal se dão conta da arbitragem, de tão sutis que são as suas intervenções.

O impeachment, nesses contextos de normalidade, é um recurso que funciona sem ser notado —os presidentes em geral temem suas consequências e por isso evitam os atos que podem desencadeá-lo.

Donald Trump não é um governante submisso às regras do jogo. Tampouco a turba de fanáticos que o adula e segue parece conformada ao ditame não violento da disputa política. Em conjunturas excepcionais como esta, a arma extraordinária do impeachment precisa ser retirada do bastidor e levada ao proscênio, como acaba de fazer a Câmara dos Representantes.

Em 244 anos de independência, os Estados Unidos enfrentaram algumas situações de risco existencial, a começar da guerra com a ex-metrópole. Travou-se ali, quase um século depois, um dos conflitos civis mais sangrentos da história.

Apesar de não ser episódio de gravidade comparável, não se tem notícia de outro chefe do Executivo atiçando uma multidão contra a sede do Poder Legislativo, santuário da democracia representativa.

A perfídia patrocinada por Donald Trump foi agravada porque ele pretendia, à base de intimidação e mentiras, subverter a vontade da maioria dos eleitores, que lhe negou a recondução ao cargo.

A pronta resposta do Congresso, que ratificou a vitória do democrata Joe Biden tão logo os vândalos foram expulsos do Capitólio, demonstrou que as instituições não cederam um milímetro aos delírios golpistas do trumpismo.

Foi uma resposta enérgica, embora parcial. Falta ainda completar os protocolos do Estado democrático de Direito, que mandam responsabilizar os perpetradores e fazê-los pagar pela sua petulância.

Na Justiça, dezenas de pessoas começam a enfrentar o rigor do sistema penal norte-americano. Na política, cumpre punir exemplarmente Trump, o comandante da epifania extremista que acabou na morte de cinco indivíduos, incluindo um policial que defendia o patrimônio da República.

Cabe agora ao Senado condenar o delinquente prestes a deixar o poder. Para atingir a maioria necessária —67 dos 100 senadores— mais de uma dezena de republicanos precisarão se juntar aos democratas. Terão a chance de demarcar o terreno que a longeva democracia trilhará nos próximos anos.

A punição, seguida do banimento de Trump da vida pública, é a escolha capaz de desestimular, nos EUA e em outros países, novos assaltos violentos a poderes constituídos.

Enem no domingo – Opinião | Folha de S. Paulo

Tomadas precauções, é melhor que não se adie de novo o exame do ensino médio

Com a alta do número de reprodução da Covid-19 no Brasil, de 1,04 para 1,21 desde o início do mês, redobram-se as preocupações de cidadãos e governos zelosos —que, infelizmente, não são todos.

É nesse contexto que alguns setores pedem um novo adiamento do Exame Nacional do Ensino Médio (Enem), marcado para o próximo domingo (17) para mais de 6 milhões de inscritos em todo o território nacional. Pelo menos até aqui, autoridades educacionais e a Justiça têm resistido a esses apelos. Nesse caso, fazem bem.

Um novo adiamento até teria sentido se viesse no bojo de um lockdown nacional com o objetivo de reduzir drástica e rapidamente a circulação do vírus, como vêm fazendo vários países europeus. Mas parecem muito remotas, para dizer o mínimo, as possibilidades de o governo Jair Bolsonaro adotar uma medida dessa natureza.

Isso significa que, na maioria das regiões do país, a maior parte do comércio e dos serviços estará em operação, ainda que sob restrições de horário e ocupação, bem como com protocolos de biossegurança.

Beira a imoralidade defender que as atividades educacionais sejam paralisadas ou adiadas enquanto bares e igrejas, ambientes muito mais propícios ao contágio e menos essenciais, permanecem abertos.

Observe-se, ademais, que o Brasil já se encontra entre os países recordistas em dias sem aulas por causa do novo coronavírus.

Nesse período pandêmico, não existe atividade 100% segura. O que se pode e deve fazer é tomar medidas para reduzir os riscos e dar preferência ao que é mais urgente sobre o que é menos.

A experiência internacional dos últimos meses mostrou que atividades controladas, isto é, aquelas nas quais os agentes seguem um roteiro predeterminado, são relativamente seguras. Isso fica ainda mais evidente nas situações em que todos podem usar máscaras o tempo inteiro e são mínimas as interações entre as pessoas.

Nada disso isenta os estudantes de agir com responsabilidade pessoal. Ainda que o exame propriamente dito não traga riscos exagerados, os candidatos precisam ser cautelosos durante o transporte e, principalmente, evitar aglomerações na entrada e na saída.

As atividades que um país escolhe para manter em funcionamento durante a pandemia dizem muito sobre suas prioridades. Vamos mesmo continuar a colocar shoppings e bares à frente das escolas?

Desafios para indústria vão muito além da retomada – Opinião | Valor Econômico

Brasil perde competividade nas exportações, mostra o Iedi

Os dados mais recentes sobre o setor industrial indicam que a recuperação, iniciada ainda no primeiro semestre de 2020, continuou nos últimos meses do ano. Segundo divulgou o IBGE na sexta-feira, pelo sétimo mês seguido, a produção da indústria nacional cresceu em novembro, com alta de 1,2% em relação a outubro. Todas as grandes categorias industriais tiveram alta frente a outubro, com destaque para a produção de bens de capital (7,4%) e bens de consumo duráveis (6,2%), que apresentaram as maiores taxas positivas.

De janeiro a novembro a indústria - o setor econômico que apresenta retomada do crescimento de forma mais expressiva - continua no vermelho, com perda de 5,5%. No acumulado em 12 meses, a queda foi de 5,2%. Mesmo com o desempenho positivo recente, a produção industrial ainda se encontra 13,9% abaixo do nível recorde, alcançado em maio de 2011.

Ou seja, há ainda um longo caminho para que a indústria volte a operar de forma plena. E existem também muitas dúvidas quanto às possibilidades de o setor manter o ritmo de expansão neste ano diante das mudanças de alguns dos fatores que constituíram exatamente a base da retomada industrial. O mais significativo é a decisão governamental de não prorrogar a concessão de ajuda emergencial para uma larga faixa da população como ocorreu no ano passado.

Com os estoques em baixa - especialmente de insumos para a própria indústria -, a produção do setor apresenta um cenário positivo de curto prazo por causa da necessidade de recomposição do nível de produtos armazenados. Mas a partir do segundo trimestre em diante o setor deve sentir mais os efeitos negativos do desemprego, da queda da renda e do recrudescimento da covid-19, fatores que podem conter o consumo das famílias.

No lado positivo estão as perspectivas de aumento das exportações industriais, por causa da esperada recuperação da economia global, e a vacinação contra a covid-19, embora esse movimento esteja atrasado no Brasil em relação a outras nações.

Tão relevante quanto acompanhar a evolução dos dados conjunturais da indústria com especial cuidado nesse momento de crise é analisar com maior profundidade a situação do setor ao longo dos últimos anos e identificar os problemas que levam o setor a exportar relativamente pouco - lembre-se que cresce a cada ano a importância das exportações agrícolas e de outras commodities como minério, em contraposição à venda ao exterior de produtos manufaturados.

A inspiração para o debate pode vir de muitas fontes, como do estudo divulgado recentemente pelo Instituto de Estudos para o Desenvolvimento Industrial (Iedi) sobre o nível de complexidade das exportações brasileiras, bem como a pressão concorrencial exercida pela China nos principais mercados de nossas vendas externas de bens produzidos pela indústria.

Os dados mais recentes do levantamento do Iedi referem-se a 2018 e mostram que houve uma interrupção na trajetória contínua de perda de posição das exportações do Brasil no ranking de complexidade econômica, tendência que ocorreu entre 1995 e 2008. Depois de o país ter ocupado a 25ª posição deste ranking em 1995, recuamos à 48ª colocação em 2008 e para o 50º lugar em 2014. O Brasil passou à 49ª posição em 2018.

Segundo os analistas do Iedi, esperava-se que o país se saísse um pouco melhor devido a dois fatores. A gravidade da crise econômica de 2015-2016 e o baixo crescimento doméstico no biênio 2017-2018 exerceram pressão para que as empresas brasileiras a buscassem amenizar as perdas aumentando sua participação no mercado externo. Além disso, houve razoável depreciação do real no período (18,5% em termos efetivos reais em 2018 frente a 2014), ampliando a competitividade do produto brasileiro no exterior.

Ainda segundo a análise do Iedi, esses dados mostrariam a importância de se alavancar “a competitividade da estrutura produtiva brasileira, o que requer não só preços macroeconômicos (taxas de juros e de câmbio) favoráveis e estáveis para as exportações, mas também reformas estruturais, como a tributária, e políticas industrial, tecnológica e ambiental que respondam aos desafios das novas tecnologias e da mudança climática” além de instrumentos mais amplos de crédito.

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