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O Globo
Como
a democracia nos Estados Unidos, apesar dos últimos acontecimentos, continua
sólida, a notícia saiu na edição digital do New York Times sem grande destaque.
Mesmo assim, é inusitada para os padrões deles a nota dos chefes-militares das
Forças Armadas americanas garantindo a defesa da Constituição e repudiando os
ataques ao Congresso ocorridos há dias em Washington.
Garantem apoio à posse de Biden e pedem aos comandados, dentro e fora dos Estados
Unidos: “Estejam prontos, mantenham os olhos no horizonte e permaneçam focados
na missão”. Para nós, que temos uma democracia que tenta se consolidar em meio
ao turbilhão autoritário liderado por um presidente que não tem respeito às
leis, a nota dos generais americanos tem uma significação maior, e pode servir
de exortação aos nossos generais, que há muito tempo já convivem com
ataques à democracia por parte do presidente Bolsonaro e suas milícias, e não
se posicionam firmemente contra claros avanços autoritários.
Ao endossarem, ou ao menos parecer endossar, as agressões de Bolsonaro às leis
e à civilidade, os militares tornam-se cúmplices de um governo responsável por
inúmeros ataques à democracia, culminando com a repugnante politização da
COVID-19 que colocou o país como o segundo com maior número de mortes totais, e
faz com que, mesmo diante da tragédia revisitada de mais de mil mortes diárias
em média, ele se sinta em condições de fazer piada sobre a suposta ineficácia
da vacina Coronavac produzida no Instituto Butantan.
É a única vacina que temos, cuja aprovação corre o risco de ser atrasada para
permitir que o presidente Bolsonaro faça uma solenidade oficial no Palácio do
Planalto para tornar-se dono de um programa de vacinação que desdenhava.
Cresce no mundo a sensação de que é preciso levar a sério as ameaças retóricas
de populistas como Trump e Bolsonaro, e impedir que prosperem. Não levá-las a
sério pode permitir que se concretizem. A atitude do Congresso americano, de
levar adiante mais um processo de impeachment do (ainda?) presidente Donald
Trump também serve de exemplo e advertência aos congressistas brasileiros.
Também lá nos Estados Unidos não há maioria para destituir Trump, mas mesmo
assim a Câmara insistiu, pois atitudes de “incitamento à insurreição”, como
está descrito na acusação votada ontem, precisam de uma resposta, mesmo que
seja simbólica.
Desta vez, porém, há ainda uma pequena chance de que o processo vá adiante no
Senado, seja pela revolta de alguns senadores republicanos que prometem aderir
à oposição, seja pelo artifício parlamentar de deixar para continuar o processo
após a posse de Joe Biden, dia 20, quando os democratas já terão a maioria
também no Senado.
Se condenado pelo Senado, duas votações decidirão o futuro de Trump: se ele
perderá os benefícios concedidos a um ex-presidente; e se será proibido de se
candidatar novamente. Enquanto a votação do impeachment necessita da aprovação
de dois terços do Senado, as duas sanções complementares necessitam
apenas da maioria simples para serem aprovadas.
Diante do infame discurso de Trump incitando seus militantes a marcharem contra
o Capitólio no dia da confirmação oficial da vitoria de Joe Biden à
presidência, alguns deputados republicanos aderiram ao impeachment, gesto
puramente simbólico, pois os democratas tinham votos suficientes na Câmara para
aprovar.
Aqui entre nós, com mais de trinta pedidos de impeachment trancados na gaveta
do presidente da Câmara, Rodrigo Maia, alega-se que não há ambiente político
para a aprovação de um processo de impeachment, que perturbaria o cenário
político.
Depois de dois anos em que o próprio presidente perturba o equilíbrio
institucional com declarações e atitudes inconcebíveis em quem ocupa a
presidência da República, já está na hora de uma reação firme de repúdio, mesmo
que o Centrão impeça a concretização do impedimento de Bolsonaro. Os políticos
fisiológicos e os radicais de direita sairiam fortalecidos, mas desmoralizados.
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