Vamos
entender o que aconteceu nesta pandemia. As duas grandes e centenárias
instituições de saúde pública, com as quais o Brasil sempre contou, fizeram de
novo o seu papel. Foram atrás de vacinas, estabeleceram parcerias, negociaram
contratos para trazer os imunizantes e, depois, produzir localmente dois
produtos que nos ajudarão a salvar vidas. O país soube em momento extremo, uma
vez mais, que pode contar com a Fundação Oswaldo Cruz e com o Instituto
Butantan. Com o presidente da República, o Brasil não pode contar.
Nos
últimos dias o governo de São Paulo errou na comunicação. Principalmente na
semana passada, quando sobrou discurso político e faltou objetividade
científica. Especialistas ouvidos pela coluna acham que eles acertaram na
comunicação de terça-feira, quando informaram a taxa de eficácia global de
50,38%. Bolsonaro ironizou ontem o percentual, perguntando aos do cercado, na
porta do Palácio: “Essa de 50% é uma boa?” Todos os cientistas e médicos
ouvidos dizem que é sim uma boa. Se o percentual de eficácia fosse maior, seria
melhor.
Uma fonte do governo, mas que não vê o momento atual com olhos de torcida política, me disse o seguinte: “Os infectologistas avaliam que será uma vacina importante para prevenir formas graves da doença e impedir as mortes, o que já justifica. Seu papel na redução da transmissão da doença será menor, mas a vacina cumpriria um dos papéis esperados: reduzir muito as formas graves.”
A
epidemiologista e professora da Faculdade de Ciências Médicas da Santa Casa de
SP, Maria Amélia Mascena Veras, disse que a CoronaVac e as outras vacinas desta
pandemia não foram desenhadas para evitar a transmissão. Elas pretendem
diminuir a carga da doença na população e reduzir os casos graves. E, se isso
acontecer, já terão um efeito importante, inclusive de abrir espaço nos
hospitais para tratar outras doenças que não tenham a ver com a pandemia.
—
A vantagem da CoronaVac é que é tecnologia conhecida, muito segura. Pode ser
produzida no Brasil com custo baixo e imunizar muita gente. A segurança é
importante, não ter efeitos colaterais graves. Toda a logística de
implementação de uma vacina como essa facilita muito a vida. A vacina de Oxford
tem os mesmos requisitos de vacinação. As duas atendem muito o contexto
brasileiro. Que venha logo também a da AstraZeneca — disse.
O
Butantan nos trouxe a CoronaVac. A Fiocruz, a Oxford-AstraZeneca. Os cientistas
e servidores dos dois institutos passaram por terreno minado para trazer
imunizantes. A Fiocruz nem importadora é, mesmo assim, fez o acordo com o
Instituto Serum, indiano, para comprar o primeiro lote de dois milhões de
doses. O Butantan já colocou no país seis milhões de doses e está preparando
outras quatro milhões. É o que se esperava dos institutos de pesquisa e é o que
eles têm feito.
O
governo de São Paulo usou um tom político na divulgação. Deveria abandonar
isso. O momento é de sobriedade. O governo federal tem errado muito mais,
porque o tom é dado pelo próprio presidente, que faz blague no meio da tragédia
e alimenta a campanha antivacina. Bolsonaro torce contra a vacina.
Cientistas
e médicos brasileiros criaram o Observatório Covid-19 BR. Uma iniciativa
independente para ajudar o país a compreender esse emaranhado de informação.
Dele faz parte a médica Maria Amélia Veras. Dele faz parte José Cássio de
Moraes, que é doutor em saúde pública pela USP e também é professor da
Faculdade de Ciências Médicas da Santa Casa de São Paulo. Perguntei a ele se a
CoronaVac é boa:
—
O desfecho que se quer para uma vacina, qualquer uma, é evitar casos graves e
mortes. Nenhuma está neste momento tentando evitar a transmissão. O objetivo da
vacina do sarampo é eliminar o sarampo, o objetivo da vacina da pólio é
erradicar a pólio, o objetivo imediato de todos os desenvolvedores de vacina
nesta pandemia foi reduzir a gravidade, diminuir o número de casos graves e dar
uma folga à rede de saúde. A queda dos casos graves tem um efeito indireto nas
transmissões, porque são os que têm mais carga viral. A CoronaVac não é tudo o
que a gente desejaria, mas para o objetivo a que se propôs é boa.
Enquanto Bolsonaro brinca com assunto de extrema gravidade, os médicos trabalham, os cientistas pesquisam, nossos dois institutos de saúde pública buscam proteção para a vida dos brasileiros. É isso que está acontecendo no Brasil.
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