Disputa
no Congresso definirá futuro do governo Bolsonaro
O
comando da Câmara e do Senado será definido numa eleição que, apesar de não ser
determinada pela vida real dos brasileiros, moldará, em grande parte, seu
futuro. Não se trata de um confronto entre esquerda e direita nem de governo
versus oposição, mas de uma disputa entre partidos por espaços dentro e fora do
Congresso.
É
claro que os mantos com os quais os candidatos se apresentam têm mais
purpurina. Na Câmara, o líder do PP, o deputado Arthur Lira (AL) se mostra como
o candidato capaz de substituir o atual ocupante do cargo como o fiador da
responsabilidade fiscal. É nesta condição que gostaria de manter a Câmara como
o palco de articulações para 2022, apesar do fiapo jurídico que sustenta seu
mandato.
Como
se considera herdeiro natural do posto de fiador, o deputado Baleia Rossi
(MDB-SP) se permite falar na continuidade do auxílio emergencial. Somado à
menção ao impeachment pelo presidente da Câmara e principal apoiador de Baleia,
Rodrigo Maia (DEM-RJ), está formatado o discurso com o qual a chapa espera
atrair os 130 votos da esquerda na Casa. Visto que nem a continuidade do
auxílio nem o impeachment prosperaram com Maia, o manto dourado se reveste de
tardio oportunismo.
Como na tessitura desses mantos vale tudo, o avanço do projeto que pretende dar autonomia às PMs em detrimento da autoridade dos governadores é propagado como a decorrência natural da opção do presidente Jair Bolsonaro por Lira. Com Lira e sem auxílio emergencial, o presidente, que também já cuidou de liberalizar compra de armas e munições, estaria reforçando sua retaguarda contra o caos social decorrente da miséria.
Depois
da invasão do Capitólio não dá para duvidar de mais nada na província, mas a
hipótese despreza a capacidade de Lira perceber que, mais fácil do que lidar
com os danos do caos para sua carreira, seria convencer Bolsonaro a dar um
cavalo de pau na Economia. O presidente chegou a dizer que a culpa da não
renovação do auxílio é do Congresso. E muita gente acreditou.
No
preto e branco, Lira joga para ganhar votos de partidos como o PT, com a ideia
de que foi ele que negociou o ‘petrolão’ no Congresso. Seria, portanto, um
parceiro mais confiável do que o MDB de Baleia que articulou a posse de Michel
Temer no Palácio do Planalto. Joga também para dividir o PSB a partir das
alianças firmadas nas eleições municipais.
Junto
aos demais partidos, Lira, que enfrenta insatisfações de emendas não empenhadas
até 31 de dezembro, ainda se vende como mais capaz de arrancar benesses
governamentais.
Baleia
tem buscado cativar público para a ideia de que o STF não freia Bolsonaro
sozinho e, por isso, a aliança da Corte com a Câmara tem que continuar, sob seu
comando. Sobre Lira, Baleia ainda tem a vantagem de poder se mostrar mais
independente. Não do governo, onde sua chapa tem mais cargos do que aquela do
adversário, mas de Bolsonaro. Temer, seu padrinho político, tem rechaçado, por
exemplo, sondagens para o Itamaraty.
A
importância de Lira para Bolsonaro, no entanto, não se resume a uma experiência
maior que a de Baleia. A própria fragilidade jurídica do líder do PP pode ser
um trunfo para o presidente. Lira foi condenado pelo mesmo crime (“rachadinha”)
pelo qual o senador Flávio Bolsonaro (Republicanos-RJ) é acusado.
O
deputado obteve uma anulação de provas na primeira instância no dia em que o
processo se tornou público, mas enfrenta um recurso do Ministério Público de
Alagoas contra a absolvição. Bolsonaro pode ter sido convencido, pelo próprio
PP, de que um presidente da Câmara nas cordas seria o melhor aliado contra um
impeachment. A ideia encontra guarida na Procuradoria Geral da República, mas
não necessariamente no STF.
Em
2011 a Câmara também elegeu um presidente nas cordas, o ex-deputado Eduardo
Cunha, cassado depois de derrubar a presidente da República. A diferença é que
Dilma Rousseff caiu por ter tentado conter o mesmo Centrão com o qual Bolsonaro
casou em comunhão total de bens.
A
resistência de Lira a uma votação aberta, proposta por Maia, sugere que o
candidato do PP depende mais da rebeldia de deputados em relação à direção
partidária do que Baleia. Se os líderes dos partidos que anunciaram apoio a um
e outro forem capazes de garantir seus votos, Baleia está eleito, mas a
matemática da disputa é outra. Na contagem da Eurasia, é Lira quem está eleito
por uma margem que vai de 263 a 332 votos, amealhados até no DEM, MDB, PT e
PCdoB.
Ex-deputado
que assistiu a 22 disputas pela Câmara, nos 11 mandatos que exerceu, Miro
Teixeira vê a eleição montada sobre duas pilastras, as traições de última hora
e a flutuação de votos dos demais candidatos, hoje ainda incipiente.
É
o candidato que, na véspera da eleição, se sentir mais inseguro em relação à
liquidação da fatura do primeiro turno, diz, que tratará de incentivar a
votação nos demais: o melhor anfitrião do leilão à pururuca em Brasília, Fábio
Ramalho (MDB-MG), e o autor do projeto que turbina as PMs, Capitão Augusto
(PL-SP).
No
Senado, o lançamento da senadora Simone Tebet (MDB-MS) mostrou o acerto do
presidente Davi Alcolumbre em pinçar o senador Rodrigo Pacheco (DEM-MG).
Presidente da CCJ e uma das senadoras mais respeitadas da Casa, Simone seria
favorita se enfrentasse uma réplica de Lira no Senado, mas terá dificuldades
contra Pacheco, senador sem prontuário policial.
O
lançamento de Simone, num momento em que Baleia já está consolidado, é vista
como uma manobra do senador Eduardo Braga (MDB-AM) para tirá-la da disputa pela
liderança do partido, cargo que pretende manter. O MDB dificilmente seria capaz
de emplacar a Presidência das duas Casas como fez o DEM. A disputa, porém, é
imponderável. Nem Alcolumbre era o favorito em 2019, nem Severino Cavalcanti
aparecia com chances na Câmara em 2015. O primeiro se elegeu porque o senador
Renan Calheiros (MDB-AL) menosprezou a rejeição, tirou Simone do páreo e
insistiu na derrota e o segundo porque o PT exportou a luta interna do partido
para suas alianças.
Parece tudo muito entediante num país marcado pela emoção da perda diária de mais de mil vidas pela covid-19. É só depois dessa eleição, no entanto, que vão ficar claras as saídas para o país ou a ausência delas.
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