EDITORIAIS
Desinformação eleitoral exige ação das
redes sociais
O Globo
Mesmo rejeitado no Congresso, o voto
impresso persiste como mote central da propaganda bolsonarista. A ampla maioria
dos brasileiros afirma confiar nas urnas eletrônicas, mas a campanha de
desinformação não tem sido inócua, como demonstram pesquisas de opinião
recentes. Combatê-la é prioridade para preservar a saúde da democracia
brasileira. É uma missão que cabe não apenas a políticos e autoridades, mas
também à imprensa e, acima de tudo, às redes sociais, por onde circula o grosso
dos ataques à integridade do nosso processo eleitoral.
Recentemente, a campanha contra o sistema
de votação brasileiro ganhou vulto internacional, com a adesão de Steve Bannon,
guru da extrema direita internacional e artífice da vitória de Donald Trump em
2016. Em evento nos Estados Unidos, Bannon afirmou que a próxima eleição no
Brasil será a segunda mais importante do mundo. Repetiu a ladainha fraudulenta
que o presidente Jair Bolsonaro tem usado para justificar antecipadamente a
contestação do resultado em caso de derrota, exatamente como fez Trump.
Os Estados Unidos são o melhor exemplo para
avaliar o estrago causado pela desinformação. Mesmo sem ter havido fraude
significativa na eleição de Joe Biden em 2020, entre um quarto e um terço dos
americanos acredita que ela foi roubada. Nem as mentiras em série de Trump nem
seu apoio à invasão do Capitólio no dia em que sua derrota seria referendada no
Congresso — tentativa cristalina de golpe de Estado — foram suficientes para
impedir que ele mantenha o apoio majoritário entre os republicanos e seja o
candidato mais viável do partido para 2024. O risco para a democracia americana
foi afastado por enquanto, mas não está sepultado.
Para evitar que tragédia semelhante se repita no Brasil, os atores políticos precisam se mobilizar. Foi essencial a diligência das lideranças partidárias que se manifestaram em uníssono contra a Proposta de Emenda à Constituição que pretendia instaurar o voto impresso no ano que vem e, felizmente, saiu derrotada. Mas ela contou com apoio expressivo entre os deputados. Vários, mesmo de partidos tradicionais, endossaram a estratégia golpista de Bolsonaro, em desafio à orientação de suas lideranças. Isso demonstra que, ainda que a Câmara tenha evitado o pior, os parlamentares não estão imunes à desinformação.
O protagonismo no combate à propaganda
fraudulenta cabe, por óbvio, ao Tribunal Superior Eleitoral (TSE). A Corte
tomou medidas necessárias e louváveis para ampliar ainda mais a transparência
do processo eleitoral. Decidiu antecipar a auditoria do software que roda nas
urnas, abrir o código a partidos e especialistas, para que sugiram
aperfeiçoamentos, e convidou organizações e instituições acadêmicas a
participar dessa avaliação independente.
Também não tem poupado esforços em dirimir
todas as dúvidas — muitas naturais — sobre o funcionamento das urnas e da
apuração, por meio de uma campanha intensa. Por fim, no exercício de seu papel
de julgador, o tribunal tem conduzido inquéritos para punir os responsáveis por
propagar conteúdos fraudulentos sobre o sistema eleitoral. No último capítulo,
obrigou as redes sociais a reter pagamentos a sites, blogueiros e youtubers
bolsonaristas conhecidos como focos de desinformação.
Mas tudo isso não basta. Recai nas costas
das redes sociais a maior parcela da responsabilidade pelo dano causado à
democracia. Nem Trump nem Bolsonaro chegariam aonde chegaram não fosse a
enxurrada de mentiras e a campanha suja feita por intermédio de Facebook,
YouTube, Instagram, Twitter e WhatsApp. Só depois da invasão do Capitólio, as
plataformas digitais decidiram tomar uma atitude contra Trump. No caso de
Bolsonaro, também estão demorando para agir.
É verdade que, depois que se deram conta do
papel decisivo que desempenharam na vitória de Trump em 2016, as principais
estabeleceram políticas de vigilância sobre conteúdos fraudulentos. Mas tais
regras só entram em vigor no período eleitoral, enquanto a campanha de
desinformação corre solta a toda hora. De nada adiantará tomar medidas para
coibir as mentiras contra a urna eletrônica quando for tarde demais. As normas
deveriam entrar em vigor desde já, para prevenir abusos em quaisquer conteúdos
de cunho político. Deveriam, na maioria dos casos, ser mais rígidas do que são.
Atenção especial devem ter os aplicativos
de mensagens, em particular o WhatsApp, o mais usado no Brasil. O Projeto de
Lei das Fake News, aprovado no Senado e em tramitação na Câmara, estabelece um
critério sensato para separar as duas missões desses aplicativos: comunicação
privada e de massa. Obriga as plataformas a armazenar por três meses apenas os
dados relativos às mensagens encaminhadas pelo menos cinco vezes, que atinjam
mais de mil usuários num período de 15 dias, para que depois possam ser obtidos
mediante ordem judicial. Não há quebra do sigilo do conteúdo. Como a maior parte
dessas mensagens é formada por áudios, vídeos e imagens, elas já ficam
armazenadas em servidores e poderiam ser examinadas, também apenas com ordem da
Justiça.
É inexplicável que as plataformas e
ativistas digitais tenham se oposto de forma tão veemente a esse dispositivo,
que contribuiria de modo decisivo para disciplinar o veículo mais usado para
minar os alicerces da democracia brasileira. A privacidade da comunicação
ficaria preservada nos termos da lei e estaria garantida pela tecnologia em
grau superior ao existente para e-mails ou ligações telefônicas. A Câmara
deveria acelerar a aprovação do projeto, a tempo de obrigar as redes sociais,
em particular o WhatsApp, a adotar uma postura mais ativa no combate à
desinformação e a cumprir seu dever de zelar pela democracia, em vez de
continuar a sabotá-la.
Um arruaceiro na Presidência
O Estado de S. Paulo
Fiel a seu histórico, Jair Bolsonaro
cumpriu as piores expectativas. Incapaz de escutar quem quer que seja,
protocolou na sexta-feira passada um pedido de impeachment do ministro do
Supremo Tribunal Federal (STF) Alexandre de Moraes. Com o ato drástico, o presidente
da República tentou simular fortaleza. No entanto, a realidade é a oposta. Em
razão de suas próprias ações e omissões – o pedido de sexta-feira foi mais um
entre muitos atos de irresponsabilidade –, Jair Bolsonaro nunca esteve tão
fraco e tão isolado.
O pedido de impeachment é tacanho nos
fundamentos e nos objetivos. Pelo teor da peça, seria crime de responsabilidade
proferir decisão judicial que desagrade ao presidente da República. Em vez de
recorrer judicialmente da decisão, como se faz num Estado Democrático de
Direito, Jair Bolsonaro preferiu acusar um ministro do STF injustamente.
Em nota, o Supremo expôs o abismo entre o
pedido protocolado por Jair Bolsonaro e a Constituição. “O Estado Democrático
de Direito não tolera que um magistrado seja acusado por suas decisões, uma vez
que devem ser questionadas nas vias recursais próprias, obedecido o devido
processo legal”, diz a nota do Supremo, corroborada pelos 11 ministros.
A rigor, a ameaça de Jair Bolsonaro é
pífia. Bem se sabe que o tal pedido não tem como prosperar. “Não antevejo
fundamentos para impeachment de ministro do Supremo”, disse o presidente do
Senado, Rodrigo Pacheco. Aqui fica evidente o real objetivo do pedido. Não é,
nem nunca foi, tirar Alexandre de Moraes do STF. A finalidade é promover a
arruaça no País.
Tão logo o pedido de impeachment de
Alexandre de Moraes foi protocolado no Senado, as redes bolsonaristas começaram
a difundir novas ameaças. “Ou abrem o impeachment ou paramos o País”, diziam as
mensagens, explicitando o nível de loucura e de desespero do bolsonarismo.
O presidente da República e seus seguidores
atuam como se fossem opositores violentos do governo, ameaçando parar o País.
Em vez de governar, o bolsonarismo imita o PT em tempos do governo Fernando
Henrique. À vista desse comportamento, entende-se por que mais de 60% dos
brasileiros afirmam que não votarão de jeito nenhum em Jair Bolsonaro nas
eleições de 2022.
O bolsonarismo é caso a ser estudado. No
meio de uma pandemia, com inflação em alta, emprego em baixa, nível de
confiança caindo, investimentos em compasso de espera, o presidente Jair
Bolsonaro e seus seguidores tentam instigar medo no País, para que o Senado
remova indevidamente um ministro do Supremo em razão de suas decisões
judiciais.
É assim que o governo deseja promover a
retomada econômica? É assim que se deseja melhorar a situação de tantas
famílias vivendo na pobreza e extrema pobreza, por força da pandemia e da crise
econômica?
Para piorar, as mensagens convocando para
atos a favor de Jair Bolsonaro no dia 7 de setembro – mensagens quase sempre
apócrifas, mas nunca desmentidas ou rejeitadas pelo presidente da República –
são rigorosamente criminosas, incitando a violência contra instituições e
autoridades. O que ali se vê não é exercício da liberdade de pensamento e de
expressão, e sim prática ostensiva de crimes contra a liberdade e contra o
regime democrático.
Além disso, as mensagens de convocação para
os atos do 7 de Setembro utilizam de forma abusiva e mendaz o bom nome das
Forças Armadas. O espírito militar propaga a ordem e a civilidade, e não o caos
ou a intimidação.
Talvez Jair Bolsonaro veja o inviável e
frágil pedido de impeachment de Alexandre de Moraes como um gesto de esperteza.
Ainda que de maneira torpe, teria agitado as hordas bolsonaristas. Trata-se de
um não pequeno engano. A irresponsabilidade de sexta-feira não ficará impune.
Ao protocolar a acusação, Jair Bolsonaro conseguiu isolar-se politicamente em
grau inédito. Além disso, reiterou uma faceta especialmente nefasta de seu comportamento.
Quando se trata de livrar os seus familiares e amigos do alcance da Justiça –
afinal, essa é a causa de sua desavença com Alexandre de Moraes –, não tem
limites.
Meio ano de estagnação
O Estado de S. Paulo
O governo continua devendo, principalmente
aos milhões de desempregados, o vigoroso crescimento econômico prometido pelo
ministro Paulo Guedes. Há um claro risco de calote em relação a esse
compromisso. Durou pouco a reação inicial. Tendo crescido 1,2% no primeiro
trimestre, o Produto Interno Bruto (PIB) encolheu 0,3% no segundo, de acordo
com o Monitor do PIB-FGV.
Sobrou um avanço de 0,9%, em número arredondado, na primeira metade do ano.
Ficou faltando um bom impulso para chegar aos 5,3% estimados para 2021 pelos
economistas do mercado. Publicado mensalmente pela Fundação Getulio Vargas,
o Monitor é
uma prévia das contas nacionais fechadas a cada trimestre pelo Instituto
Brasileiro de Geografia e Estatística.
Dois dos três grandes setores produtivos
tiveram desempenho negativo no segundo trimestre, de acordo com o estudo. A
indústria recuou 1,9%, a agropecuária produziu 4,4% menos que no trimestre
anterior e os serviços cresceram 0,7%. No balanço geral o PIB diminuiu 0,3% no período.
As comparações com 2020 continuaram, naturalmente, mostrando grandes ganhos,
mas isso se explica pelas bases muito deprimidas pelo choque inicial da
pandemia.
Nesse confronto, o PIB aumentou 12,1%, com
ganhos de 16,8% na indústria e de 10,8% nos serviços e perda de 0,9% na
agropecuária. Nos 12 meses terminados em junho a economia cresceu 1,7% sobre a
base dos 12 meses anteriores, com expansão de 4,5% na indústria, 1,4% na área
rural e de 0,4% nos serviços, o setor mais afetado pelo distanciamento social e
por outras medidas de prevenção do contágio.
“Ainda há um longo caminho para a retomada
mais robusta da economia”, disse o pesquisador Claudio Considera, coordenador
do Monitor do PIB,
ao comentar os últimos dados. O recuo de 0,3% no período de abril a junho
evidenciou, segundo ele, ter havido “certo otimismo com o resultado do primeiro
trimestre”.
Esse otimismo pode ter-se refletido nas
projeções do mercado para este ano, mas há sinais de mudança nas expectativas.
Há um mês a mediana do crescimento projetado para 2021 mantém-se, com pequena
oscilação, na vizinhança de 5,3%. A expansão do PIB estimada para 2022 caiu em
quatro semanas, passando de 2,1% para 2%. Algumas instituições já trabalham com
números abaixo de 2%. Para 2023 e 2024 o mercado tem mantido a taxa de 2,5%,
considerada representativa do potencial de crescimento do Brasil. Mas nem essa
estimativa, apesar de modesta, é aceita por alguns analistas.
Não há por que supor um aumento recente
desse potencial. O investimento em capital fixo – máquinas, equipamentos e
obras – aumentou 13,3% nos 12 meses até junho. Na comparação do segundo
trimestre deste ano com o segundo de 2020 aparece um aumento de 35,2% nesse
item. Mas a taxa de investimento permanece modesta. Apesar desses números
impressionantes, atingiu apenas um valor correspondente a 19,3% do PIB, no
trimestre abril-junho de 2021.
Essa taxa é superior à média a partir de
janeiro de 2000 (18%), mas ainda é muito baixa. Neste século, a relação
investimento/PIB alcançou 20% em vários anos e ocasionalmente superou esse
nível, mas foi sempre insuficiente para dar à economia brasileira um dinamismo
parecido com o de outros países emergentes. Durante anos o governo buscou a
meta de 24%, mas sem atingi-la.
O investimento em capital fixo tem sido insuficiente
até para compensar a depreciação acumulada, principalmente na infraestrutura.
Além de insuficiente e desatualizada, boa parte dessa infraestrutura é
decadente, como se observa, sem dificuldade, na malha de transporte. Com sua
capacidade de poupar e de investir muito reduzida, o setor público tem
dependido cada vez mais do capital privado para aplicar recursos em rodovias,
ferrovias, portos, aeroportos, geração e transmissão de energia e sistemas de
saneamento. No atual mandato federal, pouco se progrediu nesse trabalho por
meio de privatizações e de licitações. Dinheiro nem sempre é o único recurso
escasso. O principal gargalo está, com frequência, na capacidade
administrativa.
A análise do Enem feita pela USP
O Estado de S. Paulo
Uma semana após o ministro da Educação,
Milton Ribeiro, ter dito que “a universidade é para poucos” e que “as vedetes
do futuro” serão as escolas técnicas, um grupo de pesquisadores do Instituto de
Ciências Matemáticas e de Computação (ICMC) da USP, em São Carlos, divulgou
importante pesquisa promovida com base em dados do Exame Nacional do Ensino
Médio (Enem).
A primeira constatação dá a dimensão da
falta de rumo do governo, uma vez que o orçamento previsto para aquilo que o
titular do Ministério da Educação (MEC) considera prioritário vem sofrendo
drásticos cortes orçamentários. Já a segunda constatação diz respeito a uma
nova fonte de informações estatísticas para a formulação de políticas públicas.
O estudo revela como as áreas educacionais que não foram afetadas pelos
propósitos anti-iluministas do governo Bolsonaro são capazes de fornecer
evidências científicas para fundamentar programas destinados a melhorar a
qualidade do ensino.
A pesquisa se concentrou no período
2012-2017. Apesar de mais de 5 milhões de pessoas terem participado do Enem em
cada um dos anos analisados, os pesquisadores levaram em conta uma amostra
anual de 1,3 milhão. Com auxílio de algoritmos que desenvolveram, eles
calcularam as notas médias das provas de redação e de cada uma das áreas do
conhecimento. Em seguida, dividiram os alunos em três grupos – os que tiveram
baixo, médio e alto desempenho. Com base nesses dados, promoveram três tipos de
análise. A primeira foi sobre o nível de aprendizagem demonstrado pelos alunos
do ensino médio de cada uma das regiões do País. A segunda análise comparou o
desempenho dos estudantes da rede pública com os das escolas particulares. A
terceira foi voltada à compreensão do que ocorreu com os alunos com baixo
desempenho.
A surpresa dos pesquisadores se deu
justamente quando investigaram a elevação da pontuação média do grupo de alta
performance, especialmente no período entre 2014 e 2017. Foi detectado que, nos
primeiros anos desse período, os estudantes das Regiões Sudeste e Centro-Oeste
obtiveram as melhores pontuações. No entanto, a cada ano as pontuações dos
estudantes com alto desempenho do Nordeste, região menos desenvolvida do que as
outras duas, foram crescendo progressivamente. Com isso, em 2017 o Nordeste se
tornou a segunda região com melhor desempenho educacional de todo o País nas
provas do Enem, ultrapassando o Centro-Oeste.
“Isso indica que, provavelmente, quem
administra as escolas públicas do Nordeste passou a investir mais na preparação
para o Enem, adotando novos métodos que propiciaram resultados mais
satisfatórios”, afirma o pesquisador Afonso Souza Lima. Por isso, agora é necessário
fazer um levantamento mais profundo do que aconteceu no Nordeste, “para
replicar as práticas de sucesso em outros locais”, diz ele.
Outra surpresa detectada pelos
pesquisadores está relacionada à diminuição da participação, no Enem, dos
estudantes com deficiência oriundos da rede pública e ao aumento de alunos
oriundos da rede privada. “Isso pode indicar que a escola particular está
adotando alguma estratégia muito boa ou que a escola pública está piorando. Mas
o fato é que as escolas privadas estão ficando mais atrativas para esses
alunos”, aponta Robson Cordeiro, professor do ICMC/USP. Essa é uma informação
importante, uma vez que, segundo a Unesco, 24% da população brasileira
apresenta algum tipo de deficiência.
Considerado uma fonte fidedigna de dados
estatísticos para nortear o desenvolvimento de programas educacionais do ensino
médio conforme as especificidades de cada região do País, esse estudo já
propiciou um artigo publicado na revista científica Journal of Information and Data Management.
Infelizmente, em vez de levar em consideração trabalhos como esse, mobilizando
a partir dele gestores e instituições com o objetivo de criar uma educação
pública de qualidade e com equidade, nos últimos anos o MEC vem perdendo tempo
com questões menores e demagógicas, como homeschooling e a proposta da “escola
sem partido”.
Zelo e autonomia
Folha de S. Paulo
Conduta de Aras mostra necessidade de mais
contrapesos à ação do procurador
Não faltam exemplos para demonstrar a falta
de zelo com que o procurador-geral da República, Augusto Aras, exerce as
atribuições fundamentais conferidas pela Constituição de 1988 ao cargo que
ocupa há quase dois anos.
Desde o início da pandemia do coronavírus,
o chefe do Ministério Público Federal se comporta como espectador passivo
diante da negligência de Jair Bolsonaro no enfrentamento da calamidade,
indiferente às ações do presidente para sabotar as medidas sanitárias.
O chefe do Executivo investe contra a ordem
democrática, ofende ministros do Supremo Tribunal Federal e espalha mentiras
para tumultuar as eleições que se avizinham, mas Aras assiste inerte a tudo,
como se não fosse com ele.
Em vez de instaurar inquéritos para
examinar a conduta do mandatário e coletar as provas necessárias para
responsabilizá-lo, o procurador subserviente faz pouco das evidências à vista
de todos e recorre a procedimentos administrativos protelatórios para não agir.
Pesquisadores da Fundação Getulio Vargas
que estudaram centenas de ações movidas contra o governo Bolsonaro no Supremo
concluíram que a Procuradoria-Geral endossou os argumentos do Palácio do
Planalto em 87% dos casos em que se manifestou.
À frente da instituição incumbida pela
Carta de defender os interesses da coletividade e vigiar o poder, Aras se
mostra dócil com os que abusam de suas prerrogativas e inclemente com os que se
opõem aos desmandos.
O alinhamento a Bolsonaro lhe garantiu o cargo
há dois anos e abriu caminho para sua recondução agora. Nas duas ocasiões, o
presidente desdenhou os nomes da lista tríplice apresentada pelos membros do
Ministério Público, rompendo uma tradição respeitada por seus antecessores
desde 2003.
Tudo indica que Aras terá sua nomeação
confirmada após a sabatina marcada pelo Senado para a próxima terça (24). Como
muitos senadores são alvos de processos no STF, nenhum deles quer briga com o
procurador-geral, ainda mais tratando-se de alguém maleável como o atual
ocupante do posto.
Diante da convergência de interesses que o
preserva no cargo, os mecanismos de controle previstos pela legislação em vigor
têm se revelado insuficientes.
O procurador-geral que se recusa a praticar
os atos que lhe competem ou é desleixado no cumprimento de suas funções está
sujeito a processo por crime de responsabilidade no Senado e afastamento do
cargo, mas denúncias apresentadas contra Aras têm sido arquivadas sumariamente.
Cabe ao Conselho Superior do Ministério
Público Federal, órgão administrativo presidido pelo procurador-geral e
composto em sua maioria por membros do topo da carreira eleitos por seus pares,
examinar acusações de crimes comuns contra o chefe da instituição.
Aras foi alvo de três representações
criminais nos últimos meses, assinadas por senadores e procuradores
aposentados, mas manobras de seus aliados no conselho conseguiram impedir até
aqui a abertura de investigações.
São recomendáveis, como se constata a
partir da experiência recente, medidas que submetam os poderes do
procurador-geral a novos contrapesos e ao mesmo tempo reforcem a autonomia da
instituição que ele representa.
Tornar obrigatório no processo de escolha do
procurador-geral o uso da lista tríplice com os mais votados pelos integrantes
do Ministério Público, como já defendeu esta Folha, seria um passo essencial
para restringir a discricionariedade do presidente e aumentar a independência
do indicado.
Afigura-se necessária também a criação de
procedimentos para revisão dos atos do procurador-geral nas investigações que
envolvam autoridades com foro em tribunais superiores, entre elas o presidente
da República e os membros do Congresso Nacional.
Desse modo, sempre que o procurador-geral
propusesse o arquivamento de um inquérito ou ação penal, o tribunal teria a
opção de submeter o caso ao Conselho Superior do Ministério Público Federal
para que opinasse, como já é possível em instâncias do Judiciário.
Bolsonaro não se cansa de estimular o
servilismo de Aras com a oferta de recompensas. Desde que o indicou, acena com
a possibilidade de nomeá-lo para uma cadeira no STF assim que tiver a chance de
preencher uma nova vaga na corte.
Seria bem-vinda, portanto, a adoção de uma
quarentena para o procurador-geral, a exemplo das restrições impostas a
ministros, diretores do Banco Central e outros funcionários que deixam o setor
público para atuar no setor privado.
A legislação vigente proíbe, por exemplo,
juízes e membros do Ministério Público que se aposentam de advogar nos
tribunais em que atuavam por três anos após o desligamento da função pública.
Uma barreira semelhante, com prazo a
definir, poderia impedir barganhas como a entretida pelo atual procurador-geral
com Bolsonaro, impedindo que os ocupantes do cargo o transformassem em
trampolim para suas ambições e usassem a independência do cargo como escudo
para a desídia.
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