domingo, 22 de agosto de 2021

Merval Pereira - Ousadia de um fraco

O Globo

Ao anunciar que apresentará outro pedido de impeachment de ministro do Supremo Tribunal Federal (STF), desta vez Luis Roberto Barroso, o presidente Bolsonaro dobrou sua aposta no caos, como é de seu feitio de blefador compulsivo. Só faz piorar sua situação, pois a cada arruaça institucional que promove, ajuda a afundar seu governo e abre caminho para que seja abandonado por sua base parlamentar trânsfuga.

O ex-presidente Lula, que conhece como o Centrão negocia, já previu que seus principais líderes não ficarão ao lado de Bolsonaro por muito mais tempo. A não ser os radicalizados, os apoiadores do presidente vão abandonando o barco ao constatarem que o país talvez não aguente muito mais tempo com ele à frente, e muito menos a perspectiva de um novo mandato.

Tendo sido eleito principalmente pelo antipetismo, Bolsonaro nunca deixou de ser o político do baixo clero que sempre foi, e também não cumpriu seu programa liberal na economia e de combate à corrupção. Ao contrário, fez questão de reforçar o que lhe distingue negativamente, e que faria com que disputasse com o Cabo Daciolo a insignificância nas urnas se não tivesse enganado o eleitorado com um programa que nunca poderia ter cumprido por sua própria índole, que era desconhecida da maioria que, de boa fé, viu nele o único candidato capaz de derrotar o petismo.


Boa parte dos que já o abandonaram esperava que, eleito, incorporasse o espírito do cargo e refreasse seu linguajar chulo e sua maneira grosseira de ver o mundo. Mas Bolsonaro nunca entendeu o que significa ser o Presidente da República de uma das maiores democracias do mundo, ao contrário. Levou para os palácios presidenciais hábitos e costumes do baixo clero político, quando não ambições ditatoriais que certamente não estavam nos planos de grande parte de seus eleitores.

Nem ao Centrão interessa esse clima de tensão e discórdia no país. Não é da índole de seus integrantes apoiarem governos autoritários, pois sabem que fora da democracia parlamentar não têm importância nenhuma. Serão cassados por corrupção juntamente com os políticos ideológicos de esquerda, sobrando espaço apenas para os aloprados bolsonaristas no jogo de poder ditatorial. Com a mesma facilidade com que se entregou ao Centrão para evitar o impeachment, Bolsonaro os jogaria às feras se fosse vitorioso na sua aventura golpista, alegando que tentou acordos, mas foi traído pela ganância de políticos aventureiros.

A tentativa de constranger os membros do Supremo Tribunal Federal com pedidos de impeachment foi dos passos mais ousados que já deu nessa escalada golpista, mas também dos mais desastrados. Por inédita, a iniciativa é revestida de simbolismo político extraordinário, ao mesmo tempo que será inócua. Só seria possível um gesto dessa magnitude se tivesse de antemão a certeza do apoio do Senado, que não terá.

Jogar-se contra o STF por conta própria, ele e a turba que adere às suas provocações e arruaças, mostra mais desespero que fortaleza. Assim como a patacoada militar que encenou, com o desfile de tanques sucateados, só trouxe perda de prestígio para ele e os comandantes militares. A “ameaça” de discursar nas manifestações dia 7 de setembro marcadas para Brasília e São Paulo é mais uma escalada na confrontação com o Supremo e o Congresso.

Como é descontrolado,  Bolsonaro vai botar fogo nessa crise. Com uma multidão pedindo a saída de ministros do STF, voto impresso, e outras coisas, não terá palavras sóbrias; não vai dar certo. Para justificar a voz nas manifestações, mostrar que o povo está a seu lado, terá que incendiar as massas, e será difícil se controlar.

A ação da Polícia Federal contra o sertanejo Sergio Reis e o deputado  Ottoni de Paula, autorizada pelo ministro do STF Alexandre de Moraes, primeiro alvo de Bolsonaro, é uma demonstração clara de que não dá para brincar com coisa séria, como as instituições democráticas. Não é possível incentivar revolução, invasão do STF e quebra-quebra no Congresso e ficar por isso mesmo. Mas grave mesmo é quando o presidente toma essa atitude, demonstrando total inconsequência, sem avaliar o que pode acontecer a partir daí. Ou até avaliar, e acreditar que a arruaça vai favorecê-lo.

 

 

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